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2. A CONSTITUIÇÃO NA TEORIA DOS SISTEMAS CONSTITUCIONALIZAÇÃO

2.4. LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR

2.4.6. Limitações constitucionais positivas: os princípios constitucionais tributários

2.4.6.8. Princípio da validação finalística

Ao rol de princípio garantias a que se aludiu anteriormente, inclui-se, especificamente para as

contribuições especiais, a regra da validação finalística. As contribuições especiais constituem

espécie tributária que ostenta um traço imposto pela CF que a diferencia do todas as demais

espécies tributárias: toda contribuição deve ser criada com uma finalidade específica adrede

definida pela norma jurídica que a institui

385-386

.

Outra possível solução para a contemplação da confiscatoriedade como sendo de todo o sistema estaria na apreciação de um tributo novo, ou da majoração de um já existente, em face do sistema em vigor. Se com essa nova exação o Judiciário entendesse que o sistema tributário passaria a ser confiscatório, deveria, então, decidir pela sua inconstitucionalidade.” (O Princípio do não confisco no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 86-7).

Assim também Fabio Brun Goldschmidt: “Esse entendimento nos parece absolutamente coerente com a teleologia do art. 150, IV, da Carta, pois o direito individual que se objetiva preservar (de liberdade, de trabalho, de propriedade, de produção, de locomoção etc.) não está de forma alguma jungido a esse ou aquele tributo em particular, mas à carga tributária suportada pelo contribuinte. Isso porque é o conjunto dos tributos que pode importar na mitigação ou na aniquilação desses direitos fundamentais, e não uma incidência isolada (embora, evidentemente, também seja possível vislumbrar o efeito de confisco relativamente a um único tributo)”. (O

Princípio do não confisco no direito tributário. São Paulo: RT, 2003, p. 280-1).

384 Cf. O Princípio do não-confisco no direito tributário. São Paulo: RT, 2003, p. 282.

385 Cf. MARQUES, Márcio Severo. Classificação constitucional dos tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 212: “Assim, destacamos das contribuições o seguinte: são tributos em relação aos quais (i) não há exigência constitucional de vinculação da materialidade do antecedente normativo (hipótese de incidência) ao exercício de uma atividade por parte do Estado referida ao contribuinte; (ii) há exigência constitucional de previsão legal de destinação específica para o produto de sua arrecadação; e (iii) não há exigência constitucional de previsão legal de restituição do produto arrecadado ao contribuinte, ao cabo de determinado período”.

386 “Este segundo modelo, que é um modelo finalístico de disciplina da conduta humana e de validação das normas infra-ordenadas, no qual encontramos a qualificação de objetivos (‘proteção’, ‘defesa’), é um modelo

A leitura do art. 149 da CF/88 leva à inarredável conclusão de que a União poderá criar

contribuições que tenham por objetivo a manutenção da seguridade social e a implementação

de direitos sociais (contribuições sociais

387

), o atendimento de interesses de categorias

profissionais ou econômicas (contribuições corporativas) bem como a intervenção do Estado

no domínio econômico (CIDE).

Assim, não poderá haver a criação de uma contribuição especial que, inexoravelmente, não

venha a atender a uma finalidade específica determinada pela CF/88. A formulação de uma

contribuição especial destituída dessa finalidade é maculada de irremediável

inconstitucionalidade.

Isso porque o próprio texto constitucional só permite a criação de contribuições especiais sob

essas condições e, além disso, já existe uma espécie de tributo cuja receita é absolutamente

desvinculada de qualquer finalidade específica: o imposto. Aliás, a CF/88 cuidou de vedar a

prévia destinação de receitas desta espécie de tributo (art. 167, IV).

A norma constitucional de competência só permite que a União crie a contribuição para uma

finalidade determinada, previamente autorizada por ela e que, na norma tributária editada,

deve vir expressamente contemplada, sob pena de invalidade, e, portanto, necessária

expurgação do sistema com a conseqüente devolução aos contribuintes do montante

arrecadado sob sua rubrica, quando a finalidade é desrespeitada. A contribuição especial é um

tributo cobrado “para que” determinado objetivo se implemente; tem sempre uma

finalidade

388

. A ausência desta contamina a validade da instituição do tributo.

