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NOVOS TIPOS “PUROS” DE DOMINAÇÃO ORGANIZADA DA METRÓPOLE

Capítulo 4. O “Direito à Cidade” como Dominação Organizada da Metrópole com relação a valores

4.5 Parque do Gato, ainda com a favela às margens do Rio Tamanduateí, e Cingapura Real Parque Modelos de Produção de Habitação de Interesse Social

4.2.2 A Criação do Ministério das Cidades

Uma conseqüência clara da concentração de poder simbólico e da universalização dos princípios do “direito à cidade” foi seu desdobramento na criação do Ministério das Cidades pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, dentre os candidatos presentes na disputa presidencial de 2002, se mostrou, de longe, o mais próximo daquelas proposições. Trata-se de um marco importante na construção sociocognitiva do modelo como transcendental comum incorporado às instituições do Estado. 8 Esse fato adquire maior relevância quando analisado no contexto da fraca institucionalização do campo urbanístico no âmbito do Estado Nação, o que, de há muito, inviabiliza a ação e a influência dos agentes em atividades de produção do espaço urbano, mormente os vinculados ao “direito à cidade”. Deve-se recordar que o Regime Militar chegou a formular uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano coordenado pelo Serviço Federal de Habitação e Urbanismo que administrava o Fundo de Financiamento ao Planejamento. É dessa época a disseminação da idéia de Plano Diretor que, não obstante, eram elaborados de modo tecnocrático e dirigidos a parcelas restritas da população e do território, desconhecendo as condições de vida das classes populares relegadas à ilegalidade e aos assentamentos precários.

Reconheça-se que o Sistema Financeiro de Habitação e o Banco Nacional da Habitação (BNH), instrumentos criados pelo regime de 1964, foram responsáveis pela construção de um número expressivo de moradias – 4 milhões - e pela implantação, por meio do Plano Nacional de Saneamento Básico – PLANASA, de importantes sistemas de saneamento no país. O problema é que a maior parte dos subsídios destinados ao sistema era absorvida pela classe média, enquanto as camadas populares eram assentadas em conjuntos habitacionais de estética grotesca, construídos fora do perímetro urbano e sem a infra-estrutura necessária. Construídos em série, tais conjuntos habitacionais passaram a ser símbolo da relegação e da exclusão das classes populares dos benefícios materiais e simbólicos associados à produção do espaço. Extinto o BNH em 1986, o desenho institucional da política urbana sofre total desfiguração, migrando suas funções para órgãos sem capacidade de formulação e implementação de uma política urbana condizente com a

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O Ministério das Cidades foi instituído em 1º de janeiro de 2003, através da Medida Provisória nº 103, depois convertida na Lei nº 10.683, de 28 de maio do mesmo ano. O Decreto nº 4665, de 3 de abril de 2003,

marcha da urbanização no país. Essa fragilidade institucional só começa a ser revertida a partir da aprovação do Estatuto das Cidades ainda no Governo Fernando Henrique Cardoso (Ministério das Cidades, 2004, vol. 1: 12).

Com a eleição do candidato do Partido dos Trabalhadores - PT, vista pelos agentes vinculados ao “direito à cidade” como uma oportunidade histórica de afirmação e de universalização de suas reivindicações, um projeto elaborado pelo Instituto Cidadania, ligado ao partido, o qual associava a solução da questão da moradia com a organização institucional da política urbana, passa por uma reelaboração para dar origem ao que viria a ser o Ministério das Cidades.

A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência da República abre uma possibilidade histórica extraordinária para o Brasil. Podemos concretizar mudanças sociais e políticas que permitam à sociedade brasileira romper definitivamente com seu caráter oligárquico e autoritário, construindo uma verdadeira democracia. Neste contexto deve ser compreendida a criação do Ministério das Cidades, uma das primeiras iniciativas do novo governo. A Criação do Ministério reflete dois aspectos importantes. De um lado, o fato de o novo governo assumir a questão urbana como uma das principais vertentes da questão social brasileira. De outro, a vontade de tratar de forma integrada os problemas urbanos, superando a histórica setorialização das políticas de habitação, saneamento, transporte e mobilidade (FNRU, 2003:5).

