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Grande São Paulo Taxa Geométrica de Crescimento Anual por Municípios – 1991/

PRODUÇÃO DO ESPAÇO E ORDEM SOCIAL NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO

Capítulo 2. Gênese, Estruturação e Legitimação do Campo Urbanístico na Região Metropolitana de São Paulo

2.2 Grande São Paulo Taxa Geométrica de Crescimento Anual por Municípios – 1991/

Fonte: Extraído do CD Sumário de Dados da Grande São Paulo. Emplasa, 2002.

Outro fator essencial na construção de práticas socioespaciais do período é o expressivo aumento do número de veículos motorizados, que provoca demanda incessante por infra-estrutura viária. Esse crescimento constante justificaria um largo espectro de intervenções em escala cada vez maiores, direcionadas à produção de objetos característicos do que ficou conhecido como rodoviarismo. Deve-se sublinhar que o crescimento do número de veículos permanece muito expressivo e até alarmante, até nossos dias, fenômeno que se tornou um problema permanente do campo, a exaurir todas as energias cognitivas dos agentes no oferecimento de soluções sempre precárias e provisórias. Considerando apenas o período 1999-2001, nota-se que o crescimento de veículos por mil habitantes manteve-se em alta, passando de 371 para 397 na RMSP (ver fig. 2.3). 2.3 Fonte: extraído do CD Sumário de Dados da Grande São Paulo. Emplasa, 2002.

Nesse contexto, emergem novas combinações de técnicas e conhecimentos práticos voltados para o controle do processo de produção do espaço, capital urbanístico internalizados em instituições e categorias profissionais ou mesmo incorporado em figuras emblemáticas, verdadeiros sacerdotes do obreirismo como Francisco Prestes Maia à época do Estado Novo, Jânio Quadros e, mais recentemente, Paulo Maluf. Figuras emblemáticas, pois, cada um a seu modo, transferem com maestria e perfeita eficácia os produtos simbólicos do campo de produção para a esfera do poder administrativo. Para tanto,

encarnam a figura do tocador-de-obras da “cidade que mais cresce no mundo”, da “cidade que não pode parar” elaborando e refinando os elementos do populismo como padrão de conduta político-administrativa ajustada ao processo de produção do espaço. No bojo do obreirismo modernizador o padrão de intervenção obreirista se caracteriza pelas relações objetivas que se estabelecem entre o tocador-de-obras – que comanda a produção de objetos na cidade como marca distintiva de eficácia material e simbólica na luta pelo controle das instituições estatais municipais - as empreiteiras de obras públicas, as classes dirigentes e de proprietários, o operariado urbano e as classes populares caricaturadas na figura do pobre-carente da periferia.

Verificam-se diferentes níveis de interligação (relações objetivas) entre esses agentes, configurando-se redes sociais, grupos de interesse, áreas de influência e lobbies em torno dos negócios relacionados à produção de infra-estrutura e serviços urbanos. A análise dessas interligações e conexões mostraria, por exemplo, que a reprodução do obreirismo como dominação organizada da metrópole corresponde à objetivação de um determinado modelo de cidade condizente com as relações de produção da sociedade como um todo e faz com que a dominação não se circunscreva ao espaço de produção da fábrica e às relações de reprodução da força de trabalho no espaço familiar e da moradia. Vale dizer que a dominação organizada extrapola a violência simbólica exercida nos limites do próprio campo como divisão técnica do trabalho, na medida de sua transposição para a sociedade em geral na forma de uma divisão social e territorial específica do trabalho.

A necessidade imperativa que o sistema produtor de mercadorias tem de, por um lado, controlar o trabalhador na fábrica e, por outro, regulamentar o espaço e o funcionamento da metrópole, associada ainda à extensão dessa interferência à própria vida familiar do trabalhador constitui o amálgama que irá, ao longo do tempo, engendrar a consolidação de um campo social específico voltado para a produção do espaço não somente em seus aspectos objetivos, mas também no plano subjetivo da organização da vida cotidiana. Estamos aqui diante da transformação da própria metrópole em meio de produção que organiza outros meios de produção.

Essa complementaridade espantosa entre o campo urbanístico e o Estado no contexto da industrialização deve ser aprofundada com a introdução de outros elementos. Ela ajuda a desvendar o processo de dominação em uma sociedade de classes em franco processo de urbanização, em que as formas tradicionais de manutenção da ordem já não

podem mais ser mobilizadas com a eficácia costumeira. Recorrendo-se a Giddens (1985:202), pode-se assinalar que a convivência entre as classes passa a depender cada vez mais do armazenamento e controle de informações como meio de concentrar recursos políticos para a dominação. Além disso, a construção do próprio aparato estatal necessita da “pacificação interna” que reduza o recurso à violência física para a manutenção da ordem no âmbito do Estado-nação. O controle deve ser realizado mediante a transição de um tipo de punição (violento, espetacular e aberto), para outro (disciplinatório, monótono e dissimulado), o qual requer o desenvolvimento de um novo complexo de relações coercitivas. Como assinala Giddens (1985:205):

A criação de uma necessidade pela “lei e ordem” é o lado reverso da emergência das concepções de “desvio” reconhecidas pelas autoridades centrais e por especialistas profissionais. Estas são intrínsecas à expansão do alcance administrativo do Estado, penetrando nas atividades diárias - e à aquisição de um monopólio efetivo da violência nas mãos das autoridades do Estado.

O autor chama atenção para o fato de que, nos tipos anteriores de sociedade, “as classes dominantes não buscaram, ou exigiram, a necessidade da aquiescência regularizada da maioria da população, com exceção de critérios demasiadamente restritos de submissão material”. O poder disciplinatório como descrito por Foucault inclui, além da manutenção da informação, a vigilância no sentido da supervisão direta. “Ele passa a envolver a concentração de atividades por um período do dia, ou por um período da vida dos indivíduos, em locais especialmente construídos para isso” (idem, idem).

É precisamente nesse aspecto que se poderia ver no campo urbanístico o lócus de produção material e simbólica capaz de fornecer os elementos necessários à manutenção da ordem social, quando esta passa a envolver a necessidade de normas, regras e objetos fora dos locais de produção, quer dizer, para além dos espaços sob o domínio dos agentes privados, ele passa a requerer a extensão do controle aos espaços públicos da metrópole. A elucidação dessa problemática poderá ser realizada se conseguirmos apreender as relações objetivas entre os agentes e instituições nela envolvidos.

O padrão de relações objetivas no interior do campo e deste com o Estado e a sociedade em geral será mais bem explicitado a partir de duas vertentes peculiares: i) o campo como mediador das formas de cumplicidade objetiva das classes populares ao

projeto de modernização da cidade tal como colocado pelas classes dominantes e ii) a materialização do modelo como um parque de objetos dispostos no território, dotados de coerência e sentido para dominantes e dominados. Vamos a elas.