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Um princípio fundamental da racionalidade é que cada núcleo ôntico, cientificamente identificável, tem que ser examinado a partir de uma ótica adequada. Partindo de um senso comum, afirma-se que existem racionalidades matemáticas, políticas, econômicas, teológicas, etc. Assim, cada pessoa tem racionalidade específica, estabelecida essencialmente pelo senso da normalidade de sua vivência diária (o que se denomina de senso comum), quando enfrenta questões diferentes no seu dia-a-dia.

Mas quando se penetra no plano da racionalidade científica, o senso de cada um não passa de um pensamento metafísico. Para que atinja o plano da racionalidade, o senso pessoal deve ser submetido à crítica intersubjetiva, moldado por meio de uma reconstrução crítica dos objetos. Somente, após ter-se sedimentado uma razoabilidade pela crítica, pode-se pensar em paradigmas que pressupõem a formação de núcleos de racionalidade mais universais, por via dos quais determinada comunidade possa afirmar a verdade sobre os objetos do conhecimento pelo vetor da razoabilidade. Isso ocorre a partir de certo acordo fundamentado, justificado e aceito pela comunidade, construído a partir dos objetos que se pretende conhecer.

Constata-se, então, a existência de dois planos de conhecimento. Os objetos que constituem realidades empiricamente verificáveis são conhecidos por via de uma matriz de racionalidade, orientados em direção do vetor verdadeiro/falso, o que pode ser atingido tanto pelos sentidos como por processo tecnológicos que captam a existência concreta. Mas há a forma racional pura, estabelecida por via de uma essência pensada, que forma um núcleo racional constituído de matriz de inteligibilidade dos objetos que não têm existência concreta. Os objetos localizados no plano metafísico têm seu conhecimento estruturado a partir de idéias em cada sujeito – e a respectiva racionalidade é estabelecida intersubjetivamente pelo critério da razoabilidade. Pela razoabilidade o ser é conhecido no plano metafísico, por via das idéias que se estabelecem em cada sujeito, e se manifestam cientificamente por via de reconhecimento intersubjetivo.

A propósito, Tugendhat43 refere:

O consenso enquanto tal só pode ser relevante para o caso em que não podemos fundamentar de modo suficientemente objetivo um enunciado ou uma teoria. Mas nesse momento o consenso é então uma decisão coletiva de se aceitar algo, e não pode pretender ser uma fundamentação. A teoria consensual encobre a diferença entre questões a serem decididas por um fiat coletivo e questões passíveis de fundamentação.

O que se vê, como acima mencionado, é a existência de dois planos de conhecimento: 1) a verdade e o erro, por meio de uma demonstração factual; e 2) a razoabilidade, quando, e somente quando, se tratar de um ser não-concreto, ou seja, metafísico.

Conforme se referiu, os conhecimentos de objetos não-concretos, tais como Matemática, Lógica, etc., podem ser estudados cientificamente – desde que submetidos à metodologia que os identifique num contexto intersubjetivo. Em face disso, quando sua manifestação na coletividade (tais como gostos, tendências, senso comum quanto a preferências, etc.) puder ser captada empiricamente, por via técnica, passam a ser objetos empíricos, sujeitos a serem aprendidos como elementos que se manifestam como experiência. Os elementos que se manifestam na experiência, são a forma que o ser, ôntico se manifesta ao sujeito para ser captado em linguagem.

Segundo o exposto, além desses dois planos, existem, como objetos de conhecimento específico, os procedimentos aplicados com vista a estabelecer a verdade (trata-se da formatação técnica do processo), que atendem a outro vetor de racionalidade para ser aceito, qual seja, a constatação de que se presta à finalidade a que se destina. Têm-se, assim, três caminhos que indicam formas universais de captação do ser singular, nas suas diversas manifestações, mediante a identificação dos seus respectivos núcleos de racionalidade (o verdadeiro/falso; o razoável/menos razoável, e a verificação da prestabilidade de um procedimento a uma finalidade determinada).

Stein44, referindo-se às diferentes racionalidades, afirma:

Existe uma forma de racionalidade que não é dependente de cada indivíduo. A racionalidade não é dependente da maneira como cada indivíduo reflete, produz e pensa. Existe um caráter de universalidade e

43 TUGENDHAT, Ernst; WOLF, Ursula, op. cit., p. 187. 44 STEIN, Ernildo, op. cit., p. 15.

esse caráter de universalidade é aquilo que nos cria mais dificuldades quando analisamos o nosso tema: a hermenêutica.

E justifica Stein sua posição, acrescentando que:

O ser humano argumenta expondo os conteúdos de linguagem e seguindo um determinado caminho lógico. Por isso, em qualquer discurso há um entrelaçamento entre os conteúdos, empíricos, e uma lógica, racional, que combina conteúdos postos, ou signos, conceitos e combinações lógicas de raciocínio. A linguagem sempre será a forma de mostrar o ser ôntico. Mas a estruturação dessa linguagem, já na forma originária de ser captada pela consciência deve ser lógica, ser posta de forma combinada, o que se faz por via racional, deve ser orientada.

Manfred Trank45 leciona que “sujeitos só podem relacionar-se com objetos

no mundo através da mediação da linguagem”, posição compartilhada por Stein: “É por isso que temos que analisar a linguagem enquanto meio, no qual os sujeitos têm acesso aos seus objetos”. Ainda segundo esse autor, a solução da questão do conhecimento é perguntar como as pessoas conhecem os objetos por via da experiência e como formam os conceitos sobre os objetos. Em resposta o autor refere que os signos, as palavras são formas de referibilidade aos objetos, a qual se processa pela captação de uma imagem, que passa a constituir um “algo” que “ocupa” a mente do sujeito. Aqui se manifesta a racionalidade.

Questiona-se: de que forma algo que se situa no social e atua a partir dos impulsos de cada comprador (consumidor) é medido? A resposta é clara: a partir de seus efeitos no mercado dentro de uma sociedade civil, por via de um processo técnico testado e contestável. Com esse exemplo se amplia a compreensão do que é científico, indicando a forma de se conhecer realidades sociais, no caso a inflação, por via de procedimentos técnicos contestáveis.