De fato, o Ministério criado para tratar da questão urbana expressava em sua estrutura administrativa as grandes aspirações do movimento pela reforma urbana, incluindo, além das questões relativas à gestão participativa, a incorporação da noção de sustentabilidade ambiental. Como modelo de dominação organizada deve-se notar que, ao transpor a barreira institucional para se inscrever no corpo do Estado, o “direito à cidade” passa a ser capital urbanístico institucionalizado, uma ordem simbólica universalizada, desvinculado dos agentes que lhe deram origem. As relações da classe de agentes com o poder Estatal pode aqui ser mais uma vez percebida como essencial para as pretensões que ela tenha em exercer papel distinto na divisão do trabalho de dominação. Ao conquistar posições no âmbito do poder administrativo os agentes ampliam sobremaneira as ___________________

possibilidades de sua reprodução e do próprio campo enquanto tal. Cabe notar que, como observa Bourdieu (2001:212):

Em nossas sociedades, o Estado contribui, em medida determinante, para a produção e a reprodução dos instrumentos de construção da realidade social. Enquanto estrutura organizacional e instância reguladora das práticas, ele exerce em bases permanentes uma ação formadora de disposições duráveis por meio de todas as constrições e disciplinas a que submete uniformemente o conjunto dos agentes. Ele impõe, sobretudo, na realidade e nos cérebros, todos os princípios fundamentais de classificação [...] mediante a imposição de categorias sociais [...] que constituem o produto da aplicação de “categorias” cognitivas destarte reificadas e naturalizadas; ele também constitui o princípio da eficácia simbólica de todos os ritos de instituição [...] que instaura, entre os eleitos e os eliminados, diferenças simbólicas duráveis, por vezes definitivas, e universalmente reconhecidas nos limites de seu âmbito.

A estrutura administrativa do Ministério, um dos esquemas práticos de percepção e assimilação de determinada visão do mundo social, logo, uma das formas de apreensão da correlação de forças que dão forma e conteúdo, previa quatro secretarias finalísticas: Habitação, Saneamento Ambiental, Mobilidade e Transporte Urbano e Programas Urbanos (Ministério das Cidades, 2004, vol. 1:13).

Contemplado de início apenas com cargos comissionados e profissionais terceirizados, o Ministério, ainda na gestão do Ministro Olívio Dutra, adotou o concurso público como meio válido e legitimo para a formação de um quadro de profissionais especializados, aptos a produzir os efeitos a que se propõe estrutura organizacional na medida de sua vinculação, por meio do cargo público, às capacidades inerentes a determinado diploma conseguido no sistema escolar. O primeiro concurso público autorizado previa o provimento de cargos para diversas especialidades, cuja importância e eficácia para a consecução do “direito à cidade” reside na transformação do capital cultural internalizado nesses agentes individuais, em poder de objetivação do modelo.

Sem que tenhamos condições de, nos limites desse estudo, estabelecer correspondências entre o sistema de valores do “direito à cidade” e o capital urbanístico

___________________ Cidades.

vinculado a determinado diploma, apresentamos o quadro de cargos e o quantitativo de vagas para cada um deles, o que fornece pistas para a compreensão da divisão técnica do trabalho em curso e do tipo de conhecimento técnico mobilizado pelas instituições do campo (tabela 4.6). Destacamos a presença de um expressivo quantitativo de analistas de sistemas, pedagogos e técnicos em comunicação social, o que pode indicar a crescente necessidade de transmissão de modelos cognitivos entre agentes do campo e leigos, por meio do desenvolvimento de atividades formativas e de difusão.9 A marcante presença de economistas fornece pistas sobre a importância que a racionalidade econômica adquiriu na concepção de programas e projetos urbanos, sendo esse fato de suma importância para a compreensão da “cidade-mercado”, a ser analisada no capítulo seguinte. Por outro lado, a ausência de advogados do concurso para um órgão que pretende implementar o Estatuto da Cidade, pode ser explicada, em princípio, pelo fato do campo jurídico gozar de maior autonomia, sendo irredutível a outros campos no âmbito do Estado, o que lhe permite fazer valer sua lógica interna na definição das carreiras e cargos que reivindica no corpo administrativo.

4.6 Quadro de profissionais previsto no concurso