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4.1 História política

4.1.7 O novo estado social contemporâneo (e a Constituição Brasileira)

As idéias fundamentam a nova moldura do estado, originadas historicamente em Hobbes e Locke, são reafirmadas por Kant, o qual buscava um Estado totalmente desprovido de razões éticas ou morais unicamente controladas pela lei. Sem dúvida, são as postulações de Kant que estão na base da luta travada no setor econômico contemporâneo do liberalismo.

O homem sujeito aos limites da lei, amoral, que põe a sua força empreendedora na luta para vencer seu concorrente – é esse cidadão que está posto diante do Estado, do qual se espera desenvolvimento de mercados nacionais e estrangeiros, para gerar empregos e renda. A garantia de ação nesses moldes está prevista pela Carta política, notadamente no art. 170, V. Não se trata de um favor, nem de um direito voltado ao interesse pessoal; é a forma de liberar as forças competitivas da própria sobrevivência da sociedade civil para enfrentar uma luta feroz por posições de mercado, dando-lhe condições favoráveis para gerar emprego

e renda entre tantas sociedades civis. Cabe ao Estado incentivar os empreendedores, preservar seus talentos. Este é o verdadeiro alcance e interesse social prescrito pelo art. 5º, XIII da Carta Política, que literalmente prescreve: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.”

Cabe à sociedade civil, em conjunto, a cada cidadão em particular, o desenvolvimento econômico do Estado, pondo o seu talento a serviço de seus interesses e, por via reflexiva, da comunidade. Para garantir essa convivência entre a sociedade civil e o cidadão, foi instituída a neutralidade do Estado, que deve intervir para suprir, desenvolver, favorecer e não para promover a atividade econômica de forma direta. Desse paradigma, pois, que brota a filosofia política do Estado Social e democrático moderno e que está consagrado normativamente no art. 170 da Carta Brasileira.

Outro vetor dessa nova doutrina econômica, consagrada na Constituição, é o de afastar o Estado da atividade econômica, instituindo a sua neutralidade quanto às questões éticas, em relação ao bem perseguido por cada qual. Para isso, valeu- se dos princípios axiológicos éticos, que se refletem nas leis penais, nas nulidades contratuais, etc., a serem perseguidos pela comunidade. Instituindo, em contrapartida, um vazio normativo dentro do qual há liberdade, para que cada um kantianamente – busque a sua felicidade, ou – aristotelicamente – decida a perseguição de uma vida boa.

Com essa assepsia de princípios axiológicos, a convivência social e a integração política das diversas comunidades éticas, passaram a ser promovidas a partir da lei, proibindo qualquer ação preconceituosa, quer por via formal, quer subjetiva, como diferença de raça, cor, origem, credo, prescrito no art. 5º, III da Constituição.

Sem dúvida, não se eliminou do convívio social as diversas matrizes ideológicas; a moralidade continuou habitando o ser humano, mesmo porque é um dos elementos constitutivos da sua qualidade, ao garantir a cada qual, a obediência e a observância das condutas pessoais, somente ao que está prescrito em lei (Constituição, art. 5º, IV).

Lembra-se, aqui, Montesquieu178, citado por Bobbio179:

Montesquieu, portanto, define a liberdade como “o direito de fazer tudo aquilo que as leis permitem” (I, p. 273). Num outro trecho da mesma obra (XXVI, 20) diz: “A liberdade consiste principalmente no fato de não se estar obrigado a praticar uma ação que a lei não ordene” (II, p. 169).

Em vista disso, não existe mais um poder que imponha uma moralidade específica, o que culminou numa sociedade ético-pluralista, que cabe ao Estado manter sob equilíbrio, sem se imiscuir no conflito ético religioso ou ideológico.

O isolamento do Estado das questões éticas e ideológicas teve reflexo na interpretação jurídica, que passou a se fundar no direito, a partir da noção de contrato em que se considerava o objetivismo legal como fundamental. Isso, por si só, protege cada cidadão dos vieses ideológicos dos julgadores.

Por isso, é importante o realce da imparcialidade dos magistrados, que deve estar fundamentada e justificada e não pode violar as garantias de liberdade.

