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Por todo o exposto anteriormente, restam identificados dois vetores de conhecimento que demarcam as conclusões que já podem ser postas, quais sejam: de um lado verdadeiro/falso, aplicáveis ao conhecimento científico, que apuram a base de cálculo para identificar a renda para efeito tributário; de outro, razoável/menos razoável, aplicáveis para se definir a verdade relativa ao conhecimento aos objetos que “não têm existência concreta porque são generalidades abstratas” e, para tanto, basta que sejam reconhecidos como prováveis36 por uma determinada comunidade.

Em face disso, o conceito de renda exige uma demonstração científica, por via de um procedimento criticável, que permitirá demonstrar o conteúdo experencial subjacente aos conceitos singulares, ou seja, a existência de coisas concretas que forçosamente deve ser demonstrada nas decisões. Com essa demarcação, verifica- se que não basta ter um conceito genérico, modulado mais nas regiões do abstrato: o caso concreto, o singular, terá que ser posto em linguagem de modo a que o conceito não seja apenas formalmente conhecido, mas seja signo de uma singularidade factual, que possa efetivamente demarcar os limites constitucionais.

Surge, então, uma terceira região do conhecimento, que se forma a partir de uma matriz de racionalidade específica e como tal requer a aplicação de paradigmas que conformem sua finalidade técnica verificatória da verdade. Trata-se de um processo, um gênero, sistematicamente estruturado, por via do qual se verifica a verdade. No caso da base de cálculo do Imposto de Renda, deve ser orientado por uma matriz de racionalidade única, qual seja: a demonstração neutra da verdade ôntica quanto aos fatos estabelecidos por um encadeamento de critérios, que permitem o cálculo dos acréscimos patrimoniais, num período de tempo diferenciado da pessoa jurídica. Segundo Santaella37,

a linguagem descritiva representa uma tentativa de se traduzir através do verbal o mundo das qualidades aparentes das coisas. Representa, portanto, a pretensão de se transcrever através do terceiro (convencional) aquilo que é primeiro (apreensão positiva e simples das qualidades). A descrição seria um tipo de manifestação da linguagem verbal que tende a se aproximar do primeiro modo de apresentação dos objetos na consciência. Ou melhor, que tende a registrar pelo e no verbal esse primeiro modo de apreensão.

Evidencia-se, então, que o procedimento verificatório de renda tributável está inserido num gênero específico de procedimento que se destaca como região ôntica do conhecimento e que deve ser estabelecido por regiões voltadas à concretização de sua finalidade. Para melhor ilustrar essa afirmação, enumeram-se alguns casos em que a identificação do ser, no contexto jurídico, faz-se por via de um procedimento:

1) o direito criminal – que tem como objeto a discussão sobre a responsabilidade de prática de atos proibidos e tem como penalidade preponderante a restrição ou até a perda temporária de liberdade – adota eventos que, ocorridos, desencadeiam a aplicação de penas. Por isso, impõe-se a comprovação por meio de perícias técnicas que permitam estabelecer a verdade sobre os eventos praticados, a partir de processos cientificamente criticáveis;

2) o exame de DNA – verifica a origem genética e identifica corpos – constitui um exemplo prático de processo de estabelecimento da verdade;

3) a identificação da composição química de líquidos ou sólidos, para efeito de sua classificação fiscal e tributação pelo IPI, e Imposto de Importação;

4) a apuração matemática de valores, a partir de definições postas em decisões judiciais, etc.

37 SANTAELLA, Lúcia, op. cit., p. 192.

Todos os quatro procedimentos mencionados buscam verificar os conteúdos ônticos de um determinado objeto sob o viés jurídico. Os peritos, ao identificarem esses conteúdos, nada mais fazem do que narrá-los sistematicamente, aplicando um encadeamento de técnicas que permitem sua verificação empírica.

Dos procedimentos exemplificados acima, denota-se que, para conhecer os resultados das situações enumeradas, depende-se de um procedimento verificatório específico para promover a realização dos conceitos jurídicos universais contidos na lei, nos casos singulares. Sem que, v.g., se identifique os objetos industrializados, tecnicamente não se tem elementos para identificar sua classificação fiscal.

Por isso, a concretização do conceito genérico estabelecido na lei, necessita de um procedimento estruturado, por via de um instrumental cientificamente comprovado, para estabelecer a verdade concreta, necessária à pronta aplicação normativa. Deixa-se, então, absolutamente inequívoco que ao direito não repugna utilizar a linguagem narrativa, tecnicamente arrumada, para comprovar eventos. Ao contrário, o Direito, para sua aplicação, necessita desses procedimentos imprescindíveis e, por isso, não se pode rejeitá-los.

