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Avanços graças à discussão sobre DS 1 Reconfiguração da ciência

Parte II. Razão e Desenvolvimento

Capítulo 08. Desenvolvimento Sustentável

8.6. Avanços graças à discussão sobre DS 1 Reconfiguração da ciência

A noção de DS, como apontado por Chaves e Rodrigues (2006), ainda é incerta por se encontrar no cruzamento de várias tradições intelectuais, que buscam conciliar desenvolvimento econômico, proteção ao ambiente e equidade social. Nesse sentido, a discussão sobre o DS favoreceu a abertura para aproximações intelectuais, recomposições teóricas e reorganizações institucionais. Apesar de ainda não haver consenso sobre o que é o desenvolvimento e como conduzi-lo de maneira verdadeiramente sustentável, o debate sobre o tema leva ao rompimento das barreiras disciplinares, ao questionamento dos paradigmas científicos dominantes, à superação da fragmentação do conhecimento, à busca da inter- e/ou transdisciplinaridade e à reconfiguração dos objetivos da ciência diante das questões socioambientais para o século XXI. Por outro lado, Godard (1997) ressalta que a ampliação dessas discussões mais abre novos campos do que organizam as noções já existentes, assim como relembra que os “conceitos e doutrinas, regras e procedimentos práticos vão ser elaborados de acordo com a conveniência das decisões econômicas, das regras jurídicas e das inovações institucionais” (GODARD, 1997, p.109).

Enquanto campo de debate, o DS é um processo ainda em construção, cujas correntes de pensamento científico e não-científico são convocadas a participar para estabelecer critérios, normas e orientações a ações de desenvolvimento em diferentes dimensões. Resumindo, um dos avanços propiciado pelos questionamentos sobre o DS é

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explicitar a necessidade de reconfiguração científica para o enfrentamento dos problemas socioambientais, que alguns autores indicam como possível pela busca da inter-/ transdisciplinaridade (JAPIASSU, 2006), pelo pensamento complexo (MORIN, 2008), pela pluralidade e diversidade epistemológica (SANTOS, 2008), por uma epistemologia e racionalidade ambiental (LEFF, 2002, 2006).

8.6.2. Decisões políticas

Se por um lado ainda não há conhecimento científico suficiente para afirmar sobre a dinâmica dos processos biofísicos, nem prever em médio e longo prazo os impactos de determinadas ações econômicas, por outro se pondera que decisões políticas talvez sejam o caminho mais prudente, neste momento, para manutenção da vida terrena. Como apontam Chaves e Nogueira (2006), se deve ir além da mera otimização econômica intertemporal, observados pelos preços nos mercados, e da simples busca de conhecimentos científicos dos processos biofísicos, dos quais depende a reprodução do ambiente. É preciso ponderar um comportamento de segurança e de prevenção dos riscos conhecidos; a otimização do tempo para conhecer os fenômenos, de modo a responder de forma mais eficaz aos problemas ainda incertos neste campo; busca por soluções de menor arrependimento, que atendam de forma simultânea a vários objetivos da coletividade. Nessa linha, fala-se no 'Princípio de Precaução', cujas exigências de provas científicas (comprovação de determinados fenômenos) não são a única fonte para tomada de decisões que garantam a preservação ambiental. Certamente, há um contraponto: decisões são tomadas com base em interesses de grupos particulares, sob o álibi da imprecisão de metodologias científicas. Por isso, é necessário o estabelecimento de regras que possam garantir sua aplicação sensata e previsível.

8.6.3. Integração de políticas ambientais e desenvolvimento econômico

A linha de pensamento acima se enquadra com outro avanço propiciado pela discussão sobre DS: a integração de políticas ambientais e desenvolvimento econômico – que ainda mantém o crescimento econômico dentro do consenso político internacional, apesar de veementemente criticado. Dentro dessa perspectiva, Chaves e Rodrigues (2006, p.103) indicam duas posições predominantes: os que acreditam que as taxas elevadas de crescimento podem financiar políticas ambientais rigorosas, centradas na difusão rápida de inovações, custos de manutenção/restauração de ambientes e mecanismos de reciclagem de materiais ou eliminação de dejetos; e aqueles cuja crença na harmonização entre desenvolvimento e preservação ambiental exige uma nova concepção de modelos de desenvolvimento, o que implica em mudanças significativas nos modos de vida, modos de produção, opções técnicas e formas de organização social e das relações internacionais.

