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Parte II. Razão e Desenvolvimento

Capítulo 08. Desenvolvimento Sustentável

8.2. Desenvolvimento e progresso

Segundo Dália MAIMON (1993, p.54)157, o conceito de progresso está na base dos enfoques desenvolvimentistas tradicionais. De certo modo, acrescentamos que continua inerente àqueles do desenvolvimento sustentável e correlato. Vejamos do que trata, primeiramente, a idéia de progresso.

Para John Bagnell BURY (1921)158, o que permeia a idéia do progresso é o avanço da humanidade do passado (cuja condição original é primitiva, bárbara, nula) até o presente, (cujos sinais são a sociedade, a cultura, a dominação da natureza), e que continua avançando rumo a um futuro previsível de realização plena da humanidade. Portanto, o progresso é o avanço/desenvolvimento de um estado inferior a outro superior.

Na perspectiva da história da idéia de progresso de Robert A. NISBET (1985)159, esse avanço ou passagem do inferior ao superior encontra duas proposições intimamente relacionadas, desde os gregos até os 'grandes profetas do progresso' do século XIX e XX, Saint-Simon, Comte, Hegel, Marx, Spencer e Hayek: 1) o progresso é a lenta, acumulativa e gradual melhoria em conhecimentos (das artes e ciências), expressa pela maneira do

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MAIMON, Dália (1993). A economia e a problemática ambiental. In: VIEIRA, Paulo Freire & ______ (orgs.). As ciências sociais e a questão ambiental: rumo à interdisciplinaridade. Rio de Janeiro: APED; Belém: NAEA/UFPA.

158

BURY, John Bagnell (1920/1921). The idea of progress: an inquiry into its origin and growth. London: Macmillan and Co.

159

NISBET, Robert A. (1980/1985). História da idéia de progresso. Tradução de Leopoldo José Collor Jobim. Brasília: Editora UnB.

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Homem lidar com a natureza e consigo mesmo na convivência social. Há convicção de que a própria essência do conhecimento leva a progredir, melhorar, tornar mais perfeito. 2) dada a condição moral e espiritual do Homem na Terra, o progresso é o empreendimento da humanidade resultante de virtudes espirituais e morais (felicidade, independência nos tormentos da natureza e sociedade, serenidade e tranquilidade), levando a uma cada vez maior perfeição humana. Comum às duas perspectivas, encontra-se a referência de progresso em relação a alguma coisa: o progresso é da humanidade, que avança etapa por etapa (continuidade histórica), é cumulativo em conhecimento, cultura e moral, e alcançará algum fim ou meta radiosa – a fé no retorno à idade de ouro160.

Nisbet (1985, p.321) resume cinco premissas que permeiam a idéia de progresso: 1) crença no valor do passado – que serve de base cumulativa para o presente e futuro. 2) convicção da nobreza e até mesmo da superioridade da civilização ocidental; 3) aceitação do valor do crescimento econômico e tecnológico; 4) fé na razão e no tipo de conhecimento científico e acadêmico que só pode derivar da razão; 5) fé na importância intrínseca e no inefável valor da vida neste mundo. Não obstante haja questionamento dessas verdades axiomáticas na atualidade, ainda persiste a crença num futuro promissor pautado nessas premissas da idéia de progresso.

A crença na idéia de progresso esteve presente em todas as épocas da história ocidental e se manifestou de diversas maneiras. Os gregos e romanos utilizaram o método de assimilar os estrangeiros dentro de uma interpretação progressiva de história para justificar que as outras sociedades estavam em estágios preliminares a sua. Igualmente, os europeus, com as viagens e conquistas ultramarinas do século XV em diante, também atribuíram às outras culturas e povos a mesma inferioridade, tendo a si mesmos como mais avançados. Segundo Nisbet (1985, p.159), esse eurocentrismo influenciou não apenas os relatos etnográficos dos viajantes, que descreviam os nativos como bárbaros e em nível inferior de desenvolvimento, mas também as teorias políticas de Hobbes, Locke, Rousseau, Montesquieu e Voltaire, que em seus escritos atribuíam superioridade à civilização, tomando como base a ocidental/européia – em relação às não-ocidentais161.

