• Nenhum resultado encontrado

Limitações constitucionais explícitas e limitações constitucionais implícitas

2. A CONSTITUIÇÃO NA TEORIA DOS SISTEMAS CONSTITUCIONALIZAÇÃO

2.4. LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR

2.4.3. Limitações constitucionais explícitas e limitações constitucionais implícitas

Examinando o sistema jurídico constitucional tributário, dessumem-se diversas normas postas

no desiderato de promover a limitação ao poder de tributar. É possível, pois, a segregação de

duas categorias com base no critério da forma de exteriorização.

É cediço que norma e texto (dispositivo) não se confundem. Não se pode olvidar da distinção

feita entre disposição e norma. Aquela pode ser entendida como qualquer enunciado que faça

parte de um documento normativo; é o texto normativo constante da fonte formal do direito.

Norma, por sua vez, é o enunciado que constitui o sentido ou significado atribuído pelo

215 Humberto Ávila alude, ainda, a um outro sentido segundo o qual a divisão entre limitações constitucionais positivas e limitações constitucionais negativas pode ser analisado, mencionando, inclusive, a proteção da família como uma diretriz positiva: “A própria expressão ‘limitação’ conduz a uma descrição prioritariamente circunscrita à dimensão negativa, sem que outras normas, que instituem diretrizes positivas e possuem apenas uma eficácia mediata relativamente ao poder de tributar, sejam dignas de devida atenção (dignidade humana, proteção da família, desenvolvimento regional, etc.). Além disso, as limitações expressas são, sobretudo, limitações formais (legalidade, irretroatividade, anterioridade). Mais ainda: a estrutura rígida do Sistema Tributário Nacional, que fixa pormenorizadamente regras de competência, termina por contribuir para a confusão entre sistema externo (conjunto de dispositivos que regulam a matéria tributária) e sistema interno (conjunto de normas que dizem respeito, direto ou indireto à relação obrigacional tributária). O agrupamento externo das normas tributárias na Constituição Brasileira conduz à presunção de que o sistema tributário ou está somente regulado no capítulo do ‘Sistema Tributário Nacional’ ou não possui uma profunda relação horizontal com a Constituição toda. O sistema tributário, porém, não abrange apenas o sistema externo (das äussere

System), que diz respeito à ordenação formal. O sistema tributário, em vez disso, engloba o sistema interno (das innere System), no sentido de uma conexão interna e conteudística entre as normas jurídicas que direta ou

indiretamente regulem – não apenas e diretamente a matéria, mas – a relação obrigacional tributária. A influência dos princípios fundamentais ou dos direitos fundamentais sobre o Sistema Tributário, ou a expressa abertura do Sistema Tributário por meio do art. 150 (‘Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao

contribuinte’) são exemplos indicativos de que o Sistema Tributário não se confunde, quantitativa e

qualitativamente, com o capítulo do Sistema Tributário Nacional: quantitativamente porque existem outras normas tributárias além daquelas que podem ser reconduzidas aos dispositivos contidos no capítulo do Sistema Tributário Nacional: qualitativamente porque as normas previstas nos Sistema Tributário Nacional só ascendem a um significado normativo por meio de uma (horizontal) consideração das concatenações materiais decorrentes dos princípios e direitos fundamentais” (Sistema constitucional tributário. 4.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 22-3).

sujeito a uma disposição [ou fragmento(s) desta]

216

. Como resume Riccardo Guastini, “a

disposição é (parte) de um texto ainda por ser interpretado; a norma é (parte de) um texto

interpretado”

217-218

. A norma é construída por intermédio do processo de interpretação, do

qual o texto é um dos elementos. Esse critério de classificação não se dissocia desta premissa.

Há normas (regras e princípios) que se revelam diretamente a partir de dispositivos do texto

constitucional dirigidos diretamente à tributação (e.g., legalidade, irretroatividade,

anterioridade, vedação ao confisco etc.); as limitações constitucionais explícitas.

Por outro lado, há limitações que precisam ser extraídas a partir da interpretação sistemática e

teleológica de diversos dispositivos do texto constitucional, integrantes dos subsistema

tributário e/ou de outros subsistemas constitucionais que interagem com aquele, não sendo

possível extrair seu sentido e seu significado diretamente a partir de um dispositivo. São as

limitações constitucionais implícitas, decorrentes da necessidade de interpretação do

ordenamento jurídico, sobretudo do sistema constitucional, de modo a construir essas normas

que terão interação com as demais limitações constitucionais (explícitas e implícitas).