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Para as autoras, essa perspectiva de análise revela quanto a relação sociedade/ natureza é

resultado de uma construção histórico-social, a partir do estabelecimento das relações dos homens entre si, num determinado tipo de sociedade. Este modelo precisa ser repensado, uma vez que as políticas de meio ambiente não podem ser mais marginalizadas ou relegadas a um plano secundário às decisões econômicas e sociais (CHAVES & RODRIGUES, 2006, p.104)

8.6.4. Explicitação das diferenças entre Norte / Sul

Além das discussões sobre novos modelos de desenvolvimento, políticas ambientais, tomada de consciência da construção sócio-histórica da relação Homem/ natureza e aspirações de uma nova sociedade, o avanço no debate sobre DS vem cada vez mais explicitando diferenças entre países do Norte e Sul. Como destaca Godard (1997, p.125), o futuro do ambiente depende da evolução dos conteúdos globais dos modos de desenvolvimento dos países de ambas as partes, sob diferentes aspectos: modos de consumo, escolha de tecnologias, organização do espaço, gestão dos recursos e dos resíduos. Desse modo, se devem respeitar as prioridades de desenvolvimento de cada parte, ao mesmo tempo em que se estabelecem compromissos globais para além dessas prioridades particulares.

8.6.5. Avanço epistemológico

Outro aspecto, descrito por Sachs, é que desde Estocolmo (1972) até Joanesburgo (2002) “o conceito de DS foi refinado, levando a importantes avanços epistemológicos” (SACHS, 2004, p.36)227. Durante esses anos até o presente, o autor no lembra que primeiramente se discutiram reconceituações do desenvolvimento, “em termos de ecodesenvolvimento, recentemente renomeado de DS” (idem, ibidem), em que se passou a ponderar como verdadeiro desenvolvimento somente aquele que traga soluções e harmonização entre três elementos: promovam crescimento econômico com impactos positivos em termos sociais e ambientais. O autor indica dois principais avanços de cunho epistemológico na noção de DS.

O primeiro se refere à explicitação de critérios de sustentabilidade em suas diferentes dimensões. De acordo com Tassara (2007)228, a noção de sustentabilidade pressupõe um sistema, que se sustenta por meio de conjunto de relações internas que se auto-regulam e se equilibram, mas que se relacionam com o mundo externo a ele. Desse modo, ao se pensar em sustentabilidade de um sistema, deve-se remeter a um conjunto de

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SACHS, Ignacy (2004). Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond.

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relações internas e externas, fatores de equilíbrio e de desequilíbrio. Segundo esse ponto de vista, a sustentabilidade só ganha conteúdo ao se pautar em um conjunto de valores que lhe dão forma – baseadas na racionalidade das disciplinas. Um exemplo são as considerações de José Alberto MACHADO (1999, 215-221)229, que mostra a existência de quatro enfoques diferentes utilizados na construção de sistemas de indicadores de aferição da sustentabilidade, decorrentes de distintas abordagens sobre o que causa sustentabilidade/insustentabilidade: o problema, danos causados, quem legitima, elementos de política ambiental e objetivos políticos a partir de abordagens toxicológicas, equilíbrio sistêmico, termodinâmico, ético-moral e econômico.

Viega (2006b) nos explica que a noção de sustentabilidade é ainda mais vaga do que a de desenvolvimento. Existem duas principais abordagens: os que acreditam que não há dilema entre crescimento econômico e conservação ambiental. Sustenta-se a economia e seu avanço, que trará benefícios ambientais e sociais. Outros acreditam que o crescimento deve sofrer retração e decréscimo da produção, para podermos conservar o ambiente. Igualmente, sustenta-se uma economia mais adequada à manutenção da biosfera. Uma abordagem mais completa, e complexa, é indicada por Sachs, que “soube evitar o ambientalismo pueril, que pouco se preocupa com pobreza e desigualdade, e o desenvolvimentismo anacrônico, que pouco se preocupa com as gerações futuras” (VEIGA, 2006b, p.171). Na ótica de Sachs (2002, p.85-88), seriam oito dimensões/critérios de sustentabilidade do desenvolvimento:

1. social: alcance de patamar razoável de homogeneidade social; distribuição de renda justa; emprego pleno e/ou autônomo com qualidade de vida descente; igualdade no acesso aos recursos e serviços sociais.