Essa crença na supremacia cultural de uma sociedade sobre outra permeou inúmeras políticas de conservação/preservação ambiental, no século XIX e XX, que consideravam os habitantes nativos de uma localidade como agentes de degradação da natureza. Atualmente, já se fazem esforços de valorização dos conhecimentos de outras

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Na mitologia grega, a idade de ouro refere-se ao início da humanidade, em que se vivia um estado ideal (de paz, harmonia, estabilidade e prosperidade), quando o gênero humano era puro e imortal. Termina quando Prometeu traz o fogo à humanidade, contra a vontade de Zeus. Como punição, permaneceu acorrentado no monte Cáucaso.

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Apesar de Rousseau apontar a civilização como corruptora do Homem, mesmo assim há em sua obra o ideal de vida coletiva segundo determinados princípios.

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culturas, sem hierarquizá-los segundo um padrão considerado superior, com a finalidade de conjugar esses saberes e estilos de vida ao manejo sustentável de recursos naturais.

Nisbet (1985) descreve que o ápice da idéia de progresso aconteceu nos séculos XVIII e XIX, momento em que a ciência moderna, a secularização das idéias e o progresso econômico tornaram-se as chaves para a humanidade alcançar um determinado fim: liberdade, igualdade, justiça social, soberania popular. É a fé numa visão positiva e otimista de progresso, para chegar a uma sociedade plenamente realizada. David S. LANDES (1994)162 destaca que crescimento econômico e avanços tecnológicos passam a ser aspectos centrais da busca de progresso com o advento da revolução industrial, a partir do século XVIII. O autor descreve uma série de motivos pelos quais a revolução industrial ocorreu primeiro na Inglaterra e em seguida no continente europeu e novo-mundo (Estados Unidos da América), ao invés de outras civilizações (povos africanos, povos nativos americanos, China, Índia e mundo islâmico), evidenciando que foram os europeus quem iniciaram uma corrida pela liderança econômica mundial sem precedentes. Por essa expansão européia ao resto do planeta, que significou exploração e dominação de uma sociedade por outra, exportou-se o processo de industrialização e as características inerentes a ela: a busca incessante por novas tecnologias, o desejo de dominação, a abordagem racional dos problemas (racionalidade e método científico), a competição pela riqueza e poder.

Dentro dessa perspectiva, o progresso é a busca de riqueza por meio da industrialização e passa a ser sinônimo de desenvolvimento econômico, crescimento, avanço da tecnologia, inovação constante, expansão a novos mercados, aumento de produtividade. Como ressalta Landes (1994, p.239-43), o crescimento econômico depende de inovações constantes e é a mola propulsora do processo de industrialização, por isso sua substancial valorização até a atualidade. Pelo crivo do progresso, os países desenvolvidos são aqueles que atingiram certo grau de industrialização e abandonaram uma economia baseada fundamentalmente na agricultura. Os países subdesenvolvidos deveriam alcançar não só o mesmo nível de industrialização, mas de produção de bens e serviços, bem-estar, ética e valores.

Principalmente com o advento da revolução industrial, o desenvolvimento é adjetivado como econômico e designa progresso. Como resume Veiga (2006b, p.61)163 “desde meados do século XVIII, com a Revolução Industrial, a história da humanidade passou a ser quase inteiramente determinada pelo fenômeno do crescimento econômico”.

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LANDES, David S. (1969/1994). Prometeu desacorrentado: transformação tecnológica e desenvolvimento

industrial na Europa ocidental, desde 1750 até a nossa época. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:

Nova fronteira.

163

VEIGA, José Eli da (2006b). Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Segunda Edição. Rio de Janeiro: Garamond.

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Os modelos clássicos de desenvolvimento/crescimento econômico estão baseados na crença de que industrialização, e os supostos inerentes a ela, traria progresso em todos os níveis às nações. Adiante veremos quais os enfoques desses modelos.