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2. A CONSTITUIÇÃO NA TEORIA DOS SISTEMAS CONSTITUCIONALIZAÇÃO

2.1. CONCEITO E TEORIAS SOBRE OS SISTEMAS

2.1.3. Sistema aberto e sistema fechado

Do ponto de vista de sua operação e de sua aptidão de cognição de elementos, os sistemas

podem ser divididos em dois grandes grupos: os sistemas abertos

65

e os sistemas fechados. É

deveras importante compreender sob que perspectiva se examina e, portanto, se considera um

sistema como aberto ou como fechado.

Com efeito, a abertura ou o fechamento do sistema depende, diretamente, do seguinte fator:

possibilidade de um elemento que lhe é estranho interferir diretamente em seu funcionamento,

de modo a lhe alterar a estrutura, função ou introduzir-lhe ou suprimir-lhe elementos. Caso

haja essa possibilidade, diz-se que o sistema é aberto; não sendo possível fazê-lo, diz-se que o

sistema é fechado.

Abertura

66

e fechamento de um sistema, entrementes, podem ser examinados por sob duas

perspectivas: quanto à operação do sistema e quanto à cognição do sistema.

muitas vezes, pelo menos em parte, fazer esse papel ” (Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência

do direito. 3.ª ed. Tradução Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2002, p. 26).

64 O sistema externo é o sistema das proposições científicas que descrevem determinada realidade e apresenta a mesma estrutura em todas as ciências. O sistema interno é o sistema ínsito na matéria específica, objeto de determinada ciência; sua estrutura varia, portanto, ao variar da matéria. A estrutura é o nexo que une cada elemento constitutivo de um desses dois sistemas; é o conjunto das relações entre as coisas, não o conjunto das próprias coisas; com o nexo entre suas várias partes é puramente lógico, o sistema externo tem uma estrutura lógica; o sistema interno, ao contrário, tem uma estrutura específica, i.e., caraterística da matéria a que ele se refere. Assim, todas as ciências ou disciplinas têm a mesma estrutura, ao passo que todas as matérias, objeto de uma ciência, têm estruturas diferentes. (Cf. LOSANO, Mario G. Sistema e estrutura no direito. Volume 1: das

origens à Escola Histórica. Tradução Carlos Alberto Dastoli. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008, p. 216-7).

65 “Abertura” do sistema não deve ser confundida com “mobilidade” do sistema. A mobilidade significa a igualdade fundamental de categoria e a mútua substitutibilidade dos critérios adequados de justiça, com a renúncia simultânea à formação de previsões normativas fechadas; também nesses sistemas móveis se realizam a características de da ordem e da unidade. O direito positivo é dominado, segundo Canaris, fundamentalmente, não por um sistema móvel, mas por um imóvel, que compreende partes móveis. O sistema móvel está, sob o ponto de vista legislativo, entre a formação de previsões normativas rígidas, por um lado, e a cláusula geral, por outro; permite ditosamente o sistema móvel a polaridade entre os “mais altos valores do Direito”, em especial a “tendência generalizadora” e constitui, assim, um enriquecimento valioso do instrumentário legislativo; n1oa ha de ser, contudo, utilizado com exclusividade, mas como uma possibilidade entre outras, ligadas entre si. (Cf. CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 3.ª ed. Tradução Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2002, p. 127-48, 281-2).

66 Apoiado em Canaris, Mario Losano alude, ainda, a abertura do sistema em outros dois sentidos: (i) para contrapor-se o sistema aberto da casuística ao sistema fechado da codificação; ou, então, (ii) a abertura do sistema pode ser entendida no sentido de sua incompletude, modificabilidade, possibilidade de desenvolvimento, sendo este o sentido moderno, pós-pandectístico, do termo “sistema”. (Cf. LOSANO, Mario G. Sistema e

estrutura no direito. Volume 2: o século XX. Tradução Luca Lamberti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010,

Quanto à operação do sistema, abertura e fechamento são características oriundas da

possibilidade de elementos que lhe são externos/estranhos venham a, diretamente e

independentemente de qual elemento do sistema que a ele adira, passe a integrar o sistema,

como elemento seu: (a) se o sistema somente puder ser modificado (com inserção, supressão

ou alteração de seus elementos) pelo procedimento nele mesmo previsto, por meio de sua

própria mecânica de funcionamento, tem-se um sistema operativamente fechado; (b) se o

sistema estiver sujeito à modificação (com inserção, supressão ou alteração de seus

elementos) por força de um elemento externo, sem a necessidade de movimentação de sua

estruturas para a produção de um novo elementos, está-se diante de uma sistema

operativamente aberto.

