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Parte II. Razão e Desenvolvimento

Capítulo 08. Desenvolvimento Sustentável

8.5. Críticas e limites do DS

8.5.5. Supremacia do econômico

O objetivo principal do DS, segundo Banerjee (2006, p.78), é “descrever um processo de crescimento econômico que não cause destruição ambiental”. E sustentar o crescimento econômico e conciliá-lo com o ambiente “é simplesmente um lance de mágica que falha no que refere ao equacionamento dos genuínos problemas ambientais” (idem, ibidem). Para o autor, o DS não representa uma quebra de um paradigma teórico, mas sua subsunção sob o paradigma economicista dominante. A noção de desenvolvimento subjacente a essa ótica econômica, classificante de países desenvolvidos e subdesenvolvidos (nos antigos e ainda presentes planos de cooperação para o desenvolvimento dos países do 'Terceiro Mundo'), está imbuída do contexto sociocultural e político dos países industrializados do ocidente, que universalizaram padrões para o restante do globo. Desse modo, criou-se uma noção de pobreza em relação ao padrão capitalista industrializado, categorizaram-se as diferenças culturais segundo o estigma 'subdesenvolvido' e adotou-se como único o pensamento moderno econômico ocidental, que separa a economia e o social numa concepção de que os problemas sociais são resolúveis pelo crescimento econômico. Essas leituras econômicas foram pautadas em “sistema de conhecimentos da modernidade ocidental, rejeitando e marginalizando formas não ocidentais de conhecimento” (idem, p.81). Para o autor, esse viés presente nas noções desenvolvimentistas do século XX foi renomeado na atualidade como DS.

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indefinidamente ganha maior destaque do que a preservação da natureza: “ao invés de reformar os mercados e os processos produtivos para que se adequem à lógica da natureza, o DS usa a lógica de mercado e da acumulação capitalista para determinar o futuro da natureza” (BANERJEE, 2006, p.85). O discurso do DS se utiliza de jargões ambientalistas para operacionalizar a economia segundo a roupagem de um novo paradigma, propondo-se ao gerenciamento e acúmulo de riqueza sem a depredação dos recursos naturais, mas “exatamente como isso seria possível permanece um mistério” (idem, ibidem), devido a serem inconciliáveis os pressupostos das lógicas de mercado e da natureza.

Banerjee (2006) ainda acrescenta que o DS não questiona as noções de progresso e de racionalidade econômica existentes, mas continua a privilegiar o consumismo industrial. Focaliza mais os efeitos da destruição ambiental sobre o crescimento econômico do que o contrário. Aponta preocupações ambientais na medida em que ameaçam a sustentabilidade do sistema econômico. Não questiona a lógica do mercado e do capital, e sim cria e impõe uma lógica semelhante a todo o globo sob um modelo universal e em jargões ambientalistas.

Para Carvalho (2006, p.205), o DS não se constitui como novo paradigma de desenvolvimento, não tem embasamento teórico e método operacional que lhe proporcionem sustentação empírica. O DS é uma noção sem teoria, pois quer designar uma ação educadora do Estado sobre a sociedade de modo a-histórico e sem “análise crítica de como viabilizá-la num mundo real dividido e dominado pelo hegemônico modo de produção capitalista contemporâneo” (idem, p.206). A proposta do DS não está embasada numa nova teoria de desenvolvimento econômico sustentável e continua com a centralidade/universalidade do caráter sustentado da economia221.

Para Diegues (2001, p.51-2), o DS adota uma posição próxima à economia neoclássica, em que os problemas ambientais são meras externalidades do processo de desenvolvimento e cujas forças de mercado solucionariam os problemas ambientais. Além disso, a concepção de desenvolvimento do DS se baseia num grau a ser atingido semelhante aos países industrializados, que é insustentável no médio e longo prazo.

Daniel Chaves de BRITO (1999)222 aponta que a noção de DS não representa uma mudança de paradigma em relação aos enfoques desenvolvimentistas das teorias

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Para Carvalho (2006, p. 207-8), o desenvolvimento econômico sustentado é aquele que sustenta apenas o crescimento econômico. O desenvolvimento econômico sustentável supõe uma transformação no modo de produção, de consumo, de modo de vida, busca de equidade social e conservação da natureza, intra- e intergeracional. Isso requer pensar a sustentabilidade do desenvolvimento em múltiplas dimensões – as dimensões de sustentabilidade: social, cultural, ecológica, ambiental, territorial, econômico, política (nacional) e política (internacional) (SACHS, 2002).

