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2. A CONSTITUIÇÃO NA TEORIA DOS SISTEMAS CONSTITUCIONALIZAÇÃO

2.3. DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.3.3. Características

De forma sistemática, podem ser segregadas as seguintes características: (a) historicidade; (b)

universalidade; (c) inalienabilidade; (d) imprescritibilidade; (e) irrenunciabilidade; (f)

limitabilidade; (g) concorrência; (h) proibição de retrocesso; (i) constitucionalização

193

.

A historicidade significa que os direitos fundamentais são históricos, na medida em que

emergem progressivamente das lutas travadas no seio das sociedades ao longo do tempo,

afirmando-se e preservando-se na medida em que os valores protegidos permanecem caros à

sociedade

194

.

Enquanto históricos, eles são mutáveis, e portanto, sujeitos a transformações e ampliações.

Essas mudanças ocorrem como fatos sociais que pressionam o poder constituinte reformador

a incorporar no texto jurídico-normativo os valores que a sociedade considera merecedores da

máxima proteção jurídica, amiúde em razão de opressão ou carência (conforme se trate de

uma prestação negativa ou de uma prestação positiva) sentida por aquela. Por outro lado,

191 Sobre a aplicação dos direitos fundamentais ao direito privado, ver CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos

fundamentais e direito privado. Coimbra: Almedina, 2006. Nesse trabalho, após pontuar-se que a vinculação do

legislador de direito privado aos direitos fundamentais é imediata, são abordadas três questões fundamentais sobre o tema: (1) quem é destinatário dos direitos fundamentais – apenas o Estado e os seus órgãos, ou também os sujeitos de direito privado?; (2) o objeto de controle segundo os direitos fundamentais é comportamento de quem – o comportamento de um órgão do Estado, ou de um sujeito de direito privado?; (3) em que função são aplicados os direitos fundamentais – como proibições de intervenção ou imperativos de tutela? (cf. CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Coimbra: Almedina, 2006, p. 52). Como bem pontua Canaris, o objetivo principal da função da imperativo de tutela no âmbito das relações entre particulares é, por conseguinte, o de proteger os bens jurídico-fundamentais perante intervenções fáticas por parte de outros sujeitos de direito privado, e de assegurar a sua efetiva capacidade funcional (cf. CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos

fundamentais e direito privado. Coimbra: Almedina, 2006, p. 107).

192 Cf. “Sobre los derechos fundamentales”. In Teoría del neoconstitucionalismo. Miguel Carbonell (org.). Madrid: Editorial Trotta, 2007, p. 72-3.

193 Robert Alexy destaca apenas cinco, algumas não coincidentes com as indicada acima: (a) universalidade; (b) caráter fundamental; (c) preferencialidade; (d) abstração; (e) caráter moral (cf. Constitucionalismo discursivo. 2.ª ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 45-49). José Afonso da Silva, por sua vez, em recentíssima obra, somente enumera quatro características: (a) historicidade; (b) inalienabilidade; (c) imprescritibilidade; (d) irrenunciabilidade. (Cf. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 451).

194 Cf. FERRAJOLI, Luigi. “Sobre los derechos fundamentales”. In Teoría del neoconstitucionalismo. Miguel Carbonell (org.). Madrid: Editorial Trotta, 2007, p. 82 (tradução do autor): “Se pode de fato afirmar que, historicamente, todos os direitos fundamentais tem sido estabelecidos, nas distintas cartas constitucionais, como resultado de lutas ou revoluções que em cada ocasião tem rompido o vel de normalidade e naturalidade que ocultava uma procedente opressão ou discriminação: dos direitos de liberdade aos direitos dos trabalhadores, dos direitos das mulheres aos direitos sociais”.

esses direitos fundamentais podem ser reconhecidos pela ordem jurídica internacional e, em

razão disso, serem incorporados aos textos constitucionais dos países de regime democrático.

A universalidade, ao seu turno, os direitos fundamentais, por serem imprescindíveis à

convivência e a existência digna, livre e igual da pessoa humana, destinavam-se a todos os

seres humanos.

A inalienabilidade implica a impossibilidade transferência, de negociação, donde decorre sua

indisponibilidade. Impassíveis, outrossim, de renúncia; podem não ser exercidos, mas jamais

renunciados; e a circunstância de não serem exercidos, seja por que lapso de tempo for, não

desparecem, porque imprescritíveis, sendo sempre exigíveis.

Quanto à limitabilidade, cumpre destacar que não há direitos fundamentais absolutos, de

modo que é necessário haver uma relação de concordância prática ou de ponderação entre os

direitos que eventualmente entrem em colisão, tendo por parâmetros, sempre, a máxima

observância e a mínima restrição

195

.