No tocante à cognoscibilidade, abertura e fechamento dizem respeito à aptidão de elementos

externos/estranhos do sistema influenciarem na produção, modificação e supressão de

elementos deste, como fator a ser levado em consideração na operação do sistema. Nesse

passo, aberto cognitivamente é o sistema que se apresenta susceptível a influências advindas

de outros sistemas como fator a motivar sua atuação no sentido de modificação de seus

elementos (criação, supressão ou alteração de elementos). Cognitivamente fechado, por sua

vez, caracteriza-se o sistema que não dialoga com outros, de sorte que não sofre essa

influência quanto à sua própria (re)produção.

Segundo a teoria dos sistemas fechados, há sistemas que, a partir de seu interior, são capazes

de desenvolver um processo por meio do qual diferenciam a observação, com a finalidade de

aumentar a sua capacidade pera o meio, de modo que é possível distinguir três tipos de

sistemas, segundo a forma pela qual realizam essa observação: biológicos, psíquicos e

sociais

67

.

O axioma do encerramento operativo leva aos dois pontos mais discutidos na atual Teoria dos

Sistemas: (a) auto-organização; (b) autopoiesis. Auto-organização significa construção de

estruturas próprias dentro do sistema; como os sistemas estão enclausurados em sua

operação, eles não podem conter estruturas, pois devem construí-las. Autopoiesis, por sua vez,

significa, ao contrário, determinação do estado posterior do sistema, a partir da limitação

67 Cf. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. 2.ª ed. Trad. Ana Cristina Arantes. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 75.

anterior à qual a operação chegou. Uma estrutura constitui a limitação das relações possíveis

no sistema, mas não é o fato produtor, a origem da autopoiesis

68

.

Entende-se por autopoiesis o sistema se produz a si mesmo, além de suas estruturas

69

. Como

pontua Luhmann, “um sistema autopoiético produz as operações necessárias para produzir

mais operações, servindo-se da rede de suas próprias operações”

70

. A autopoiesis se

converte no critério da realidade per si, ao nível dos elementos que já não podem mais

dissolver-se, a não ser que se perca coerência: tanto na comunicação (sistemas sociais), como

na consciência (sistema psíquicos)

71

.

A teoria do encerramento operativo não é incompatível com o teorema dos sistemas abertos,

ao passo em que entende a abertura sob outra perspectiva teórica

72

. Segundo Niklas Luhmann,

da teoria geral dos sistemas abertos, surgem três teorias subsidiarias: (a) input/output; (b)

Feedback negativo; (c) Feedback positivo

73-74

. Nesse contexto, adverte o mesmo Luhmann,

68 Cf. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. 2.ª ed. Trad. Ana Cristina Arantes. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 112-3.

69 Cf. VILANOVA, Lourival. As Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. São Paulo: Noeses, 2005, p. 221.

70 LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. 2.ª ed. Trad. Ana Cristina Arantes. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 120.

71 Cf. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. 2.ª ed. Trad. Ana Cristina Arantes. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 121.

72 “Por que o fechamento operacional é tão importante para a concepção luhmanniana de sistema? Porque a unidade do sistema é produzida por esse fechamento. E quem observa essa unidade? O próprio sistema. Segundo Luhmann, os problemas de abertura e fechamento do sistema não podem ser respondidos em termos causais ou a partir do esquema ‘input/output’. A clássica contraposição entre sistemas abertos e fechados perde sentido nesse contexto. Fechamento operacional não é sinônimo de irrelevância do ambiente ou de isolamento causal. Por isso, paradoxalmente, o fechamento operativo de um sistema é condição para sua própria abertura. A relação entre os sistemas político e jurídico ilustra de modo exemplar esse conceito.”. (CAMPILONGO, Celso Fernandes.

Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 67-8).

