3.6.1 Intelectualismo
Uma das tentativas de conjugação da empiria com o Racionalismo foi feita pela escola denominada Intelectualismo. O Intelectualismo apóia-se na empiria e forma o conhecimento por via dos sentidos – não reconhecendo os efeitos da intuição133. Nega-se a possibilidade do a priori, que é estabelecido por via de uma
matriz de elementos ônticos, e afirma-se que a captação do conhecimento se faz pelos sentidos, cabendo à razão estabelecer sua lógica, organizando os elementos na linguagem.
132 “Nesse caso, estamos diante daquele que definimos como formalismo científico. O juspositivismo
tem uma concepção formalista de ciência jurídica, visto que na interpretação dá absoluta prevalência às formas, isto é, aos conceitos jurídicos abstratos e às deduções puramente lógicas que se possam fazer com base neles com prejuízo da realidade social que se encontra por trás de tais formas, dos conflitos de interesse que o direito regula, e que deveriam (segundo os
adversários do positivismo jurídico) guiar o jurista na sua atividade interpretativa”. REALE, Miguel, op. cit., p. 221. (grifo nosso)
133 Racionalismo e Empirismo são opostos. Onde existem opostos, porém, geralmente também não faltam tentativas de fazer a mediação entre eles. Uma tentativa de mediação entre Racionalismo e Empirismo é encontrada na orientação epistemológica que podemos chamar de Intelectualismo. Se para o Racionalismo o pensamento é a fonte e o fundamente do conhecimento, e para o Empirismo essa fonte e fundamento é a experiência, o Intelectualismo considera que ambas participam na formação do conhecimento. HESSEN, Johannes, op. cit., p. 59.
Hessen134 resume o paradigma da compreensão afirmando que:
O Intelectualismo afirma exatamente o oposto. Para ele (o Intelectualismo), além das representações intuitivas sensíveis, existem também conceitos. Como conteúdos não-intuitivos da consciência, os conceitos são essencialmente distintos das representações sensíveis, embora mantenham com elas uma relação genética, na medida em que são obtidos a partir dos conteúdos da experiência. Assim, experiência e pensamento constituem conjuntamente o fundamento do conhecimento humano.
No mesmo sentido conclui Miguel Reale135:
(...) a razão não contém, porém, em si mesma, verdades universais como idéias inatas, mas as atinge à vista dos fatos particulares que o intelecto coordena: o intelecto extrai os conceitos ínsitos no real, operando sobre as imagens que o real oferece. (...) Esta posição do Intelectualismo marca uma ramificação do Racionalismo, porque é sempre a razão que empresta validade lógico-universal ao conhecimento muito embora este não possa ser concebido sem a experiência.
3.6.2 A priorismo
Diferentemente do Intelectualismo, o apriorismo, cujo expoente é Immanuel Kant, constitui uma tentativa, de unir, num ato de conhecimento, as duas matrizes de racionalidade. Sua preocupação é a de estabelecer como os juízos intelectuais poderiam ter correspondência com os objetos sensíveis. Trata-se então da captação do ser em linguagem, por via de um a priori – não analítico – que, depois de formado, busca correspondência no empírico.
Segundo João Maurício Adeodato,
o conhecimento apriorístico não é temporalmente anterior a experiência, afirma Kant, ele apenas fornece as condições de toda a experiência possível, conforma a estrutura de nossa percepção para que os objetos de nossa experiência se manifestem enquanto fenômenos. Somos capazes de reconhecer os objetos unicamente pelas “formas puras” que nós mesmos, a priori, lhes emprestamos. 136
134 HESSEN, Johannes, op. cit., p. 60. 135 REALE, Miguel, op. cit., p. 96.
136 ADEODATO, João Maurício. Filosofia do Direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 29.
Também Miguel Reale137 leciona que:
No movimento criticista, lato sensu, podemos incluir doutrinas de ossos dias, ligadas especialmente aos nomes de Edmund Husserl, Mx Scheler e Nicolai Hartmann, que reconhecem elementos de verdade no kantismo, mas repudiam seu formalismo, acentuando o valor próprio do “objeto” e a existência de outras condicionantes no ato de conhecer. Existe na obra desses grandes mestres uma revalorização do objeto, parecendo-nos decisiva e análise minuciosa do ato de conhecer por eles processada, embora divirjamos de suas conclusões em pontos que nos parecem fundamentais.
Referindo-se a Hegel, postula Reale138 que Kant
nunca concebeu a razão de maneira abstrata, separada dos dados empíricos; ao contrário, o que distingue a Filosofia de Hegel é o desejo de levar a posição kantista até as que lhe parecem ser suas últimas conseqüências, partindo da idéia fundamental do espírito como “síntese a priori”, como força sintética constitutiva da realidade cognoscível.
O Idealismo de Hegel, diferentemente de Kant, leva às últimas conseqüências uma matriz de inteligibilidade calcada unicamente no racional.
Segundo Miguel Reale139,
no Idealismo, em suma, declara-se que o homem, quando conhece, não copia uma realidade exterior a ele, já dada, mas cria um objeto com os elementos de sua subjetividade, sem que ‘algo’ gnoseologicamente (note-se esta limitação ao plano do conhecimento) preexista ao objeto.
Por outro lado, o Idealismo influenciou, até certo ponto, a Fenomenologia, conforme se observa140:
O Idealismo, especialmente na sua acepção lógica, parte da afirmação de que só conhecemos o que se converte em pensamento, ou é conteúdo de pensamento. Ser, para o idealista, não é outra coisa senão idéia. “Ser” é “ser pensado”. Daí a já lembrada afirmação incisiva que fez um dos idealistas modernos, Hegel, exatamente num livro de Filosofia do Direito: o que é racional é real, o que é real é racional.
Dessa forma, pelo a priori, identifica-se a razão como condutora do conhecimento do objeto; é o que basta para a lógica Port-Royal afastar a analítica, para orientar-se na direção do ser objeto por via de enunciados sintéticos.
137 REALE, Miguel, op. cit., p. 108-109. 138 Ibid., p. 111.
139 Ibid., p. 119 e 120. 140 Ibid., p. 121.
Nesse sentido, Hessen141 refere:
Segundo o a priorismo, nosso conhecimento apresenta, como o nome dessa tendência já diz, elementos que são a priori, independentes da experiência. Essa também era decerto a opinião do Racionalismo. Enquanto este, porém, considerava os fatores a priori como conteúdos, como conceitos completos, esses fatores são, para o a priorismo, de natureza formal. Eles não são conteúdos do conhecimento, mas formas do conhecimento. Essas formas recebem seus conteúdos da experiência – aqui, o a priorismo separa-se do Racionalismo e aproxima-se do Empirismo.
Sem dúvida, então, a decorrência marcante da estrutura da lógica Port- Royal que afasta da concepção do ser os enunciados analíticos, bem como a influência marcante de Kant e Hegel na cultura e no conhecimento contemporâneo; por isso, neste estudo, o retorno às suas idéias será uma constante quando se enfrentar a Hermenêutica, no capítulo 5. Em face disso, por um corte, se remete os comentários essencialmente ao capítulo 5, onde, comentando e contrapondo idéias ao positivismo metodológico, se está, na verdade, enfocando o mencionado pensamento lógico nas idéias de Kant e Hegel, que molduraram na sua estrutura mestra o paradigma de conhecimento adotado no positivismo metodológico.
141 HESSEN, Johannes, op. cit., p. 62.
4 IDÉIAS POLÍTICAS E SUA CONSAGRAÇÃO NORMATIVA