Exemplos dessas limitações são: (a) o devido processo legal

219-220

, em sentido formal e em

216 Cf. GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às normas. Trad. Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 25. 217 GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às normas. Trad. Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 26. 218 Riccardo Guastini distingue as normas jurídicas explícitas das normas jurídicas implícitas. Aquelas seriam “as normas que, segundo uma dada interpretação, são o significado de um certo texto normativo: as normas, portanto, que são extraídas de uma dada disposição mediante interpretação”; ao seu turno, as normas jurídicas implícitas, no entendimento do citado autor, são as “que não foram formuladas por alguma autoridade normativa: as normas, conseqüentemente, que não podem ser atribuídas a algum texto normativo como seu significado, as normas — em suma — destituídas da disposição”. E, tomando como premissa a distinção entre esses dois tipos de normas, Riccardo Guastini segrega os critérios de validade das normas jurídicas; para a norma explícita, é necessário: (i) que constitua o significado de uma disposição produzida por um ato normativo válido; (ii) compatibilidade com norma superior na hierarquia das fontes. A validade da norma jurídica implícita, segundo o autor, está subordinada a: (i) possibilidade de ser extraída a partir de uma norma explícita, ou de um conjunto delas — e que esta(s) seja(m) válida(s); (ii) compatibilidade com alguma norma superior na hierarquia das fontes. Para ambas as normas, vê-se que a não incompatibilidade com normas superiores é critério comum (cf. GUASTINI, Riccardo. Das Fontes às normas. Trad. Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 278-280). 219 Acerca da interpretação desse princípio no contexto constitucional norte-americano, confira-se Pablo Lucas Verdú: “Segundo Swisher, a história de sua interpretação se divide em três períodos: a) nos primeiros cem anos de vigência da Constituição [Americana de 1776], o due process of law foi considerado como restrição processual à ação dos poderes governamentais; b) durante o segundo período, que, grosso modo, chega a 1936, o

due process of law se estende, servido não apenas como freio processual, mas como postulado que abarca a

substância das atividades desenvolvidas pelo governo; c) no terceiro período, de 1936 aos nossos dias, abandona- se o uso do devido processo legal como limite substancial, regressando ao seu primitivo sentido de contenção processual”(VERDÚ, Pablo Lucas. A Luta pelo Estado de Direito. Tradução e Prefácio.: Agassiz Almeida Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 37).

220 Cf. DÓRIA, Antonio Roberto Sampaio. Direito constitucional tributário e “due processo of law” – ensaio

sobre o controle judicial da razoabilidade das leis. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. NOGUEIRA, Alberto. O Devido processo legal tributário. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

sentido substancial

221

; (b) princípio da proteção da confiança

222

, (c) princípio da boa-fé

objetiva

223-224

; (d) razoabilidade; (e) proporcionalidade

225

; (f) segurança jurídica

226-227-228

; (g)

princípio da praticidade e da exequibilidade

229

; e, de importância para a presente tese, (h)

dever de especial proteção do Estado à entidade familiar.

A existência de limitações constitucionais implícitas ao poder de tributar reforça a afirmação

segundo a qual o sistema (constitucional) tributário ultrapassa qualitativa e quantitativamente

o conteúdo do Capítulo do Sistema Tributário Nacional contido no texto da Constituição de

1988.

Cumpre registrar que essa distinção é meramente formal, não repercutindo no grau de eficácia

dessas normas constitucionais

230

.

221 Com base na jurisprudência da Suprema Corte Americana, Antonio Roberto Sampaio Dória elenca os postulados cardeais da tributação segundo o devido processo legal em sentido substancial: (a) inexistência do direito do contribuinte à contraprestação direta pela cobrança de impostos e, contrariamente, o reconhecimento desse direito no caso das taxas e contribuições de melhoria; (b) necessidade de destinação pública da receita trbiutária; (c) limitação da competência tributária do Estado aos atos, fatos, negócios ou pessas vinculados a seu território; (d) igualdade perante os tributos; (e) vedação de tributos impeditivos de atividades lícitas; (f) proibcao de tributos confiscatórios; (g) respeito à capacidade contributiva objetiva do sujeito passivo tributário. (cf.

Direito constitucional tributário e “due processo of law” – ensaio sobre o controle judicial da razoabilidade das leis. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 35-6).

222 Cf. DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé

objetiva e irretroatividade como limitações constitucionais ao poder judicial de tributar. São Paulo: Noeses,

2009.

223 Cf. RUBINSTEIN, Flávio. Boa-fé objetiva no direito financeiro e tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2010. 224 Cf. DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé

objetiva e irretroatividade como limitações constitucionais ao poder judicial de tributar. São Paulo: Noeses,

2009.

225 Cf. PONTES, Helenilson Cunha. O princípio da proporcionalidade e o direito tributário. São Paulo: Dialética, 2000.

226 Cf. ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização. São Paulo: Malheiros, 2011. Cf. TORRES, Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança jurídica: metódica

da segurança jurídica do sistema constitucional tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011

227 DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e

irretroatividade como limitações constitucionais ao poder judicial de tributar. São Paulo: Noeses, 2009.

228 César García Novoa reúne o pressuposto mínimo para a segurança jurídica: (a) existência da norma jurídica;

(b) que as normas positivas existem com caráter prévio à produção dos fatos que elas mesmas regulam – pré-

ordenamento normativo – pois este requisito de existência prévia é o elemento mas básico da previsibilidade das normas; (c) que essa existência prévia aos fatos regulados seja conhecida pelos destinatários das normas e eventuais realizadores dos pressupostos de fato previstos na norma; (d) por fim, que a existência, prévia e pública da norma, seja também uma existência regular, o que significa que a norma tenha pretensões de definitividade; a regra geral é excluir as normas provisórias admitindo-se, em todo caso, normas de vigência temporal limitada. (Cf. NOVOA, César García. “Seguridad jurídica y derecho tributario”. In Direito tributário. Celso Antônio Bandeira de Mello (organizador). São Paulo: Malheiros, 1997, p. 58-9) (Cf. NOVOA, César García. “La Concepcion actual de los principios tributarios”. In Direito tributário e a Constituição: Homenagem

ao Prof. Sacha Calmon Navaro Coêlho. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 185-6).

229 Cf. COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e justiça tributária: exeqüibilidade de lei tributária e direitos do

contribuinte. São Paulo: Malheiros, 2007.