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BRITO, Daniel Chaves de (1999). A paradoxal unidade do discurso de desenvolvimento. In: ALTVATER, Elmar et all. Terra incógnita: reflexões sobre globalização e desenvolvimento. Belém: UFPA/NAEA.

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econômicas clássicas e neoclássicas, que têm intrínseca a idéia de infinitude e de estratégias corretas para o perpétuo crescimento. Nesse sentido, o DS “se inscreve numa paradoxal unidade do discurso de desenvolvimento, na medida em que suas alternativas não fogem ao problema do crescimento econômico” (idem, p.199).

Montibeller Filho (2004) nos fala do 'mito do desenvolvimento sustentável':

Conclui-se, então, pela impossibilidade de que no mundo capitalista venha a atingir-se o desenvolvimento sustentável, em suas dimensões básicas de eqüidade intrageracional (garantia de qualidade de vida a todos os contemporâneos), intergeracional (igual garantia às pessoas das próximas gerações, mediante a preservação do meio ambiente) e eqüidade internacional (de todos os países, ou a todo indivíduo independente de sua localização geográfica). Assim, cremos haver demonstrado a validade da hipótese principal, a saber, que as proposições ambientalistas conservadoras do sistema de mercado – que o defendem ou toleram – constituem-se em contribuições relevantes para amenizar os efeitos da problemática socioambiental; mas que, todavia, não conseguem superar a contradição fundamental do sistema de tender a apropriar-se de forma degenerativa dos recursos naturais (esgotamento) e do meio ambiente (degradação), impossibilitando que sejam concretizadas as eqüidades sociais e ecológicas intra, intergeracional e internacional do desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento sustentável revela-se um mito, compreendendo dupla dimensionalidade: o caráter universal, ao contemplar a reflexão pela maioria dos povos – do mundo capitalista ou não –, de uma condição de eqüidade socioambiental e ambiental desejada, dando elementos para a construção de projeto civilizatório em diferentes culturas e norteador de práticas sociais (conflituosas); e o caráter particular, sendo no sistema atualmente dominante, e nas condições analisadas de tendência secular e escala global, todavia, uma idéia sem correspondência direta, sendo até conflitante, com a realidade. Este aspecto contribui na compreensão da sociedade capitalista e seus limites em concretizarem ideais socialmente construídos (MONTIBELLER FILHO, 2004, p.292).

Pelas colocações do autor, por meio da análise das teorias desenvolvimentistas clássicas e das apropriações neoclássicas dos fatores ambientais, o DS continua sendo uma solução incompleta para superar os problemas ambientais atuais. Isso porque, segundo Santos (2008, p. 125), as concepções de desenvolvimento capitalista têm sido reproduzidas pelas ciências econômicas e se assentam na idéia de crescimento infinito obtido por meio da sujeição progressiva de práticas e saberes à lógica mercantil.

Para Rosa Elizabeth Acevedo MARIN e Edna Maria Ramos de CASTRO (2006, p.16-20)223, o discurso globalizado e institucionalizado do DS está atrelado ao seu poder enunciativo, auto-explicativo, prenúncio de venturas e esperanças. O DS serve para fazer o desenvolvimento econômico aparecer como necessário, acalmando os medos provocados pelos seus efeitos indesejáveis. Nesse sentido, as críticas ao DS são à modernidade, pois

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MARIN, Rosa Elizabeth Acevedo & CASTRO, Edna Maria Ramos de (2006). Prefácio 2ª edição. In: FERNANDES, Marcionila & GUERRA, Lemuel (orgs.). Contra-discurso do desenvolvimento sustentável. 2ª Edição revisada. Belém: UNAMAZ; NAEA-UFPA.

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revelam os problemas com os quais a sociedade atualmente se debate: a falência da solidariedade social e autodeterminação dos povos à destruição da natureza, por meio de uma racionalidade que se forja no avanço da civilização ocidental. Para as autoras, um dos desafios teóricos que se impõem é superar o mito da terra prometida, da natureza sem limite e do paraíso ligados à idéia de progresso e modernidade, que permeiam o imaginário social e os discursos políticos, militares, científicos, etc.

Na opinião de Sachs (1993, p.18), atingiremos o objetivo de proporcionar a todos uma sobrevivência decente, em um planeta para sempre habitável, no momento em que se reconhecer que devemos modificar o comportamento econômico, ambiental e socialmente destrutivo. Isso requer mais do que estratégias de desenvolvimento de uma agenda em longo prazo. Requer a reconfiguração de padrões de produção compatíveis com a eqüidade social e prudência ambiental, um novo conceito de modernidade e uma nova civilização, fundadas nas idéias de respeito humano, conhecimento intensivo e amor à natureza.