Nesse contexto, para se aferir a violação do direito fundamental, é necessário que: (1) o

âmbito de proteção tenha sido afetado por (2) uma ingerência do Estado que (3) não pode ser

justificada jurídico-constitucionalmente. Esta fórmula sofre duas variações; (A) a primeira

delas diz respeito aos direitos fundamentais de igualdade, hipótese em que o controle ocorre

em duas fases: (1) verifica-se um tratamento discriminatório? Em caso negativo não há

violação; em caso positivo, há se fazer mais uma indagação: (2) está este tratamento

discriminatório justificado jurídico-constitucionalmente? Em caso afirmativo, violação à

Constituição não há; em caso negativo, há a violação à igualdade; (B) a segunda variação diz

respeito aos direitos de proteção, hipótese em que o controle se faze em três fases: (1) se uma

conduta para a qual se pretende proteção cai no âmbito de proteção; (2) se existe uma

obrigação do Estado de proteção da conduta; (3) se esta obrigação de proteção não é satisfeita

pelo Estado

196

. A esse último âmbito, agregam-se os direitos a uma prestação positiva.

195 “Exercem-se os direitos constitucionais só com as limitações que expressamente se estabelecem por vigência concertada de outros direitos constitucionais”. (PINA, Rolando E. Cláusulas constitucionales operativas y

programáticas: Ley Fundamental de la República Federal de Alemania. Buenos Aires: Editorial Astrea de

Rodolfo Depalma y Hnos, 1973, p. 34-5 – tradução do autor).

196 Cf. PIEROTH, Bodo. SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais. Tradução de António Francisco de Sousa e António Franco. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 30-1.

A característica da concorrência permite que os direitos fundamentais sejam exercidos

cumulativamente, por um mesmo titular. Os direitos fundamentais não são, de regra

excludentes entre si, de sorte que podem ser exercidos em conjunto, de modo simultâneo e

sucessivo; ademais, amiúde, são complementares, sem que se perca a independência de cada

um (e.g., direitos fundamentais de natureza processual, direito de associação, liberdade

religiosa, liberdade de expressão etc).

A proibição de retrocesso decorre da circunstância de um direito fundamental ser resultado de

um processo evolutivo marcado por lutas e conquistas dirigidas à afirmação de posições

jurídicas concretizadores da dignidades da pessoa humana, de sorte que, uma vez

reconhecido, não podem ser suprimidos, ou abolidos, ou enfraquecido

197-198

. O

estabelecimento dos direitos fundamentais como cláusulas pétreas, que não podem ser

reduzidas ou suprimidas por intermédio de emendas constitucionais (art. 60, § 4.º, inciso IV,

da CF/88), é expressão exatamente desse princípio de proibição do retrocesso.

De rigor, os direitos fundamentais são anteriores e superiores ao Estado e, consequentemente,

anteriores e superiores a qualquer positivação que a ele se intente, pelo simples fato de que

são inerentes à condição humana – máxime os direitos de primeira dimensão – e de que fazem

parte da pré-compreensão que a comunidade tem acerca dos próprios valores. Esta é

característica da constitucionalização

199-200

.

197 Cf. CUNHA JR., Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 7.ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 612-3.

198 Cf. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7.ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 339-40.

199 Cf. CUNHA JR., Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 7.ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 613.

200 “Todavia, direitos fundamentais e Estado forte não se excluem reciprocamente; antes, pelo contrário, são mutuamente dependentes. [...] Se os direitos fundamentais, como é o caso sob a Lei Fundamental, são pedras angulares que legitimam essa ordem, se aspiram a aplainar o caminho para o assentimento livre, são, então, um fator decisivo para a existência do Estado e da ordem estatal, e o robustecimento dos direitos fundamentais não pode senão redundar em favor do Estado.

[...]

Historicamente e em seu significado atual são os direitos fundamentais sobretudo direitos humanos: o que com eles se põe em jogo são as condições essenciais da vida individual e comunitária em liberdade e da dignidade humana, um encargo que nada perdeu, nas circunstâncias presentes, de sua importância para nosso tempo. Se os direitos fundamentais hão de assegurar eficazmente essa condições essenciais, não devem obstaculizar as mudanças sociais; ao mesmo tempo, deverão ser mantidos e protegidos em sua essência sem reserva nem restrição alguma. Isso pressupõe que não se dilatem de modo inflacionário nem sejam reduzidos a tostões. Daí a essencialidade e riqueza em consequências de elaboração de sua vertente objetiva: a incumbência dessa interpretação reforçar a validade dos direitos fundamentais como direitos humanos; seu significado como princípios objetivos nunca deverá ser dissociado dessa idéia nuclear. De outro modo, correr-se-ia o risco de abrir vias a uma interpretação que perca de vista o sentido original e permanente dos direitos fundamentais e se equivoque na sua principal missão”. (HESSE, Konrad. Temas fundamentais do direito constitucional. Tradução

As limitações constitucionais ao poder de tributar ostentam todas as características dos

direitos fundamentais, na medida em que: (a) decorrem de um processo de afirmação histórica

(historicidade); (b) destinam-se a todos os indivíduos que estão submetidos ao poder tributário

do Estado (universalidade); (c) são impassíveis de transferência (inalienabilidade); (d)

impassíveis de extinção pelo desuso (imprescritibilidade); (e) impassíveis de renúncia

(irrenunciabilidade)

201

; (f) não são absolutos de modo que se deve operar com as parêmias da

máxima observância e da mínima restrição (limitabilidade)

202-203-204

; (g) são exercidos em

de Carlos dos Santos Almeida, Gilmar Ferreira Mendes e Inocêncio Mártires Coelho. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 71-2).

