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NOVOS TIPOS “PUROS” DE DOMINAÇÃO ORGANIZADA DA METRÓPOLE

Capítulo 4. O “Direito à Cidade” como Dominação Organizada da Metrópole com relação a valores

4.7 Investimos do Ministério das Cidades até Julho/

4.2.3 O Conselho das Cidades

À criação do MCidades seguiu-se a realização da 1ª Conferência Nacional das Cidades em outubro de 2003 e a eleição do Conselho Nacional das Cidades.10 Vale lembrar que os conselhos de gestão, como é o caso do Conselho das Cidades, conformam um tipo de arranjo institucional difundido nas três esferas federativas em função de dispositivos presentes na CF de 1988. São organizados de modo a assegurar, além da participação de agentes estatais, a participação da sociedade no controle e supervisão da política urbana, o que, de modo genérico, é denominado de controle social. O modelo mais bem-sucedido desse tipo de arranjo institucional é, para muitos, o Conselho Nacional de Saúde.

Como observa Santos Jr (2005:5), conselheiro oriundo da sociedade civil organizada, representante do Fórum Nacional de Reforma Urbana, os conselhos podem ser considerados uma inovação institucional na mediação Estado/Sociedade no processo de formulação e implementação de políticas públicas com controle social:

Tanto pela força da sua difusão no país, como pelas diferenças com as experiências anteriores de participação, argumentamos que os Conselhos de Gestão representam uma importante inovação institucional na gestão das políticas sociais. É nesse sentido que os consideramos como canais de participação mais expressivos da emergência de um novo regime de ação pública, sobretudo no plano local, caracterizados pela abertura de novos padrões de interação entre governo e sociedade em torno da definição de políticas sociais.

10

Regulamentado pelo Decreto nº 5.031, de 02 de abril de 2004, o Conselho das Cidades é um órgão colegiado de natureza deliberativa e consultiva, integrante da estrutura do Ministério das Cidades, tendo por finalidade propor diretrizes para a formulação e implementação da política nacional de desenvolvimento urbano, bem como acompanhar e avaliar a sua execução, conforme disposto no Estatuto da Cidade.

O Conselho das Cidades (ConCidades) é constituído por 71 titulares – 41 representantes de segmentos da sociedade civil e 30 dos poderes públicos federal, estadual e municipal – além de 71 suplentes, com mandato de dois anos. Reúne representantes de entidades de movimentos populares, trabalhadores, empresários, ONGs e entidades acadêmicas e profissionais com a missão de assessorar e propor diretrizes para o desenvolvimento urbano, políticas de habitação, saneamento ambiental, trânsito, transporte e mobilidade urbana. É um instrumento que assegura a participação cidadã nas decisões sobre as políticas públicas. Outra atribuição do Conselho é contribuir com os municípios na aplicação do Estatuto das Cidades, a Lei Federal 10.257, instituída em 2001.

A composição do ConCidades inclui ainda 27 observadores, um por estado da Federação, com o objetivo de ser o elemento de ligação entre o Conselho em nível nacional e a construção dos conselhos estaduais das cidades. Além disso, o Decreto que dispõe sobre as competências do Conselho das Cidades (Decreto nº 5.031) estabelece que o assessoramento é feito por quatro Comitês Técnicos: de Habitação; Saneamento Ambiental; Trânsito, Transporte e Mobilidade Urbana e Planejamento Territorial Urbano. Também o Regimento Interno do ConCidades fixa atribuições para os comitês. Eles possuem a finalidade de subsidiar os debates, promover articulação com os órgãos e entidades promotoras de estudos, propostas e tecnologias relacionadas às políticas públicas, apresentar relatórios ao plenário do ConCidades, propor regras e critérios para aplicação e distribuição dos recursos federais, entre outras. São compostos por, no máximo, 50 membros e realizam reuniões públicas. A composição do Concidades foi fruto de intensa negociação sobre a classificação dos seguimentos sociais a terem assento e o peso que cada um deles deveria ter. Como relata Santos Jr (2005:9):

