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Autonomia do campo urbanístico em relação a outros campos de produção Campo

NOVOS TIPOS “PUROS” DE DOMINAÇÃO ORGANIZADA DA METRÓPOLE

4.1 Autonomia do campo urbanístico em relação a outros campos de produção Campo

Urbanístico Campo Político Campo Científico Campo Jurídico Campo Econômico

Com base nos capítulos anteriores também pode-se afirmar que modelos sociocognitivos conferem uma relação de sentido à metrópole na medida de sua eficácia como dominação organizada, pela conversão de capital urbanístico incorporado em agentes, em capital urbanístico em estado institucionalizado, como meios de gestão, ou ainda no estado

objetivado, como coleção de objetos interconectados no território. A abordagem do higienismo embelezador e do obreirismo mostrou que modelos sociocognitivos de realidade urbana são historicamente condicionados tanto pelas estruturas objetivas da sociedade, as quais fornecem as possibilidades cognitivas de cada período histórico, quanto pelos aspectos subjetivos, aspirações, desejos, vontades, ideologias e utopias. Sua consagração depende principalmente da capacidade que determinados agentes tenham de aumentar seu capital urbanístico e mobilizá-lo como violência simbólica, no sentido da universalização, para todo o campo, de um interesse particular e de uma definição arbitrária do dever-ser da metrópole.

Vale dizer que o acúmulo de outras modalidades de capital (social, cultural e econômico, jurídico) nas lutas anteriores do campo permite sua conversão em capital urbanístico, de maior eficácia simbólica na busca por uma posição distinta na divisão do trabalho de dominação e controle do processo de produção do espaço. Essa materialização, objetivação e reificação de modelos, ou seja, a conversão de modelos de metrópole em metrópoles modelo, se dá no decorrer do processo de formulação e implementação da política urbana, como um conjunto de conhecimentos práticos que organizam a violência propriamente simbólica emanada do Estado sobre o processo de produção do espaço. A produção de objetos e o controle dos meios de gestão se complementam, perfazendo um modo de dominação organizada sobre a metrópole que, bem ou mal, condiciona a ordem urbana e a própria ordem social.

Caracterizado o higienismo embelezador e o obreirismo modernizador como modelos cujas energias utópicas se esvaíram em crises de legitimação sem volta, vale dizer, numa incapacidade cognitiva de determinados agentes e instituições em definir, de modo legítimo, o dever-ser da metrópole, deve-se examinar como os capitais econômico, cultural e social acumulados no campo podem ser convertidos em mais capital específico na forma de novos modelos de realidade urbana, capazes de assegurar o controle do processo de produção do espaço e a dominação organizada sobre a metrópole. Estamos aqui diante da pergunta: como a classe dominante domina e em que condições as classes populares estão dispostas a entrar em cumplicidade objetiva com o projeto de dominação organizada? A resposta a essa indagação será buscada mediante a análise de duas grandes vertentes de possibilidades de dominação organizada da metrópole que, até certo ponto, definem modelos sociocognitivos e estratégias de atuação em luta pela hegemonia no campo. Como observou Lefebvre (1999:78):

sabe-se que nos países capitalistas, atualmente, existem duas estratégias principais: o neoliberalismo (que permite o máximo de iniciativa à empresa privada e, no que concerne ao “urbanismo”, aos promotores imobiliários e aos bancos) e o neodirigismo (que acentua uma planificação, pelo menos indicativa, que, no domínio urbanístico, favorece a intervenção dos especialistas e dos tecnocratas, do capitalismo de Estado). Sabe-se também que existem compromissos: o neoliberalismo deixa algum lugar ao “setor” público e às ações concertadas dos serviços de Estado; o neodirigismo, apenas prudentemente apodera-se do setor do “setor privado”. Sabe-se, enfim, que setores e estratégias diversificados podem coexistir: tendência ao dirigismo, e até à socialização na agricultura – liberalismo no imobiliário -, planificação (prudente) na indústria, controle circunspecto dos movimentos de fundos etc.

Para os objetivos deste estudo, essas duas grandes estratégias são abordadas como definidoras de uma nova ordem simbólica hegemônica no écran do campo da produção. Além disso, vamos considerar que a capacidade de manter ou modificar as relações de força no campo está relacionada à posição que cada agente ocupa na estrutura dele. O acúmulo de capitais em cada posição depende da capacidade institucional-cognitiva para produzir modelos de realidade urbana num contexto de profundas transformações nas condições objetivas da sociedade, conforme mostrado no capítulo 3. É por essa via que se pode sugerir a emergência de um processo de subversão simbólica operada por agentes especializados no interior do campo.

Antes de prosseguir devo, para melhor entendimento do que foi dito até agora e do que virá a seguir, salientar que modelos de realidade urbana são aqui tomados como posições no campo de forças e de lutas, que balizam a correlação de forças internas ao campo em determinado momento.

No esquema abaixo, oferecemos uma caracterização de modelos de realidade em termos da combinação do capital social, econômico e cultural. Considera-se que modelos hegemônicos no campo, podem, pela sua transposição para a sociedade em geral, ser mobilizados como violência simbólica entre as classes, como sociodicéia, ou seja, explicação válida, que justifica a dominação legítima da metrópole. Com isso, é possível avançar na

compreensão da influência que a classe de agentes, aqui considerada, exerce sobre a ordem urbana e, por extensão, sobre a própria ordem social.

Assim, torna-se imperativo para a compreensão tanto da lógica do campo de produção quanto dos modos de dominação organizada da metrópole, a análise dos dois modelos de maior carteira de capital: o “direito à cidade” e a “cidade-mercado”. Buscar-se-á caracterizá- los, tanto quanto possível, como dois tipos “puros” de dominação legítima da metrópole e, por essa via, tentar compreender o curso dos eventos e as relações causais que conduziram o campo a essa configuração. A legitimidade aqui aludida não é atribuída de forma arbitrária no âmbito deste estudo. Ela emana dos circuitos de consagração e legitimação do próprio campo, instâncias que, por estarem situadas em posições privilegiadas, possuem a prerrogativa de validar, difundir e financiar determinadas práticas de produção do espaço.

4.2 Estrutura Típico-ideal do Campo Urbanístico na RMSP