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C ada vez m ais se afiguram no “cam inho” das Ciências Sociais, estratégias m etodológicas de investigação no âmbito da investigação-form ação, recorrendo às abordagens biográficas. A biografia consegue responder a duas finalidades: à investigação e à formação. Esta perspectiva é corroborada por Cavaco, (2001, p. 67, citando Poirier, Clapier-V alladon), que sugere“ a abordagem biográfica perm ite captar o não explicado, o não retido, para se situar na encruzilhada da pessoa e da sociedade que é a sua própria vida”. É uma aposta na singularidade de cada projecto e trajectória de vida, dado que, um dos objectivos do program a é perm itir que cada participante possa explorar as suas capacidades ao longo do processo para que no final seja possível a

definição do seu itinerário socioprofissional, com vista à integração no m ercado de trabalho.

Por outro lado, de acordo com Françoise D igneffe, (1997, p. 208) “o relato da vida produz m aterial que exprim e, sim ultaneam ente, o peso das determ inações sociais nas trajectórias individuais, m as também a relação dos actores com essas determ inações e, por conseguinte a sua criatividade própria”.

Na opinião Josso (2002) existem três níveis de análise em profundidade que perm item caracterizar as etapas do trabalho biográfico ao longo do processo:

N ível 1 - evidência do processo de formação, quer dizer, que o sujeito tom a consciência e influencia o seu próprio processo de formação, porque o trabalho é centrado na própria pessoa.

Nível 2 - evidência do processo do conhecim ento. Pode ser encarado com o um processo pedagógico. E o que se verifica no processo BC, pois perm ite ao sujeito, valorizar os seus conhecim entos, bem como os seus saberes adquiridos, m ediante o relato e confronto com a situação vivida, neste caso, em concreto, durante o m om ento do desemprego.

Nível 3 - evidência dos processos de aprendizagem . Por via de um processo de reflexão, interiorização, o sujeito pode interrogar a sua realidade e criar novas form as e alternativas no seu projecto de vida. No campo da Psicologia Cognitiva, a aprendizagem é um processo de transform ação de conhecim entos previam ente existentes noutros. Com efeito, o processo inerente ao BC apresenta esta característica de transform ação, pelo que o título do presente estudo vem reiterar esta acepção. De referir, ainda, que M ezirow (1996, in Couceiro, 2002) e Freire (1993) subentendem que a aprendizagem , pode ser transform adora ou em ancipatória. No fundo, os três níveis m encionados de acordo com a perspectiva de Josso (2002), encontram -se, efectivam ente, relacionados com o que acontece ao longo do processo do BC.

Os sujeitos ao longo desta investigação foram designados e considerados como «actores sociais» (Françoise Digneffe, 1997). Q uer dizer, que não apresentaram uma postura passiva ou sim plesm ente uma postura unidireccional, respondendo apenas a um estimulo. Por outro lado, também não se pode considerar o sujeito com o um ser totalm ente livre, dado que apresenta um ponto de vista próprio (singular e único), em ergente de uma representação social em função de um estatuto ou estrato social que ocupa. Apresenta, pois, uma história pessoal de um colectivo onde pertence.

0 regresso dos m étodos biográficos explica-se pela crise dos m étodos quantitativos e do paradigm a científico ■ actualm ente em ruptura, de acordo com Boaventura Sousa Santos (1987). N as ciências sociais tem -se dado o relevo ao m étodo biográfico como estratégia de investigação, uma vez que consegue dar resposta duas finalidades, em sim ultâneo, à investigação e à formação.

Com o contributo de Ferraroti, 1983 (inspirado em M. W eber e Sartre, in D igneffe, 1997), assiste-se à em ergência de um novo paradigm a epistem ológico. Pretende-se “ ler a sociedade através da biografia” Ferraroti, 1988, p. 27, in Couceiro, 2000, p. 16, reconhecendo, assim , a im portância do “universal singular” (op.cit. p. 16).

A biografia é considerada como um método herm enêutico de interacção, pelo que o sujeito é entendido com o um a realidade sociológica, inserido em várias estruturas (culturais, religiosas, políticas, profissionais, fam iliares e sociais). A inda, de acordo com Cavaco (2001, p. 76, converge com esta posição Bertaux, 1997, p 7), referindo que o trabalho biográfico ao se “centrar sobre a pessoa não pretende estudar as características pessoais, m as sim aquilo que pode ser enquadrado no seu sistem a social” .

Finger, 1989, inspirado pela corrente A lem ã da Sociologia C om preensiva defende que o sujeito reúne um conjunto de experiências sociais e, a interacção entre o investigador e o sujeito perm item a leitura da sociedade e da biografia.