201 “No entanto, na grande maioria dos casos, o texto da Lei Fundamental não fornece nenhum ponto de apoio para a admissibilidade ou inadmissibilidade da renúncia aos direitos fundamentais. Por isso, temos de recorrer à

função dos direitos fundamentais. O entendimento clássico acentua a função dos direitos fundamentais como

direitos subjetivos à liberdade do cidadão contra o Estado e vê a renúncia a posições jurídico-fundamentais como um ato do exercício da liberdade: renúncia aos direitos fundamentais como forma de exercício deles. O mais recente entendimento dos direitos fundamentais parte de uma função objetiva desses direitos, da qual o cidadão não pode dispor e à qual não pode renunciar.

A jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal argumenta com ambas as funções e conhece tanto a indisponibilidade e a irrenunciabilidade dos direitos fundamentais como a possibilidade de o particular influenciar a ação do Estado mediante declarações de concordância ou de consentimento. A função do direito fundamental em concreto é determinante. No entanto, pressuposto da admissibilidade de uma renúncia aos direitos fundamentais é sempre que ela seja claramente reconhecível e voluntariamente efetuada, isto é, que não tenha lugar sob coação ou engano” (PIEROTH, Bodo. SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais. Tradução de António Francisco de Sousa e António Franco. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 90-1).

202 Como se trata de direito fundamental, apresenta um conteúdo essencial que não pode ser restringido. Quanto à idéia desse conteúdo essencial do direito fundamental e as premissas que norteiam a eventual restrição deste, observe-se o pensamento de Virgílio Afonso da Silva: “Se se parte da premissa segundo a qual (1) os direitos fundamentais têm um suporte fático amplo e que, por consequência, (2) há uma distinção entre o direito em si e o direito eventualmente restringido – que se reflete na distinção entre direito prima facie e direito definitivos –, que, por sua vez, (3) é expressa na distinção entre princípios e regras, e que, por fim, (4) a regra da proporcionalidade é a forma de controle e aplicação dos princípios como mandamentos de otimização, então,

não há espaço algum para teorias absolutas. Em outras palavras: se a constitucionalidade de uma restrição a um

direito fundamental garantido por um princípio depende sobretudo de sua fundamentação constitucional, e se essa fundamentação constitucional é controlada a partir da regra da proporcionalidade, pode-se dizer que toda restrição proporcional é constitucional. Se é inimaginável considerar como constitucional uma restrição que invada o conteúdo essencial de algum direito, então, o proporcional respeita sempre o conteúdo essencial. O raciocínio pode ser resumido no seguinte silogismo:

• restrições que atingem o conteúdo essencial são inconstitucionais; • restrições que passem pelo teste da proporcionalidade são constitucionais;

v restrições que passem pelo teste da proporcionalidade não atingem o conteúdo essencial”. (Direitos

fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 206-7).

203 A limitação dos direitos fundamentais encontra, como sói ser, limites. O conceito de limite dos limites designa limitações a que o legislador está sujeito quando estabelece fronteiras ao exercício dos direitos fundamentais. Nesse particular, há de se fixarem as seguintes premissas: (a) o limite dos limites está contido nos próprios direitos fundamentais; (b) reserva de parlamento, no sentido de que a limitação somente pode vir por lei em sentido formal e sentido material; (c) princípio da proporcionalidade (proibição do excesso), com o exame de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; (d) garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, que se bifurca em duas perspectivas de análise: o conteúdo essencial relativo (o conteúdo essencial tem de ser determinado em cada caso concreto) e o conteúdo essencial absoluto (conteúdo essencial como grandeza fixa, independente do caso concreto e da questão concreta) que, naturalmente, podem coexistir (Cf. PIEROTH, Bodo. SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais. Tradução de António Francisco de Sousa e António Franco. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 137-47).

conjunto, fazendo parte do “Estatuto do Contribuinte”

205

(concorrência); (h) não podem ser

objeto de redução ou supressão (proibição de retrocesso) – apenas de ampliação do espectro

de proteção; e, por fim, de rigor, em certa medida, (i) os principiais direitos (rectius limites)

são originados do início da organizações sociais em que se exigiram contribuições in natura

ou in pecunia dos seus membros para cobrir as despesas da comunidade, passando para textos

escritos na medida em que a organização do Estado e direitos básicos dos indivíduos

passaram a constar de documentos escritos (constitucionalização). Tal conclusão será

reforçada mais adiante.

Nesse passo, para se enquadrarem as limitações constitucionais ao poder de tributar como

direitos fundamentais, é preciso identificar quais os elementos conformam juridicamente essa

categoria, seu conceito, suas características, os princípios que se lhe aplicam. Enfim, é

necessário precisar a teoria que se lhe aplica.