após intensa negociação envolvendo, inclusive, o aumento do número de membros do Conselho de forma a contemplar as diversas reivindicações, chegou-se a uma composição onde o poder público – federal, estadual e municipal – ficou com 42% e a sociedade civil com 58% das vagas do Conselho, divididos entre diferentes segmentos sociais, classificados conforme a Tabela 2. Neste processo, tanto os representantes do poder público tiveram que ceder, já que inicialmente pleiteavam 50% das vagas, quanto as lideranças do movimento popular, que reivindicavam, no mínimo, 30% das mesmas. De fato, como pode ser observado, a composição final do Conselho das Cidades utiliza uma classificação dos segmentos sociais que não é clara conceitualmente, com critérios pouco objetivos e bastante

questionáveis. Assim, ocorrem divisões complicadas separando entidades da área dos trabalhadores das entidades profissionais, como se estas não pertencessem ao mesmo segmento social trabalhadores; as organizações não-governamentais dos movimentos populares, como se ambos não pertencessem ao segmento social sociedade civil ou usuários, e assim por diante. Ao que parece, prevaleceu uma lógica corporativa na construção da composição do Conselho. Não obstante esta contradição, o que importa é que o resultado final foi resultado da negociação e do pacto construído pelos principais sujeitos sociais ligados à política urbana, configurando um Conselho das Cidades com grande representatividade e legitimidade.

Uma vez formalmente instituído o Ministério e o Conselho das Cidades, a questão da legitimidade do modelo “direito à cidade” como dominação organizada do processo de produção do espaço já não é mais suscitada. A estrutura cognitiva e o sistema de valores a ele correspondentes adquirem a própria legitimidade do Estado. Uma legitimidade que não tem de necessariamente se auto-proclamar, de dar ordens ou exercer coerção física. Trata- se agora de produzir um mundo social ordenado, ampliar a produção de estruturas cognitivas ajustadas às estruturas objetivas, incorporá-las e transforma-las em habitus, obtendo assim a submissão dóxica dos agentes.

Finalmente, deve-se considerar que a estruturação do MCidades e do Concidades corresponde à criação de um importante espaços de interlocução do Estado-nação com as instâncias globais e com as unidades federativas sub-nacionais do campo urbanístico (ver figura). A constituição desses elos, embora ainda bastante frágeis e incompletos possibilitou que, em novembro de 2004 fosse apresentada a proposta governamental de uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, delineando assim a emergência de uma nova ordem urbana sob coordenação do Estado-nação, que recupera sua capacidade de produzir e difundir um modelo específico de ordem urbana. Mas deve-se considerar também que a criação do MCidades se constitui no último passo para que o ideário da reforma urbana e do “direito à cidade” se transforme em um tipo de urbanismo institucional e ideológico que se aloja na burocracia do Estado, gerando práticas de dominação e controle do processo de produção do espaço que se distanciam do ideário que lhe deu origem. A preocupação com a perda de autonomia dos movimentos sociais frente a essa burocracia já pôde ser sentida no Congresso do FNRU realizado em São Paulo em agosto de 2005. Nesse encontro, várias lideranças alertavam inclusive para a possibilidade

da troca do ministro Olívio Dutra na barganha do executivo com o Congresso Nacional para a manutenção da base aliada. Essa troca acabou de fato ocorrendo, embora o FNRU tivesse feito, sem êxito, várias gestões contrárias a ela. Assumiu o MCidades o ministro Márcio Fortes, indicado pelo então presidente da Câmara Severino Cavalcanti. O desconforto maior, no entanto, viria ocorrer quando o próprio Severino Cavalcanti, ao renunciar a presidência da Câmara sob acusação de corrupção e falta de decoro, se instalou no MCidades despachando e distribuindo os benefícios sob controle do Ministério como se ministro fosse.