2. A CONSTITUIÇÃO NA TEORIA DOS SISTEMAS CONSTITUCIONALIZAÇÃO
2.4. LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR
2.4.6. Limitações constitucionais positivas: os princípios constitucionais tributários
2.4.6.9. Princípio da integração nacional de pessoas e bens (art 150, V, da CF/88)
Edvaldo Brito
396sintetiza o princípio de que ora se trata e previsto no item seguinte sob a
mesma rubrica: garantia da unidade econômica e social. Analisando o art. 150, inciso V, da
395 Paulo Pimenta, em artigo, conclui: “I – O descumprimento da vinculação de receita, traçada pela Constituição, pode ocorrer de diversos modos, independentemente do tipo de vinculação gizado pela Carta Magna.
II – Em qualquer hipótese de desvio, seja este oriundo de lei ou de ato administrativo, sempre será admissível o controle jurisdicional sobre as receitas das contribuições.
III – Quanto ao órgão e ao tipo de controle a ser empregado, sofrerão variações de acordo com o modo como o desvio vier a ser implementado. Se verificado que se trata de desvio praticado por norma geral veiculada por lei (tributária, orçamentária etc.), cabível será deflagração do controle abstrato de constitucionalidade.
IV – Nada obsta, também, a impugnação da norma geral por meio do controle difuso de constitucionalidade das leis e o controle de legalidade dos atos de aplicação da lei”. (“Controle jurisdicional sobre as receitas das contribuições especiais”. Revista dialética de direito tributário. v. 142. julho/2007. São Paulo, p. 61).
396 Cf. BRITO, Edvaldo. O conceito tributo. Tese de doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1997, p.175. “Capacidade Contributiva”. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Cadernos de Pesquisas
Tributárias. v. 14. São Paulo: Resenha Tributária, 1989. p.323. “O Conceito Atual de Tributo”. In: Revista de Mestrandos em Direito Econômico da UFBa. Salvador, centro editorial e didático da UFBa, 1991, n. 1, p 30. Limites da revisão constitucional. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1993, p. 32-33. “Aspectos
CF/88, percebe-se a existência de expressa regra impedindo que os entes políticos dotados de
competência tributária se valham de exações dessa natureza para “estabelecer limitações ao
tráfego de pessoas ou bens”; excepciona-se a regra para a “cobrança de pedágio pela
utilização de vias conservadas pelo Poder Público”. Assevera Sacha Calmon Navarro
Coelho
397que o dispositivo seria despiciendo em função da previsão do art. 152 da CF/88
398,
que determina a não-discriminação tributária em razão da origem ou do destino dos bens.
Conquanto a redação do dispositivo aluda a “tributos interestaduais ou intermunicipais”,
deve-se entender que a vedação atine a todo e qualquer tributo, com exceção do pedágio
399—
quando este atingir o caráter de tributo, i.e. taxa. Por ser umas das diretrizes da República a
garantia do desenvolvimento nacional (art. 3.º, II, da CF/88), com a redução das
desigualdades socais e regionais (art. 3.º III e art. 170, VII, ambos da CF/88), não poderia o
constituinte deixar de proteger da tributação discriminatória a circulação de mercadorias,
serviços ou o exercício de qualquer atividade econômica apenas e tão somente em função do
critério territorial.
Em suma, “a Constituição proíbe que se erijam barreiras alfandegárias internas”, de sorte que,
em contrapartida, “quer que os bens e os serviços circulem livremente por todo o território
nacional e — mais do que isso — que, saindo do Estado ou do Município de origem, possam
concorrer, em clima de igualdade, com os bens e serviços locais”
400.
constitucionais da tributação”. In: As vertentes do direito constitucional contemporâneo. Ives Gandra da Silva Martins (coordenação). Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002, p. 642. “A Legislação ordinária de cada ente tributante pode estabelecer prazos de decadência (e/ou de prescrição), inclusive das contribuições de seguridade social, diversos dos previstos do Código Tributário Nacional?” in. Grandes questões atuais do direito tributário. 2.º volume. Valdir de Oliveira Rocha (Coordenação). São Paulo: Dialética, 1998, p. 78. “I — Cofins e PIS/Pasep: conceito de faturamento e de receita bruta. II — CPMF: Questionamentos jurídicos”. In. Revista
dialética de direito tributário. v. 43. abril/1999. São Paulo, p. 41. “Planejamento tributário: o legítimo direito de
resistir ao pagamento de tributos” in. Grandes questões atuais do direito tributário. 12.º volume. Valdir de Oliveira Rocha (Coordenação). São Paulo: Dialética, 2008, p. 99.
397 Cf. Comentários à Constituição de 1988 — sistema tributário. 9..ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 308. 398 “Art. 152. É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino”.
399 Cf. MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Sistema tributário na constituição. Rogério Gandra Martins (colaborador). 6.ª ed. atual. Aum. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 288: “Outro aspecto diz respeito às limitações impostas a tributos interestaduais e intermunicipais. De rigor, cuida de todos os tributos, ou seja, de todas as espécies tributárias”.
400 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 17.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 747.
A incidência dessa regra no tocante às contribuições especiais merece uma análise delicada.
Segundo Marco Aurélio Greco
401, a limitação contemplada nesse dispositivo não seria
compatível com a figura das contribuições, pois estas têm como referencial um certo grupo e
tem objetivo atender a necessidades ou interesses que lhes são próprios, de sorte que “não é,
em princípio, incompatível que, no bojo da respectiva disciplina, exista a previsão de
incidências integradas ao tráfego”.
Prossegue afirmando que uma eventual inconstitucionalidade em função de contraste com
esse dispositivo, no caso das contribuições, não deve ser analisada apenas sob a perspectiva
da simples incidência pecuniária, mas na análise da própria atuação da União. Exemplifica
que, no caso de uma CIDE, a restrição ao tráfego não deve ser investigada sob o ângulo da
norma jurídica tributária, mas sob o ângulo da norma jurídica interventiva, pois “o debate
deve desenvolver-se no sentido de saber se a intervenção enquanto tal (da qual a contribuição
é instrumento) é que pode ser inconstitucional por cercear uma liberdade individual”
402. E
arremata: “Tratando-se de contribuições, não há esta violação direta, mas poderá haver uma
violação de outro tipo, se a atuação da União, da qual a contribuição é instrumento, for
inconstitucional. Será uma inconstitucionalidade por decorrência”
403.
Discordamos, em parte, do posicionamento de Marco Aurélio Greco. Efetivamente, nada
impede que a violação ao texto constitucional se opere pela forma descrita por esse autor; de
outra banda, vislumbramos, outrossim, que a própria materialidade das contribuições
especiais pode vir a desrespeitar essa regra constitucional. Com efeito, a União, a pretexto de
criar uma contribuição, não pode eleger como materialidade uma situação econômica que
embarace o tráfego de pessoas ou bens.
O texto constitucional não segregou a regra, de modo a determinar sua aplicação apenas para
os impostos. A interpretação do dispositivo tomando-se em consideração a finalidade da
contribuição não é incogitável O fato desses tributos terem uma validação finalística não obsta
que sua materialidade venha a violar a norma constitucional em comento e, portanto, implicar
invalidade do tributo.
401 Cf. Contribuições (uma figura “sui generis”). São Paulo: Dialética, 2000, p. 224. 402 Cf. Contribuições (uma figura “sui generis”). São Paulo: Dialética, 2000, p. 224. 403 Cf. Contribuições (uma figura “sui generis”). São Paulo: Dialética, 2000, p. 224-5.