2. cultural: equilíbrio entre respeito à tradição e inovação; autonomia para elaboração de um projeto nacional integrado e endógeno; autoconfiança combinada com abertura para o mundo.

3. ecológica: preservação do potencial do capital natureza na sua produção de recursos renováveis; limitar o uso dos recursos não-renováveis.

4. ambiental: respeitar e realçar a capacidade de autodeturpação dos ecossistemas naturais.

5. territorial: configurações urbanas e rurais balanceadas (eliminação das inclinações urbanas nas alocações do investimento público); melhoria do ambiente urbano; superação das disparidades inter-regionais; estratégias de desenvolvimento ambientalmente seguras para áreas ecologicamente frágeis (conservação da biodiversidade pelo

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MACHADO, José Alberto (1999). Desenvolvimento sustentável: a busca de unidade para seu entendimento e operacionalização. In: ALTVATER, Elmar et al. Terra incógnita: reflexões sobre globalização e

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ecodesenvolvimento).

6. econômico: desenvolvimento econômico intersetorial equilibrado; segurança alimentar; capacidade de modernização contínua dos instrumentos de produção; razoável nível de autonomia na pesquisa científica e tecnológica.

7. política nacional: democracia definida em termos de apropriação universal dos direitos humanos; desenvolvimento da capacidade do Estado para implementar o projeto nacional, em parceria com todos os empreendedores; um nível razoável de coesão social.

8. política internacional: eficácia do sistema de prevenção de guerras da ONU, na garantia da paz e na promoção da cooperação internacional; pacote Norte-Sul de co- desenvolvimento, baseado no princípio de igualdade (regras do jogo e compartilhamento de responsabilidade de fornecimento do parceiro fraco); controle institucional efetivo do sistema internacional financeiro e de negócios; aplicação do Princípio da Precaução na gestão do ambiente e dos recursos naturais; prevenção das mudanças globais negativas; proteção da biodiversidade biológica e cultural; gestão do patrimônio global, como herança comum da humanidade; sistema efetivo de cooperação científica e tecnológica internacional e eliminação parcial do caráter de commodity da ciência e tecnologia, também como propriedade da herança comum a humanidade.

Explicitar esses critérios de sustentabilidade é um dos avanços epistemológicos na discussão sobre DS – apesar de ainda haverem indicadores questionáveis. O segundo refere-se à reconceitualização do desenvolvimento, por meio de trabalhos de Amartya K. Sen, que o redefine em termos de universalização e exercício efetivo de todos os direitos humanos: políticos, civis e cívicos; econômicos, sociais e culturais; coletivos ao desenvolvimento, ao ambiente (SACHS, 2002, p.37). Adiante explicaremos com maiores detalhes estas idéias de Sen.

Por fim, Chaves e Rodrigues (2006, p. 106) resumem que o debate sobre DS expõe novos rumos para tratamento das questões ambientais (local/global) e, por sua vez, explicitam as determinações políticas e econômicas subjacentes aos modelos de desenvolvimento. Além desses aspectos ressaltados, as autoras indicam também que a retórica do DS passou a ser utilizada por diferentes grupos como recurso de denúncia política ou exercício de cidadania, abertura de novos espaços de expressão e como bandeira para legitimidade de causas locais, nacionais e globais. Como já esboçado anteriormente, as propostas do DS vão além do crescimento econômico e do uso racional de recursos naturais. Dependem, também, da participação social e do aumento das potencialidades e qualidades das pessoas, em suas localidades, para a construção de uma sociedade mais democrática participativa. Por conta desse conjunto de fatores é que hoje alguns autores preferem se referir a esses desafios como os da sustentabilidade do desenvolvimento (NOGUEIRA & CHAVES, 2005).

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