Observa-se, contudo, que tais procedimentos estão sujeitos a regras jurídicas que informam o devido processo legal (art. 5º, LIV) e por isso a sua formação criteriológica se situa no contexto do sistema jurídico. O direito, como um ser cultural, tem imbricações com a experiência social em todos os casos em que é aplicado, uma vez que se restringe a regrar o relacionamento entre pessoas num determinado contexto social. Por isso a ciência jurídica, quando adota saberes oriundos de outras ciências, não deixa de ser menos científica, desde que faça a apreensão dos objetos científicos a partir dos paradigmas jurídicos. Em face disso, perde a cientificidade, que se resolve num contexto da racionalidade humana, quando busca, por meios próprios, estabelecer a verdade por via idealizada. Tal idealização, quando não for inferida de uma realidade singular é que permite a abertura de flancos para que se institua o arbítrio, porque permite a atuação jurisdicional no plano de uma probabilidade não-controlável cientificamente38.

38 A Este propósito Hessen menciona: “A ‘imagem’ do objeto no sujeito é uma estrutura lógica e, enquanto tal, objeto da lógica. Mas, também aqui, imediatamente se vê que a lógica não é capaz de resolver o problema do conhecimento. Ela investiga as estruturas lógicas enquanto tais, sua Constituição interna e suas relações mútuas. Ela pergunta sobre a concordância do pensamento

consigo mesmo, não sobre sua concordância com o objeto.” (grifo nosso) HESSEN, Johannes,

A cientificidade, segundo Popper, deve ser demonstrada e deve ser contestável. O critério de demarcação inerente à lógica indutiva, isto é, o dogma positivista do significado equivale ao requisito de que todos os enunciados da ciência empírica (ou todos os enunciados “significativos”) são suscetíveis de ser, afinal, julgados com respeito e sua verdade e falsidade; que eles devem ser “conclusivamente julgáveis”. Isso quer dizer que sua forma deve ser tal que se torne logicamente possível “verificá-los e falsificá-los”. 39

Isso impõe que os processos, para identificar a validade dos objetos que se incluem no contexto de uma decisão, sejam examinados, fundamentados e justificados criticamente. Aí se põe a indagação: sob que critério o jurista deve examinar estes procedimentos? A resposta é a de que o critério que orienta a dinâmica do desenrolar dos procedimentos intrumentalizadores da verificação da verdade ôntica, deve ser informado para que se permita examiná-lo, para constatar se ele efetivamente está estruturado de forma a se prestar para afirmar essa verdade de forma válida.

Pode-se, então, concluir que o processo pelo qual se estabelece a verdade sobre o conteúdo ôntico dos conceitos, deve orientar a sua prestabilidade para o fim a que se destina: trata-se de uma forma de proceder testada com resultados cientificamente estabelecidos. Nesses casos, havendo a instrumentalização de um aparato tecnológico, mediante o qual, cientificamente se estabelece a verdade sobre um determinado fato empírico, resta às partes que litigam em juízo contraditar a observância dos critérios científicos, ou demonstrar que o procedimento tem falhas e não se presta à finalidade. Contrário senso, a contestabilidade fica inviabilizada, restando ao julgador afirmar, na decisão individual e concreta, a verdade tecnicamente afirmada.

Cabe enfatizar que entre os procedimentos utilizados para alcançar determinados fins específicos, inclusive se a observância da normatividade constitucional encontra o “devido processo legal”, que instrumentaliza a ampla defesa, conformado nas normas processuais, sejam elas prescritas no plano da prestação jurisdicional – contidas no CPC – sejam estabelecidas no plano dos procedimentos administrativos.

Identifica-se, desse modo, uma região de conhecimento especial: o exame crítico dos procedimentos que instrumentalizam o alcançar de um determinado fim que, por ser especial, deve-se orientar por matriz de racionalidade própria, a partir da qual se formularam os respectivos paradigmas e aparatos criteriológicos.

A matriz de racionalidade, para admitir ou rejeitar criticamente esses procedimentos, modula-se pelo paradigma da objetividade e da praticidade, dirigido a uma finalidade específica. Em outros termos, o juízo crítico deve se orientar no sentido de identificar se o processo, aplicado segundo os critérios que o estruturam, alcança os objetivos colimados, sem qualquer viés ideológico.