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Princípios da irretroatividade e da anterioridade

2. A CONSTITUIÇÃO NA TEORIA DOS SISTEMAS CONSTITUCIONALIZAÇÃO

2.4. LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR

2.4.6. Limitações constitucionais positivas: os princípios constitucionais tributários

2.4.6.4. Princípios da irretroatividade e da anterioridade

A tributação interfere diretamente na vida econômica do indivíduo. É fator necessário no

planejamento de qualquer atividade econômica. Sendo assim, não pode representar um fator

de surpresas, i.e., não pode comportar espaço para alterações imediatistas de modo a

comprometer os planos traçados pelo contribuinte para sua vida e atividade econômica.

Assim, em consonância com a regra da não surpresa e da segurança jurídica

310

, a CF/88 prevê

em seu art. 150, inciso III, os princípios da irretroatividade e da anterioridade da lei tributária.

309 “São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário”.

Embora ambos tenham o mesmo fundamento axiológico, não se confundem. Têm significados

distintos.

O princípio da irretroatividade impede que a lei tributária seja aplicada a fatos ocorridos

anteriormente à entrada em vigência da norma. A norma só pode alcançar os fatos ocorridos

no futuro (art. 5.º, XXXVI

311

, e art. 150, inciso III, a

312

). Não se pode pretender aplicar a

norma tributária a fim de criar de tributos em função de fatos ocorridos antes de sua entrada

em vigor.

É certo que vedação peremptória da CF/88 limita-se ao surgimento da obrigação tributária por

conta de fatos geradores anteriores à vigência da norma que a fundamenta. Por outro lado, há

a vedação do art. 5.º, inciso XXXVI, ao tratar do respeito ao direito adquirido, à coisa julgada

e ao ato jurídico perfeito.

O CTN, ao tratar do lançamento tributário, contém regras que impedem a aplicação retroativa

de normas tributárias (arts. 143 e 144).

Há outras situações em direito tributário, contudo, que permitem à norma tributária retroagir.

Assim ocorre com a norma de caráter interpretativo (art. 106, inciso I, do CTN) e as normas

tributárias sancionadoras que prevejam disposição mais benéfica (art. 106, inciso II, do CTN).

Nessa mesma linha, o princípio da anterioridade vai mais além, determinando que nenhum

tributo poderá ser exigido para fatos geradores ocorridos antes do primeiro dia do exercício

seguinte àquele em que a lei que o institui ou o majora é promulgada. Esta é a regra do art.

150, III, b, da CF/88

313

.

310 “A ideia de ‘previsibilidade’ é um elemento fundamental do sistema tributário, principal consequência da constitucionalização do tributo, pois só a segurança de um ordenamento de consequências previsíveis garantia o contraste constitucional das normas tributárias e a interdição da arbitrariedade dos aplicadores do Direito”. (NOVOA, César García. “Seguridad jurídica y derecho tributario”. In Direito tributário. Celso Antônio Bandeira de Mello (organizador). São Paulo: Malheiros, 1997, p. 71 – tradução do autor).

311 “XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

312 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

III - cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;”.

313 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

Assim, pelo texto originário da CF/88, a lei que criasse ou majorasse tributo só poderia ser

aplicada a fatos geradores ocorridos a partir de 1.º de janeiro do ano subseqüente. Essa é a

regra chamada de anterioridade simples. As exceções estão previstas no art. 150, § 1.º, da

CF/88 (empréstimos compulsórios fundado no inciso I do art. 148 da CF/88, impostos

extraordinários de guerra, II, IE, IPI e IOF).

Para as contribuições socais, há a regra específica do art. 195, § 6.º, da CF/88

314

. Aqui não

vale a regra da cobrança do tributo apenas para os fatos geradores ocorridos a partir do

primeiro dia do exercício financeiro subseqüente; há de se respeitar apenas o interstício de

noventa dias, de sorte que a contribuição social pode ser exigida por força de fato ocorrido no

mesmo exercício financeiro que a instituiu. O fundamento para a CF/88 ter tratado de forma

diferenciada esse tipo de tributo reside na finalidade à qual ele se destina. Denomina-se esta

regra de anterioridade nonagesimal.

A coexistência dessas duas regras na CF/88 passou a gerar situações de distorção. Um

imposto criado em dezembro poderia ser cobrado em 1.º de janeiro do exercício financeiro

subseqüente, ao passo que uma contribuição social criada no mesmo mês de dezembro só

poderá ser cobrada em relação a fatos geradores ocorridos em março do ano subseqüente.

Por conta disso foi promulgada a EC n.º 42/2003 por meio da qual se acrescentou a alínea c

no inciso III, do art. 150, CF/88. Essa nova regra exige que se observe, na hipótese da alínea

b, a reserva mínima de noventa dias; quer dizer, aplica-se a regra que determina a vigência a

partir de primeiro de janeiro do exercício seguinte, assegurando-se, entrementes, um intervalo

mínimo de noventa dias, de sorte que, se entre a publicação da norma e o primeiro dia do

exercício financeiro seguinte não decorrer o mínimo de noventa dias, este, a rigor, há de ser

respeitado. Houve, pois, uma combinação das duas regras já explicadas, razão pela qual se

passou a denominar esta nova fórmula de anterioridade mista.

(...)

III - cobrar tributos: (...)

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;”.

314 “§ 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, ‘b’”.

A mesma EC, entretanto, criou, no § 1.º do art. 150, exceções à nova regra (empréstimos

compulsórios fundado no inciso I do art. 148 da CF/88, impostos extraordinários de guerra, II,

IE, IR, IOF e, por fim, na fixação da base de cálculo do IPVA e do IPTU).

Dessa forma, hoje há três regras respeitantes à anterioridade: a anterioridade simples, a

anterioridade nonagesimal e a anterioridade mista. Com a EC n.º 42/2003, como visto, a

principal é a anterioridade mista. A anterioridade nonagesimal está reservada apenas às

contribuições sociais. A anterioridade simples tornou-se, por conseguinte, a exceção, de

aplicação residual, nos casos expressos pela CF/88.

Nesse diapasão, calha tratar do princípio da anualidade, segundo o qual, além de se respeitar o

princípio da anterioridade, o legislador e o administrador teriam de respeitar a circunstância

de o tributo constar da lei orçamentária vigente para o exercício em que se pretende cobrar o

tributo. Expresso na CF/46 e na CF/67, a CF/88, segundo parte significativa da doutrina, dele

não tratou, razão por que não estaria mais vigente. Nada obstante, Edvaldo Brito compreende

sua subsistência na regra do art. 165, § 2.º do CF/88

315

, porém com outra concepção; atribui o

erro da doutrina à má-compreensão do sentido do princípio, com base na regra da CF/46. Para

Edvaldo Brito, “atualmente, pois, esse princípio consiste em que os dispositivos sobre

alterações da legislação tributária terão de ser objeto da lei de diretrizes orçamentária, que

também é anual”

316

.

Irretroatividade, anterioridade e anualidade compõem os princípios-garantias vinculados ao

valor da proibição à surpresa da tributação.