73 Cf. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. 2.ª ed. Trad. Ana Cristina Arantes. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 62-3.

74 Eis a síntese dessas três teorias subsidiárias: (a) teoria do input/output: pressupõe que o sistema desenvolva uma elevada indiferença em relação ao meio, e que, nesse sentido, este último careça de significação para o sistema, de tal modo que não é o meio que pode decidir quais fatores determinantes propiciam o intercambio, mas somente o sistema; este possui uma autonomia relativa, na medida em que a partir dele próprio pode-se decidir o que deve ser considerado como output, como serviço, como prestação, e possa ser transferidos a outros sistemas no meio. Aqui existem duas variantes: (a’) a primeira extrai seus estímulos a partir de um modelo matemático ideal, no qual o sistema transforma uma configuração de inputs segundo as diretrizes de um modelo; essa transformação é decida estruturalmente; (a’’) a segunda variante é a que renuncia à simplificação matemática, para voltar o olhar novamente para a complexidade do sistema; (b) em resposta aos problemas da teoria do input/output, surgiu a teoria do esquema do feedback negativo, que consistia em como alcançar outputs relativamente estáveis diante de um meio instável ou de situações variáveis; propunhas a minorar as distâncias;

(c) a teoria do esquema do feedback positivo atingiu a compreensão de que nos sistemas existe também uma

tendência a mudar radicalmente seu estado inicial mediante o aumento da distância provocada fundamentalmente no meio; não tem uma qualidade de explicação causal do tipo “por que”, mas somente a de fazer ver como determinados mecanismos de fortalecimento do desvio tendem a reproduzir estados no sistema que não levam

que, nesse tipo de análise, tem-se ignorado que, cada vez mais, o bom jurista se orienta para o

limite output, uma vez que deve ter em conta as consequências derivadas de uma certa

interpretação da lei; ao ter diante de si o limite output, o jurista contribui para que o modelo

do direito se torne incalculável

75-76

.

Partindo-se da premissa segundo a qual nenhum sistema pode evoluir a partir de si mesmo; há

de se entender que o meio desempenha um papel muito importante. Significa que as

transformações das estruturas, que só podem ser efetuadas dentro do sistema – de modo

autopoiético – não se produzem ao bel-prazer do sistema, mas devem se afirmar em um meio

que o próprio sistema não pode perscrutar totalmente, e não pode, afinal, incluir em si mesmo,

por meio do planejamento

77

.

Para Niklas Luhmann, o conceito de acoplamento estrutural especifica que não pode haver

nenhuma contribuição do meio capaz de manter o patrimônio de autopoiesis de um sistema,

de modo que o meio só pode influir causalmente em um sistema no plano da destruição e não

no sentido da determinação de seus estados internos. Pontua que o conceito de acoplamento

apresenta dois lados: (a) o acoplamento não está ajustado à totalidade do meio, mas somente a

uma parte escolhida de maneira altamente seletiva; de modo que (b) apenas um recorte

efetuado no meio está acoplado estruturalmente ao sistema, e muito fica de fora, influindo de

forma destrutiva no sistema

78

.

Dizer que o acoplamento estrutural deva ser compatível com a autopoiesis significa,

primeiramente, admitir que não há determinação das estruturas de fora do meio; os

acoplamentos estruturais não determinam os estados do sistema, mas sua função consiste em

abastecer de uma permanente perturbação o sistema; ou então, do ponto de vista do sistema,

me conta as consequências, nem se ajustam aos fins programados (Cf. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria

dos sistemas. 2.ª ed. Trad. Ana Cristina Arantes. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 63-72).

75 Cf. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. 2.ª ed. Trad. Ana Cristina Arantes. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 67.

76 Acerca da consideração das conseqüências quanto à decisão tributária, destaca-se o trabalho de Tathiane dos Santos Piscitelli: Argumentando pelas consequências no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2011/2012. 77 Cf. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. 2.ª ed. Trad. Ana Cristina Arantes. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 128-9.

78 Cf. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. 2.ª ed. Trad. Ana Cristina Arantes. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 130-1.

trata-se da constante capacidade de ressonância do sistema, que se ativa incessantemente,

mediante os acoplamentos estruturais

79

.

