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PRODUÇÃO DO ESPAÇO E ORDEM SOCIAL NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO

Capítulo 1. O Problema da Produção do Espaço e da Ordem Social na Metrópole: Uma Perspectiva de Análise.

1.5 Procedimentos Metodológicos

A complexidade inerente à problemática a ser investigada faz com que este estudo se proponha, em primeira instância, a uma visão de conjunto do fenômeno abordado, buscando interconexões, (des)continuidades e rupturas nas maneiras de pensar e agir, nas ações, intenções e estratégias dos atores do campo considerado, envolvendo as representações da metrópole e do território, a formação de identidades, redes sociais e formas de sociabilidade.

A observação interescalar das instituições, agentes e práticas sociais presentes no trabalho de produção material e simbólica no campo urbanístico no contexto de urbanização completa da sociedade põe em relevo a dimensão institucional-cognitiva da

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constituição da ordem social, um aspecto importante da problemática urbana contemporânea ainda pouco explicitado na produção acadêmica sobre o tema.

Assim, o estudo inscreve-se no quadro de pesquisas da sociologia urbana visando contribuir para o debate da conceitual e analítico da disciplina, convergindo para a análise do campo urbanístico como espaço social de produção material e simbólica voltada para o controle do processo de produção do espaço na RMSP. Ressalte-se ainda que as hipóteses relativas à formação de uma nova ordem social, bem como à discussão atual sobre a sustentabilidade urbana nas metrópoles brasileiras necessitam - para comprovação, refutação ou acréscimos - do desenvolvimento de estudos mais aprofundados sobre o campo da produção aqui proposto, bem como da conduta dos agentes nele inseridos.

Trata-se, portanto, de fazer a produção do espaço emergir como resultado da estruturação e funcionamento de um campo, espaço social singular de relações objetivas onde agentes, instituições, instrumentos e práticas aparecem como loci de acúmulo de poder material e simbólico. Devo dizer que a aplicação de noções como campo, habitus e outras utilizadas não foram adotadas a priori, mas se impuseram pelas possibilidades de análise do objeto aqui delimitado e sugerem a possibilidade de uma ampliação das matrizes teóricas explicativas do fenômeno urbano na RMSP. Nesse particular, o estudo busca a apreensão da dinâmica de subordinação/autonomia/permeabilidade do campo em relação aos processos globais, nacionais e locais na luta por uma posição distinta na divisão do trabalho de produção do espaço e da ordem social na metrópole. Decerto que as noções utilizadas oferecem tanto potencialidades quanto constrangimentos para o tipo de investigação pretendida, aspectos esses que serão retomados ao longo do estudo.

Como perspectiva geral para a condução do estudo, retoma-se, com base em Lefebvre (2001:91) a idéia de metrópole como força produtiva por excelência da sociedade urbana global, que permite a reunião da força de trabalho, das obras, dos conhecimentos e das técnicas, dos próprios meios de produção. Desse modo, busca-se explicitar as relações entre Estado e produção do espaço, a constituição e atuação de grupos de interesse, a formação de ideologias e utopias e seus respectivos institutos, instrumentos e técnicas de intervenção.

Se a ampla e variada produção teórico-metodológica disponível para a análise da questão urbana é, por si, um estímulo ao exercício interdisciplinar, tal exercício se torna obrigatório para o aclaramento de relações existentes entre determinados agentes e

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processos, entre as práticas do cotidiano e o tempo histórico, entre a forma, a estrutura e as funções urbanas em contexto de transição e, portanto, de dissolução de muitas dessas formas, estruturas e funções.

Pelo fato de, muitas vezes, o fenômeno urbano se manifestar como natureza, sem história, uma formação espacial que existe por si, independente da vontade de seus habitantes, ele impõe, de saída, um esforço heurístico de recuperação dos elos existentes entre forma espacial e trajetórias institucionais no espaço-tempo. Por esse ângulo, procede- se à identificação das bases técnicas, seus portadores, suas ações, intenções, estratégias, horizontes de planejamento, capacidade de previsão, condutas, mensagens e códigos que dão coerência e sentido aos modelos sociocognitivos do urbano como elementos de estruturação e desenvolvimento do campo da produção.