De acordo com Ferrarotti (1979, in Digneffe, 1997, p. 208) o sujeito (actor social) “apropria-se do social, m aterializa-o, filtra-o e assim ila-o, projectando-o num a noutra dim ensão, que é a dim ensão psicológica da sua subjectividade” . Ao longo do relato de vida (ou trajectória de vida), o sujeito produz m aterial que traduz, sim ultaneam ente, o enfoque das determ inações sociais e de com o estas configuram as suas relações. H avendo, sim ultaneam ente, a projecção da influência dos outros (perspectiva inter accionista). Surge aqui a representação dos outros e do m eio sobre a história da cada actor social.

A abordagem biográfica evidencia os m ecanism os transaccionais e

intermediários da relação entre o indivíduo e o social. C onstrói-se o sentido da vida nesta encruzilhada, a partir das vivências partilhadas. Encontra-se, tam bém , nesta acepção a influência da perspectiva sistémica, onde o sujeito é pois considerado como uma entidade, “ formado por sistem as e integrado numa rede também sistém ica mais alargada” (A zevedo, 2004, p. 60). O sujeito considerado em todas as suas dim ensões pessoais, psicológicas, económ icas, sociais, geográficas, culturais.

Q ualquer alteração num a destas dim ensões, p oderá afectar o seu desenvolvim ento tal com o acontece no caso do desem prego. Pelo facto do sujeito ficar sem em prego, a consequência m ais imediata é traduzida pelo desequilíbrio económ ico e, a m édio/longo prazo, ocorrem outras alterações, com por exem plo ao nível fam iliar, relacional e social. V erifica-se, assim , uma interdependência entre as dim ensões da vida do adulto. A noção de trajectória profissional inscreve-se nas histórias de vida, com um sentido diacrónico enquanto fenóm eno único, individual e pessoal.

Ao longo do processo desenvolvido pelo program a de orientação profissional (BC), o sujeito apropria-se dos seus saberes e experiências anteriores. C onverge com esta perspectiva N óvoa (1988, p. 117), quando afirm a que a “ abordagem biográfica deve ser entendida com o um tentativa de encontrar uma estratégia que perm ita ao sujeito tom ar-se actor do seu percurso de formação, através da apropriação retrospectiva do seu percurso de vida” . E neste aspecto que o Balanço de C om petências se identifica com o instrum ento de investigação, pois, apresenta como objectivo atribuir a possibilidade aos participantes de transform arem as suas experiências anteriores na construção de novas etapas de vida.

Desta forma, foi possível a partir dos relatos dos intervenientes e, sobretudo, pela relação que se estabeleceu no grupo, com preender os processos de m udança de atitudes, face à situação em que se encontravam , ultrapassando assim , alguns constrangim entos (isolam ento e atitudes de acom odação) provocados pelos efeitos da exclusão social dos desem pregados de longa duração.

Um dos objectivos no processo do BC é perm itir ao candidato a possibilidade de desdram atizar a situação em que se encontra, com intuito de se vislum brar uma alternativa. O BC proporciona um m om ento de reflexão, onde o sujeito irá estabelecer um processo de selecção, organização e interpretação da inform ação abarcada pelos vários contextos da sua vida, perm itindo-se a si próprio a construção de uma narrativa a partir das suas dim ensões cognitivas, psicológicas e sociais. V erifica-se, deste modo, uma apropriação dos seus saberes e o reconhecim ento das suas potencialidades, traduzidos por um poder interventivo sobre o seu projecto de vida (N óvoa, 1988, Couceiro, 2002).

Investigação-form ação

A necessidade do investigador reflectir sobre as práticas da orientação profissional, esteve na génese desta investigação, uma vez que o m esm o tem exercido funções com o conselheiro de orientação profissional, no acom panham ento aos desem pregados, inscritos nos CE.

O Balanço de C om petências (BC), utilizado com o estratégia central, é aplicado num a óptica de criação de novas oportunidades para os sujeitos reconstruírem a sua relação com o m undo pessoal e profissional; com vista à organização dos valores, saberes, conhecim entos e experiências pessoais, tal como referido anteriorm ente.

O processo do BC situa-se na mesma linha teórica dos projectos de investigação- form ação. O adulto é, neste contexto, considerado na sua globalidade, na relação com o m eio, de form a holística e m ais integrativa, tal como m encionado por Pineau (1998), quando refere a T eoria Tripolar da formação'. E, pois, uma aposta na singularidade de cada projecto e trajectória de vida. Assim, o BC possibilita aos participantes neste estudo, a possibilidade de anteciparem a sequência seguinte da sua vida (Boutinet,

1999).