Como bem pontua Marcelo Neves, a combinação de fechamento e abertura pode ser tratada

sob duas perspectivas: a) embora um sistema construtor e construído de sentido exerça o

controle das próprias possibilidades por intermédio da negação quando da produção de alguns

elementos (fechamento), esse controle depende das condições de escolha entre o sim e o não

do respectivo código sistêmico (abertura); b) o controle das possibilidades de negação

(fechamento) proporciona uma relação seletiva contínua e estável do sistema com o seu

ambiente (abertura adequada)

80

.

Nesse passo, o caráter positivo do direito é concebido como autodeterminação operativa do

direito e determina seu caráter fechado quanto à operação. Não quanto ao caráter cognitivo,

eis que o fechamento, neste aspecto, do sistema jurídico proporcionaria um paradoxo

insuperável da autopoiese, pois, não permitiria a interrupção da interdependência dos

componentes internos por meio da referência ao ambiente

81-82

. Assim, há um fechamento

operativo e uma abertura cognitiva do sistema jurídico

83

.

Misabel Abreu Machado Derzi aborda o pensamento de Claus-Wilhelm Canaris, para afirmar

que este afasta a idéia de sistema como sistema externo, como metodologia lógico-formal de

uma ciência “pura”, como simples jurisprudência de conceitos ou como conexão de

problemas tópicos. Pensa Canaris o sistema como adequação valorativa, ordenação e unidade

interior da ordem jurídica, ao passo em que rejeita qualquer outra ideia de sistema que não

seja interpretativa para a constituição da decisão judicial concreta e o conceitua a partir das

idéias de adequação valorativa e da unidade interior da ordem jurídica. O sistema é, pois,

79 Cf. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. 2.ª ed. Trad. Ana Cristina Arantes. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 136-7.

80 Cf. NEVES, Marcelo. A Constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 130. 81 Cf. NEVES, Marcelo. A Constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 135, 137-8. 82 Cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da ciência jurídica. Henrique Garbellini Carnio (colaborador). 2.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 230-1.

83 “O sistema jurídico, enquanto autopoiético, é fechado, logo, demarca seu próprio limite, auto- referencialmente, na complexidade própria do meio ambiente, mostrando o que dele faz parte, seus elementos, que ele e só ele, enquanto autônomo, produz, ao conferir-lhes qualidade normativa (=validade) e significado jurídico às comunicações que nele, pela relação entre esses elementos , acontecem. No processo evolucionário de diferenciação e reprodução do Direito, a teorização sobre o sistema, i.e., sua estrutura cognitiva, é introduzida no sistema, conferindo-lhe a capacidade de auto-observar-se e, com isso, seu caráter autopoiético, pois é pela auto- observação que controla operações de autoprodução”. [GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da ciência

ordem axiológica e teleológica, cuja unidade está dirigida pelos grandes e prioritários

princípios como justiça e segurança jurídica, de modo que somente pode ser aberto às

significações possíveis dentro dos enunciados linguísticos das normas; é, assim, incompleto e

plenamente modificável

84-85-86

.

Registra Norberto Bobbio

87

ser o direito um sistema aberto, em uma sociedade em

transformação

88

. E isso se integra com o pensamento, em conclusão, de Canaris, segundo qual

84 Cf. DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva

e irretroatividade como limitações constitucionais ao poder judicial de tributar. São Paulo: Noeses, 2009, p.

161-2.

85 Cf. VILANOVA, Lourival. As Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. São Paulo: Noeses, 2005, p. 225: “O Direito é sistema empírico posta para ser realizado, passando do abstrato para o concreto das relações inter-humanas: a individuação ou a concrescência dos ‘casos’ é um aspecto da positivação do Direito. positiva-se também dando norma, através de ato (legislativo, regulamentar), dá lugar a outra norma. É a realização, ainda que os conteúdos normativos dos dois processos se verifiquem em planos diversos. A concreção dá-se no ato intercalar das normas gerais, ou das normas individuais”.

86 Cf. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. 2.ª ed. Trad. Ana Cristina Arantes. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 327: “Os sistemas se constituem somente na medida em que podem conectar operações; sobrevivem apenas sob a condição de que possam atualizar novas operações. Para o sistema, só existe o presente, no momento da operação real. Exclusivamente mediante a conexão de operações, torna-se possível que os sistemas reproduzam a comunicação (sistemas sociais), e os sistemas psíquicos confiram atenção”.