No que diz respeito às atividades desenvolvidas durante a pesquisa, estabelecido o cronograma, bem como do caráter qualitativo das tarefas, foi realizado o seguinte percurso: Etapa I – estudos exploratórios

Nesta etapa, procurou-se superar a dificuldade derivada do fato de que os dados e informações a serem coletados encontravam-se dispersos em inúmeras instituições e arquivos, quando não em territórios e pessoas. Afigurou-se como de maior dificuldade a tarefa de se ir juntando esses fragmentos dispersos a fim de montar um todo coerente e dotado de sentido heurístico para os objetivos da pesquisa.

Na primeira fase do estudo realizamos um levantamento, o mais vasto possível, da documentação referente ao tema a partir de livros, arquivos públicos e da imprensa. Nessa fase, foi dada maior importância ao trabalho exploratório em alguns órgãos públicos como a Secretaria Municipal de Planejamento, a Secretaria Municipal de Relações Internacionais e a Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano – EMPLASA, visando à análise de planos e projetos representativos da atuação do poder estatal na questão urbana. Completou esta etapa um trabalho adicional de coleta de dados junto a outros órgãos como a Secretaria Municipal do Meio Ambiente e a Fundação SEADE, além de buscas em sítios na internet e em Bancos de Dados de Instituições de Ensino como a Universidade de São Paulo.

Etapa II – observação direta

Uma vez familiarizado com alguns temas e problemas a serem aprofundados procedemos à observação direta da região espacial objeto da pesquisa a fim de extrair informações representativas dos fenômenos estudados, a partir do contato direto com os

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objetos no território, autoridades, especialistas e demais atores e processos que se relacionam com o tema, além da execução de trabalhos fotográficos pertinentes ao estudo. A ênfase recaiu na análise de documentos produzidos por organizações que pudessem estar mais diretamente relacionadas à dinâmica metropolitana como o Centro de Estudos da Metrópole – CEM/CEBRAP, o Instituto Polis, a Empresa Municipal de Urbanização – EMPLASA, Associação Viva o Centro e de territórios ligados às dinâmicas urbanas contemporâneas como a chamada reestruturação produtiva, áreas de “revitalização urbana” na região do centro histórico e outras onde se estabelecem uma interação mais direta e intensa entre instituições, agentes e processos globais e locais como no caso do vetor sudoeste.

Ainda nesta fase, aprimorou-se a coleta de materiais diversos e publicações produzidas por instituições e agentes envolvidos na problemática investigada, a exemplo da Revista Polis, do Instituto Polis e da Revista Urbs da Associação Viva o Centro.

O aprofundamento de temas e a verificação de hipóteses foram possíveis mediante um refinamento do instrumental de pesquisa e coleta de informações, lançando-se mão daquilo que Bordieu chama de objetivação participante em eventos como a Agenda Metropolitana da Emplasa, o Fórum de Desenvolvimento do Centro de São Paulo, coordenado pela Empresa Municipal de Urbanização – EMURB; o Fórum Centro Vivo – FCV, no âmbito do Instituto Pólis; a Feira e Congresso Mundial de Cidades, promovida pela Prefeitura de São Paulo; a reunião da União de Cidades Européias e Latino americanas - Urbal Rede 10, realizada em São Paulo; a Conferência Nacional das Cidades edições 2003 e 2005; eventos e reuniões do Fórum Nacional de Reforma Urbana - FNRU, além de palestras e seminários organizados pelas instituições e agentes do campo. Inclui-se aqui também o acompanhamento das Conferências Metropolitanas de Cidades e do processo de formação da Organização Mundial de Cidades.

A análise sistemática das informações levantadas, suas ligações e interdependências mediante os conhecimentos obtidos nas várias disciplinas do Programa de Doutorado em sociologia da Universidade de Brasília resultou na redação final da tese, contendo as conclusões pertinentes ao objeto de estudo e às hipóteses formuladas.

Diga-se ainda que as etapas sugeridas acima não se deram em períodos estanques ou em progressão linear. Muitas vezes foram realizadas de forma simultânea, retomadas e

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modificadas em função dos progressos obtidos e das dificuldades encontradas no trabalho de campo.