Em uma palavra, a validade da contribuição se vincula à existência de uma finalidade para sua

criação, finalidade essa previamente contemplada, autorizada pela CF/88. A validação se

estabelece de modo intrasistêmico, desde que a norma jurídica tributária contemple a

fundamentalmente para que se atinja algo, implicando visão muito mais modificadora da realidade”. (cf. GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura “sui generis”). São Paulo: Dialética, 2000, p. 119).

387 Ressalvada a possibilidade de criação, por parte dos Estados-membros, dos Municípios e do Distrito Federal de contribuição previdenciária para o custeio do respectivo órgão de previdência que atenda aos seus servidores (art. 149, § 1.º, da CF).

388 Cf. GRECO, Marco Aurélio. “Contribuições de intervenção no domínio econômico — parâmetros para a sua criação”. In Contribuições de intervenção no domínio econômico e figuras afins. Coordenador Marco Aurélio Greco. São Paulo: Dialética, 2001, p. 18.

finalidade prevista no texto constitucional. Conforme leciona Marco Aurélio Greco

389

,

considerando que a respectiva norma atributiva de competência há a tipificação de uma

validação finalística de modo que as leis instituidoras estarão em sintonia com a Constituição,

e dentro do respectivo âmbito de competência, se atenderem às respectivas finalidades

identificadas a partir das “áreas de atuação” qualificadas pelo artigo 149. Assim, identificam-

se: (a) uma finalidade mediata, que é atender a um interesse da área ou grupo (social,

econômico, profissional) que corresponde ao elemento “solidariedade”; e (b) uma finalidade

imediata, que é ser instrumento da atuação da União.

O desrespeito a essa finalidade, quer seja no plano normativo (constitucional e

infraconstitucional) quer seja no plano fático (de aplicação da norma) — i.e., tanto pelo

legislador como pelo administrador — macula a cobrança. Os recursos angariados com essa

exação tributária são necessariamente vinculados a uma finalidade. As contribuições,

portanto, constituem tributos cuja receita é previamente vinculada a uma determinada

finalidade, de sorte que o art. 4.º, inciso II

390

, do CTN, no particular, há de ser interpretado

conforme a Constituição e cum granus salis

391

.

Entende-se, pois, como cláusula pétrea da CF/88 o fato de as contribuições especiais terem

necessariamente vinculação das receitas obtidas a uma finalidade consagrada

constitucionalmente. Assim, nem mesmo o poder constituinte reformador poderia, por

intermédio de uma Emenda Constitucional, promover uma desvinculação de receita para as

contribuições, sob pena de se violarem: (a) a garantia de que o montante cobrado sob a

rubrica de contribuição seja exclusivamente aplicado nos fins que deram causa à sua

instituição; e (b) a garantia de que novos impostos sejam não cumulativos e que não tenham

materialidade ou base imponível próprias dos demais tributos discriminados na Constituição.

Destarte, previsão normativa que promova essa desvinculação, mesmo que parcial, temporária

e posta no plano constitucional, por suprimir direitos e garantia individuais dos contribuintes,

em clara afronta ao artigo 60 da Constituição Federal, deverá ser considerada norma

389 Cf. Contribuições (uma figura “sui generis”). São Paulo: Dialética, 2000, p. 135-6.

390 “Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:

(...)

II - a destinação legal do produto da sua arrecadação.”.

391 “Seja como for, certo é que a regra do art. 4º, do Código Tributário Nacional, não diz respeito às contribuições sociais, nem poderia ser de outro modo, porque a destinação dos recursos constitui elemento integrante do tipo tributário específico que estas compõem”. MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao

constitucional inconstitucional, e assim declarada pelos órgãos competentes

392

. Por tais

motivos, questiona-se a constitucionalidade da EC n.º 27/2000, e consequentemente as que a

sucederam (EC n.º 42/2003 e EC n.º 56/2007), que regulam a desvinculação das receitas da

União, advenham elas de impostos ou de contribuições (art. 76 do ADCT)

393

.

