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4.1 História política

4.1.5 Surge o novo Estado

4.1.5.1 Hobbes político

No plano teórico do direito natural e da formação do Estado com poderes absolutos, surge a obras de Hobbes154, entre os quais a mais importante é Do

cidadão, que, ao lado de Maquiavel, foi um dos fundadores da ideologia política contemporânea. Hobbes afirma que o controle do egoísmo deve ser promovido pelo Estado, a partir de leis civis.

Hobbes argumenta que, com a conquista gradativa da liberdade, acentua-se a justificação do homem “econômico”. Contudo, esse egoísmo faz surgir a nova

153 MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Martin Claret, 2006. 154 HOBBES, Thomas. Do cidadão. São Paulo: Martin Claret, 2004.

mentalidade de que cada um é responsável por si. Assim, a necessidade de sobrevivência e aquisição de bens, posto como forma de sucesso e reconhecimento de um status social, gera uma disputa permanente entre os homens.

Ainda segundo Hobbes, para disciplinar tal disputa, posta em forma de guerra do homem contra o homem, justifica-se o Estado a partir de um paradigma novo, modulado na forma de um contrato155. Contudo, nesse contrato as partes são

os próprios homens que, entre si, buscando por fim às disputas nas quais, em instâncias primárias, jogava-se com a vida, atribuem a uma terceira parte o disciplinamento da convivência em sociedade.

Surge, então, um Estado mais formalizado, como delegatário do direito de organizar a convivência entre os homens, por via da renúncia de cada homem do seu egoísmo primário em favor do Estado, o qual, então, é delegatário do poder absoluto, posto que tem como objetivo manter a paz, garantir a integridade física, a liberdade e proteger os bens de cada cidadão. Hobbes156 refere expressamente:

Ora, o que não é contrário à reta razão é o que todos os homens reconhecem ser a prática da justiça e do direito; entendendo-se pela palavra direito, nada mais do que aquela liberdade que todo homem possui para, conforme a reta razão, fazer uso de suas faculdades naturais. Conseqüentemente, a primeira fundação do direito natural está no empenho de todo homem, na possibilidade de suas forças, em proteger sua vida e membros.

O Estado, assim justificado, não precisa prestar contas aos indivíduos, mesmo porque não integra o pacto social. Emergem aí as raízes do Estado, que adota a normatividade como forma de convivência da coletividade, e surge um novo paradigma, fundado num horizonte em que cada homem olha para o mundo, não mais a partir de Deus, mas a partir de seus interesses pessoais.

Tais interesses, então, fundamentam a convivência social, agora controlada pelo Estado o qual, para manter a ordem, passa a ter o poder de estabelecer leis próprias, revogadoras de costumes e ordenadoras de regras sociais preponderantes.

Identificam-se então, as primeiras manifestações da liberdade econômica, que dão origem ao pensamento liberal, formulado por dois planos separados: de um lado o Estado-controlador-indiferente; de outro, a comunidade.

155 HOBBES, Thomas, op. cit. Capítulo VI, item VII. 156 Ibid., p. 34.

Por esse pacto, atribui-se o poder disciplinar ao Estado de forma irrestrita, que por não estar vinculado ao contrato que os homens fizeram entre si, passa a ter liberdade total de dispor regras que irão disciplinar a convivência entre os homens em sociedade; incluindo regras sobre a moralidade, a espiritualidade e também sobre o direito e a forma de aquisição e manutenção de bens.

Tais poderes, postos figurativamente pelos homens nas mãos do soberano, a quem cabia estabelecer a religião conveniente como forma de assegurar o controle social, dão ao Estado o poder absoluto de constituir um verdadeiro Deus amoral – Leviathan - que absorve os indivíduos. Quanto às leis do Estado, Hobbes (1976, p. 211) entende que:

Todas as leis, escritas ou não, têm necessidade de uma interpretação. A lei de natureza, que não é escrita, embora seja de fácil acesso para aqueles que sem parcialidade ou paixão fazem uso de sua razão natural, deixando portanto sem desculpa seus violadores, tornou-se agora apesar disso, devido ao fato de haver poucos ou talvez ninguém que em alguns casos não se deixe cegar pelo amor de si ou qualquer outra paixão, a mais obscura de todas as leis, e por isso é a que tem mais necessidade de intérpretes capazes. Quanto às leis escritas, se forem breves, facilmente serão mal interpretadas por causa da significação diferente de uma ou duas palavras; se forem longas, se tornarão tanto mais obscuras por causa da diversidade de significações de muitas palavras, pode ser bem compreendida sem uma perfeita compreensão das causas finais para as quais a lei foi feita, e o conhecimento dessas causas finais está com o legislador. Para este, portanto, nenhum dos nós da lei pode ser insolúvel, seja achando-lhe as pontas e por aí desatando-os, seja fazendo quantas pontas lhe aprouver (como Alexandre fez com sua espada ao nó górdio), através do poder legislativo, coisa que nenhum intérprete pode fazer.

Essa transcrição longa evidencia a necessidade que o Estado totalitário tem de garantir uma determinada interpretação das leis. Além de combater a interpretação, estabeleceu mecanismos de uniformização conceitual, com vista à imposição de um poder por via normativa. No resguardo da interpretação das leis, de forma livre, nota-se sempre um viés de ação do totalitarismo, que concretiza o exercício absoluto de poder, impondo a significação dos textos legais que lhe convém, dissimulando assim, por via da prestação jurisdicional, submetendo a coletividade ao poder violento da imposição autoritária.

Então, o argumento em favor da necessidade de um soberano absoluto, de um poder supremo incontestado e incontestável, é um argumento em favor de um intérprete a serviço do poder político, que possa dar a sua concordância validando a eficácia das decisões do Estado. Wolfgang Kersting refere que:

A categoria filosófica de Hobbes é atestada pelo fato de ele explicitar o estado de guerra não só como cenário de conflito psicológico-racional, mas também como caos de significado, que precisa ser organizado da mesma maneira como o mundo da ação. E ele só pode ser organizado se o vácuo de objetividade for preenchido por decisões instituidoras de significado, se o lugar da natureza moral objetiva que foi a pique for tomado por um conjunto de regras artificial do Estado que seja compromissivo para todos e determine o que é “justo” e “injusto”, “meu” e “teu”, “compromissivo” e “inválido”. Visto que os seres humanos não têm condições de conferir aos conceitos normativos fundamentais de orientação de seus discursos morais e políticos um significado objetivo, apelando a uma natureza responsiva, assim como tampouco têm condições de chegar a um acordo, na prática consensual, quanto a um significado de compromissividade geral, eles precisam se submeter às decisões de um criador de significados. 157 (Informação verbal)