A atividade empreendedora está submetida à regência legal do exercício dos direitos de propriedade, com vista ao bem social e à modulação de conceito definida pelas leis que regem a livre concorrência, nos termos do art. 170, II, da Constituição. A valoração factual foi posta a partir da lei, sujeita somente à aplicabilidade fundada na racionalidade, despida de qualquer materialidade que pudesse afetar uma visão ético-universalista, estabelecendo uma igualdade instituída axiologicamente180. A

igualdade formal da parte em juízo, passou a ser o repositório de todo tratamento jurídico, no qual devem estar ausentes as ideologias que alimentam o conflito político entre os grupos que se articulam dentro da sociedade civil, na defesa de seus interesses. Com isso, o direito purifica-se de quaisquer axiologias subjetivas que possam orientar as decisões na aplicação do direito. A ação pública, por isso,

178 Montesquieu – 1689-1755. Em 1748, escreveu O Espírito das Leis, na qual procurava explicar as leis que regem os costumes e as relações entre os homens a partir da análise dos fatos sociais, excluindo qualquer perspectiva religiosa ou moral. Segundo ele, as leis revelam a racionalidade de um governo, devendo estar submetido a elas, inclusive a liberdade. Para evitar o despotismo, o arbítrio, e manter a liberdade política, é necessário separar as funções principais do governo: legislar, executar e julgar.

179 BOBBIO, Norberto, op. cit., 1997, p. 43.

180 “Nesse sentido, Kelsen afirma que toda teoria que admite a existência de valores imanentes à realidade possui uma origem metafísico-religiosa, pois “ela radica na idéia de que a natureza foi criada por uma autoridade transcendente que incorpora em si o valor moral absoluto ou de que o acontecer fático da realidade é dirigido por essa autoridade, de que, se a natureza está sujeita a leis, estas leis são ordens da autoridade transcendente e, portanto, normas” (KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 73) GAIANO FILHO, Itamar, op. cit., p. 35.

deve estar vinculada à lei, única norma que tem eficácia para impor condutas em face do necessário tratamento vinculado à lei.

Bobbio181, a esse respeito, é contundente:

Dizer que o Estado tem como fim o desenvolvimento da liberdade individual significa também dizer que o Estado não tem um fim próprio, mas que o seu fim coincide com os fins múltiplos dos indivíduos. Portanto, sua tarefa não é prescrever fins para cada indivíduo, mas atuar de maneira que cada indivíduo possa alcançar livremente, ou seja, numa situação de liberdade externa garantida, os próprios fins. Ele então deve preocupar-se não tanto em estabelecer o que devem fazer os seus cidadãos, mas garantir para cada um uma esfera de liberdade de maneira que, dentro dela, cada um possa, segundo as suas próprias capacidades e talento, perseguir os fins que livremente se propõe.

A participação de cada indivíduo no social, dentro dos limites de liberdade e igualdade, buscando a realização de seus talentos e da sua autodeterminação, é o fator que molda a sociedade civil e, a partir de sua ordenação, institui o Estado como forma de normatividade última de ação comunitária. Os atos de cada membro da sociedade civil, desde que direta ou indiretamente regrados, são atos praticados em face do direito civil – quando inerentes a práticas entre pessoas privadas são inerentes ao conceito civil. Assim, os direitos civis decorrem da instituição normativizada da sociedade civil. Por isso, a prática de atos, quando se inclui entre os permitidos, emerge dentro do contexto normativo e como tal, são atos originariamente jurídicos. Paulo de Barros182 traz lição oportuna ao afirmar que:

Procurando cobrir todo o campo possível das condutas em interferência intersubjetiva, o legislador vai saturando as variáveis lógicas da norma com os conteúdos de significação dos fatos que recolhe da realidade social, depois de submetê-los ao juízo de valor que presidiu a escolha, ao mesmo tempo em que orienta os comportamentos dos sujeitos envolvidos, modalizando-os como os operadores “obrigatório”, “proibido” e “permitido”. É precisamente neste espaço que as normas jurídicas adquirem aquela heterogeneidade semântica que mencionamos, sendo admissível, então, falar-se em normas constitucionais, administrativas, civis, comerciais, processuais e normas de direito tributário. Estas últimas se caracterizam por verter-se sobre região determinada, qual seja, aquela dos acontecimentos economicamente apreciáveis e de condutas obrigatórias por parte dos administrados, consistentes em prestações pecuniárias em favor do Estado- Administração.

181 BOBBIO, Norberto, op. cit., 1997, p. 133.

182 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 76-77.