Antes de passarmos ao desenvolvimento dos temas propostos uma outra observação se faz necessária. Considera-se que, embora modelos sociocognitivos de urbano não existam de forma concreta na realidade, como realidade de modelos, uma vez que são construções heurísticas; eles operam conseqüências práticas no espaço urbano. Conformam modos específicos de dominação e controle, engendram determinadas práticas e formas de organização racional do trabalho de produção do espaço e criam instâncias legítimas para a produção de regras de gestão da metrópole. Por isso, tornam o campo urbanístico um espaço social dotado de coerência e sentido, como um conjunto de saberes, de instituições, instrumentos e de práticas sociais orientadas para determinados fins e valores. Daí a utilidade de reconstruí-los heuristicamente como tipos-ideais para a construção do campo urbanístico.

A respeito do trabalho de investigação por meio de tipos-ideais, deve-se acrescentar que, como asseverou M. Weber (1993:142):

A relação de causalidade entre a idéia historicamente comprovável que domina os homens e os elementos da realidade histórica dos quais se pode fazer a abstração do tipo ideal correspondente pode adotar formas extremamente variáveis. Em princípio, devemos apenas recordar que ambas são coisas fundamentalmente diferentes. [...] As “idéias” que dominaram os homens de uma época, isto é, as que neles atuaram de forma difusa, só poderão ser compreendidas sempre que formarem um quadro de pensamento complexo, com rigor conceitual, sob a forma de tipo ideal, pois, empiricamente, elas habitam as mentes de uma quantidade indeterminada e mutável de indivíduos, nos quais estavam expostas aos mais diversos matizes, segundo a forma e o conteúdo, a clareza e o sentido.

Convém, além disso, notar que “tipos ideais não são “constructos sintéticos” puramente analíticos, mas abstrações sócio-históricas de exemplos reais de um fenômeno. Eles nos auxiliam no processo de formação e comparação de hipóteses, oferecem uma linha-mestra para a identificação de variações significativas e suas possíveis causas. Como dispositivos heurísticos, contudo, tipos ideais não estão sujeitos a critérios de verdadeiro ou falso” (Wacqüant, 2001:166).

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Desse modo, o processo de produção do espaço na metrópole é vinculado a um campo de forças e de lutas para conservar ou transformar a base cognitiva e material, os territórios, os lugares, o sistema de objetos e o repertório de práticas socioespaciais herdados dos períodos precedentes, mais ou menos cristalizados no processo de formulação e implementação da política urbana. Essa luta requer o concurso de especialistas agrupados em espaços institucionais específicos para produzir, legitimar e impor modelos cognitivos mais conformes aos seus interesses e aos interesses de determinadas classes ou frações de classe a qual servem.

Do exposto, argumenta-se que a atual condição urbana na RMSP permite identificar a priori, quatro modelos sociocognitivos de cidade, que são posições distintas no campo urbanístico, posições mais ou menos incorporadas em instituições, agentes e práticas específicos. Essas posições (ou modelos de realidade) se superpõem como forças estruturantes do campo, orientando a percepção e a conduta dos agentes no processo de produção e reprodução da ordem urbana. São eles: i) o modelo “cidade-mercado”, que emerge da utopia do livre mercado e da hegemonia da doutrina neoliberal do final do séc. XX, tendo como instituição-chave para a sua compreensão uma instituição econômica: o próprio mercado e os agentes privados; ii) o modelo “direito à cidade”, construído a partir das lutas de atores locais e nacionais no bojo da democratização da sociedade brasileira, e que busca implementar a reforma urbana com base na principal instituição política: o Estado, mas também a partir da atuação da sociedade civil organizada; iii) o modelo obreirismo modernizador, hegemônico em décadas anteriores, mas em crise de legitimação principalmente em função da crise socioambiental vivenciada na metrópole tendo como eixo institucional e princípios universalizantes a ciência e as técnicas da modernidade; iv) o modelo higienista-embelezador, gênese do campo urbanístico e marco da passagem da sociedade agrária à vida urbana no séc. XIX, mas ainda produzindo efeitos na dominação e controle da metrópole e que, por isso, será abordado subsidiariamente no decorrer desse trabalho.

Os capítulos a seguir buscam caracterizá-los como modelos de realidade que reivindicam tornarem-se reais, bem como definir sua posição atual no campo urbanístico.

Capítulo 2. Gênese, Estruturação e Legitimação do Campo Urbanístico