Problema de maior interesse é o desrespeito no plano infraconstitucional. Nesse passo,

sobreleva a importância de analisar quais as conseqüências da não observância da regra

constitucional de vinculação de receita da contribuição interventiva. Quatro são os planos de

análise desse desvio: i) destinação no plano da norma instituidora da contribuição a uma

finalidade diversa da prevista pela CF; ii) destinação no plano da norma orçamentária para

finalidade distinta da contemplada pelo texto constitucional e pela norma instituidora da

contribuição

394

; iii) destinação no tocante à efetiva aplicação dos recursos pelo administrador;

iv) Quando a União aplica apenas parte dos recursos arrecadados com a contribuição para

concretizar a finalidade que fundamentou a instituição da contribuição, destinando o restante

para outras finalidades.

392 Cf. BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições — regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses, 2006, p. 175-6.

393 “Art. 76. É desvinculado de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2011, 20% (vinte por cento) da arrecadação da União de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 56, de 2007)

§ 1.º O disposto no caput deste artigo não reduzirá a base de cálculo das transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios na forma dos arts. 153, § 5º; 157, I; 158, I e II; e 159, I, a e b; e II, da Constituição, bem como a base de cálculo das destinações a que se refere o art. 159, I, c, da Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

§ 2.º Excetua-se da desvinculação de que trata o caput deste artigo a arrecadação da contribuição social do salário-educação a que se refere o art. 212, § 5o, da Constituição.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 27, de 2000)

§ 3.º Para efeito do cálculo dos recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição, o percentual referido no caput deste artigo será de 12,5 % (doze inteiros e cinco décimos por cento) no exercício de 2009, 5% (cinco por cento) no exercício de 2010, e nulo no exercício de 2011. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)”.

394 Cumpre salientar, nesse passo, que o Supremo Tribunal Federal vem-se inclinando para considerar esse desvio na destinação dos recursos arrecadados como causa para um eventual pedido de repetição de indébito por parte do contribuinte. Tal entendimento foi manifestado no julgamento da ADIN 2925-8/DF:

“PROCESSO OBJETIVO - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI ORÇAMENTÁRIA. Mostra-se adequado o controle concentrado de constitucionalidade quando a lei orçamentária revela contornos abstratos e autônomos, em abandono ao campo da eficácia concreta. LEI ORÇAMENTÁRIA - CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO - IMPORTAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS, GÁS NATURAL E DERIVADOS E ÁLCOOL COMBUSTÍVEL - CIDE - DESTINAÇÃO - ARTIGO 177, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. É inconstitucional interpretação da Lei Orçamentária nº 10.640, de 14 de janeiro de 2003, que implique abertura de crédito suplementar em rubrica estranha à destinação do que arrecadado a partir do disposto no § 4º do artigo 177 da Constituição Federal, ante a natureza exaustiva das alíneas "a", "b" e "c" do inciso II do citado parágrafo”. (ADI 2925/DF, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, DOU 04-03-2005, P-00010).

Em arremate, cumpre pontuar que todas essas formas de desrespeito à regra constitucional de

vinculação do produto arrecadado a uma destinação constitucionalmente qualificada são

passíveis de impugnação judicial por parte do contribuinte. Com efeito, há interesse jurídico

para este argüir a inconstitucionalidade da norma que cria a contribuição e não aponta a qual

finalidade interventiva a exação serve; do mesmo modo, para argüir a inconstitucionalidade

da exação quando lei orçamentária posterior determina que o produto arrecadado terá outra

destinação.

Do mesmo modo, pode o contribuinte insurgir-se contra norma constitucional introduzida

pelo poder constituinte reformador que venha a promover a desvinculação de receitas

oriundas das contribuições especiais, a exemplo — como já mencionado anteriormente — do

que fez a EC n.º 27/2000, bem assim a EC n.º 42/2003 e a EC n.º 56/2007, que introduziu e

alteraram, respectivamente, o art. 76 do ADCT.

Também não se pode deixar de fora do âmbito de impugnação a ilegalidade cometida pelo

administrador que não emprega os recursos angariados com a contribuição nas finalidades

previstas na respectiva norma tributária, bem como na lei orçamentária

395

.

Em todos esses casos, é possível ao contribuinte pleitear a restituição daquilo que pagou a

título da contribuição maculada.