No fundo, o m om ento de desem prego poderá ser equiparado a um a fase de transição29 na vida do sujeito.

O trabalho em questão foi-se desenhando numa linha de Investigação-form ação porque incidia para os adultos, em questão no aprender a dar um sentido a ... ou seja, a elaborar uma significação sobre as vivências do desem prego. A Investigação-form ação é um processo centrado na dinâm ica interactiva entre investigadores e actores- participantes (Couceiro, 2000).

Subjacente ao conceito investigação-form ação, ressalta, efectivam ente, a noção de formação. Esta faz-se essencialm ente na “produção” e não no seu “consum o” . Quer isto dizer, que o sujeito adopta uma atitude activa, interveniente na construção do seu projecto sócio-profissional. A cresce dizer, que a formação do adulto não pertence a ninguém , se não a ele próprio, conform e defendido por D om inicé (1988b). A formação pertence única e exclusivam ente a quem se forma. Segundo N óvoa, (1988), existem alguns princípios de base que sustentam o m om ento da form ação dos adultos,

nom eadam ente e a saber, o adulto em situação de form ação é portador de um a história de vida e de um a experiência profissional. A form ação poderá ser um processo de transform ação individual, na tripla dim ensão do saber (conhecim ento), do saber fazer (capacidades) e do saber ser (atitudes).

A experiência, por seu lado, também tem a sua função na construção do sentido e, consequentem ente, no processo form ativo do sujeito, pelo que de acordo com Pineau (1989), a form ação a partir da experiência30, usando o vivido pessoal e colectivo como ponto de partida de reflexão, de reestruturação, de representações e da m odificação dos m odos de agir, apresenta um a m aior eficácia (Pineau, 1989). N este sentido, a capacidade de reflectir criticam ente e objectivam ente sobre a experiência subjectiva é. fundam ental. A ssiste-se a um processo de m udanças a vários níveis, nom eadam ente, ao nível cognitivo, afectivo e com portam ental. De acordo com Roelens (1991, citado por Pires, 2003, p. 170):

"E xiste um a d escoberta p ro g re ssiv a p o r um sujeito (individual o u colectivo) d a su a ca p a c id a d e de p en sa r e d e p ro d u zir rea lid a d e a p a rtir d e cada experiência, m etabolizando, d e fo r m a singular, as p o te n cia lid a d es h eu rística s das situ a çõ es onde inscreve a sua iden tid a d e "

Segundo Pires. (2002, p. 160) “a problem atização da experiência é a base de um questionam ento que im plica o sujeito nò seu próprio projecto de criação” . Neste sentido, os participantes, ao longo das sessões do BC, vão reflectindo sobre a aquisição dos seus saberes anteriores e como a partir destes, podem efectivam ente pensar e reconstruírem a sua carreira profissional.

De acordo com Couceiro (2004), o saber é o conhecim ento de form a organizada, desenhado a partir do sentido que o sujeito lhe atribui, com a inform ação interior e exterior. Q uando o sujeito se apropria da inform ação dentro de si, vai configurar-se numa lógica própria levando à construção de um saber.

Segundo Honoré (1992, in Couceiro, 2002 e Pires, 2002) no cam inho que se constrói da experiência até ao saber, existem três níveis de reflexão que levam ao verdadeiro saber:

a) Consciência descritiva (a imagem é transform ada em sinal).

b) C onsciência explicativa (de ordem cognitiva), em que se pode construir as coisas a partir daquilo que se pensa. O sinal tom a-se em significado.

c) C onsciência com preensiva, em que a significação tom a-se sentido.

P or outras palavras, a construção do sentido para o sujeito leva à em ergência do saber. O saber, im plica, assim , a existência de um interface da unidade interior com a exterior, em que o pensam ento é colocado da seguinte forma: quando se Verifica a construção do saber, o sujeito poderá ser capaz de explicar o que sabe fazer e com o o sabe fazer.

Desta forma, poderá transm iti-lo e em determ inadas situações poder-se-á m esm o falar de transferência desses saberes para a resolução de acontecim entos da vida, em diferentes contextos.

O conhecim ento é um a unidade cognitiva, interior ao sujeito. A dim ensão form ativa em erge, assim , a partir da experiência. N o entanto, e de acordo com D om inicé (19S9 in Pires, 2002, p. 160) “a experiência não é um acto bruto, para ser form adora tem que ser construída e reflectida”, situação esta que se verifica no processo do BC.

Na perspectiva de Josso (2002, p. 178), as experiências de vida do sujeito “ são form adoras na m edida em que, a priori ou a posteriori é possível explicitar o que foi apreendido (iniciar, integrar, subordinar), em term os de capacidade, de saber-fazer, de saber pensar e saber situar-se” . O facto da experiência se traduzir numa acção form adora (em função dos recursos do sujeito), o adulto reconhece-se num outro patamar, porque essa m esm a experiência o tom a capaz de transferir as suas com petências para outros dom ínios da sua vida.

N este contexto, a actividade de investigação (centrada no processo do BC) pode inscrever-se como “investigaçào-form ação”, na qual cada etapa da investigação é uma experiência a elaborar para quem nela estiver em penhado. O sujeito pode assim, participar numa reflexão teórica sobre a formação e nos processos através dos quais ela se dá a conhecer.

Segundo Ferraroti (1983, citado por Digneffe, 1997, p. 50) situam o-nos na significação individual e social da história de vida, quando “ uma vida é uma prática que se apropria das relações sociais (as estruturas sociais), as interioriza e as retransform a em estruturas psicológicas pela sua actividade de desestruturação-ressetruturação” ; sustentada numa epistem ologia da reflexividade e da com preensão. Este processo induz.

consequentem ente, à com preensão de si mesm o, levando a um processo de transform ação das vivências passadas, afirm ando a singularidade de cada sujeito.

É im portante frisar nesta óptica, os contributos de autores com o N óvoa, 1988; Finger 1988; Josso, 1987, entre outros, referindo os contributos das abordagens biográficas no cam po da m etodologia investigação-form ação, visto que são consideradas como um processo de com pensação nos processos de form ação de cada um , no grupo. A pertinência desta estratégia m etodológica radica, além disso, no que é preconizado por D om inicé quando afirma:

“D eix a r a abordagem biográfica s e r constituída p o r um grupo, obriga a re sp eita r-se a dinâm ica desse grupo, e a seg u ir-se a regulação d e vários p a sso s nos quais cada um esteja im plicado. O líd e r d o grupo, o se u anim ador, tem p re rro g a tiv a s d e investigador que se p ren d em com o se u estatuto, m a s é co n sta n te m e n te o b rigado a m o d ific a r o q u e previu, devido à s resistências d o g ru p o e à m hneira com o ca d a um vive essa abordagem ” (1985, p. 145).

Saliente-se, ainda, a perspectiva de Campos & Coim bra, que tam bém vai ao encontro do que foi anteriorm ente referido, através da sua citação (1991, p. 4), quando afirma: “existe um quadro geral histórico/construtivista, em que o desenvolvim ento vocacional se processa ao longo da vida do indivíduo, através das relações que o sujeito psicológico estabelece com os segm entos diversificados da realidade, sob a forma de encontros” . Estes encontros do ser com o mundo e consigo próprio desencadeiam o sentido da formação. H onoré (1997, in Couceiro, 2000), (a partir dos contributos de H eidegger) encontrou as questões de ser no mundo através de um a dinâm ica relacional e temporal (futuro, presente e passado). Na perspectiva de C avaco, (2001), o recurso a um m étodo biográfico solicita a evocação das lem branças associadas às trajectórias de vida. A autora cita Peneff, (1994, p. 28) fazendo referência aos grupos m ais fragilizados (categorias sociais) que colaboram e sentem -se mais à vontade, quando abordados por “m étodos oblíquos, indirectos e flexíveis, como é o caso do m étodo biográfico” (Cavaco, 2001, p. 85). Para com preender as vivências dos sujeitos ao longo do tempo de desem prego, esta abordagem apresenta-se como um apoio bastante pertinente no estudo em questão, pois os sujeitos sentem -se assim reconhecidos e valorizados pela sua singularidade (Cavaco, 2001).

De referir, ainda, neste contexto, a existência da reapropriação dos seus saberes, tal com o defendido por Jordão, (1995), o Balanço de C om petências é um instrum ento utilizado nas práticas da OP, q u e proporciona o auto-conhecim ento.

No que diz respeito aos contributos m ais directos, das abordagens biográficas nesta investigação, salienta-se as vivências sentidas e vividas ao longo do processo e com o estas se transform aram em testem unhos de vida. Cada testem unho não corresponde directam ente à vida de um sujeito, mas sim às representações e, sobretudo, às reestruturações cognitivas realizadas no processo formativo. D este m odo, o sujeito desencadeou um m ecanism o de construção do seu projecto coerente, a partir das experiências e aprendizagens adquiridas.

Com efeito, o sentim ento de estim a por si, igualm ente increm entado neste processo, levou a que os sujeitos se sentissem com mais capacidade de iniciativa, para lutar naquilo que agora vêem e acreditam.

O trabalho de reflexão sobre os percursos de vida de cada participante proporcionou, sim ultaneam ente, um processo de auto-formação. (Cávaco, 2001).