87 Sistema é um conjunto de entes entre os quais há uma certa ordem, havendo coerência entre si. Perguntar se um ordenamento constitui um sistema é perguntar se as normas que o compõem estão numa relação de coerência entre si, e em que condições é possível essa relação. Partindo da análise feita por Kelsen, distingue-se entre os ordenamentos normativos dois tipos de sistemas: o estático e o dinâmico. Naquele as normas estão relacionadas umas às outras como proposições de um sistema dedutivo, ou seja, pelo fato de que derivam umas das outras partindo de uma ou mais normas originárias de caráter geral, que têm a mesma função de um postulado ou um axioma num sistema científico; todas as leis formam um sistema uma vez que são deduzidas da primeira. Possa ser que num sistema como esse as normas se relacionem pelo seu conteúdo. Sistema dinâmico é aquele no qual as normas que o compõem derivam umas das outras através de sucessivas delegações de poder, ou seja, não através de seu conteúdo mas através da autoridade que as colocou; uma autoridade inferior deriva de uma autoridade superior até encontra uma autoridade superior, que não tem nenhuma outra acima de si; a relação entre as normas é formal. “Um exemplo de sistema dinâmico seria aquele que colocasse no vértice do

ordenamento a máxima: ‘É preciso obedecer à vontade de Deus’’’. (p. 72). No sistema estático, passa-se de uma

norma para outra fundado no conteúdo da prescrição, ao passo em que no sistema dinâmico isso se dá através da autoridade que a colocou. Kelsen defende que os ordenamentos jurídicos são sistemas dinâmicos; estáticos seriam os ordenamentos morais.

“Num ordenamento jurídico complexo, como aquele que temos sempre sob as vistas, caracterizado pela

pluralidade das fontes, parece não haver dúvidas de que possam existir normas produzidas por uma fonte em contraste com normas produzidas por outra. Ora, atendo-se à definição de sistema dinâmico como sistema no qual o critério do enquadramento das normas é puramente formal, deve-se concluir que num sistema dinâmico duas normas em oposição são perfeitamente legítimas. E, de fato, para julgar a oposição de duas normas é necessário examinar o seu conteúdo; não basta referir-se à autoridade da qual emanaram” (p. 74) (Cf.

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: Editora Universidade de Brasília 10ª, ed., 1999, p. 71-4. BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. Tradução Denise Agostinetti; revisão da tradução Silvana Cobucci Leite. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 219-22). Ver, também, Da Estrutura à função — novos

estudos de teoria geral do direito. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani; revisão técnica de Orlando Seixas

Bechara, Renata Nagamine. Barueri, SP: Manole, 2007, p. 41-46).

88 “A terceira tendência é relativa à passagem da função tradicionalmente repressiva do direito para função promocional. É claro que o Estado assume uma configuração diversa, conforme estabelece para si objetivos que possam ser alcançados simplesmente pelo desencorajamento dos comportamentos não desejados (em que consiste precisamente a repressão), ou, ainda, pelo encorajamento dos comportamentos desejados (no qual consiste a promoção). Não há dúvida de que os objetivos do Estado assistencial são tais que, para a sua realização, é necessário um trabalho contínuo de estímulo a comportamentos considerados economicamente

o sistema é aberto tanto em relação ao sistema de proposições doutrinarias (ou “sistema

científico”), como para o próprio sistema da ordem jurídica (o “sistema objetivo”); quanto ao

primeiro, o “sistema científico”, a abertura significa a incompletude do conhecimento

científico, ao passo em que para o segundo, o “sistema objetivo”, a mutabilidade dos valores

jurídicos fundamentais

89

.

Pode-se afirmar, contudo, que o direito é um sistema operativamente fechado e autopoiético,

na medida em que se (re)produz segundo estabelecem seus próprios elementos integrantes,

porém cognitivamente aberto, eis que sofre a influência de elementos de outros sistemas por

ocasião da adoção da decisão de modificar-se (criando, suprimindo ou alterando elementos).

Assim, em síntese, sistema jurídico

90

, aqui, é tomado como um conjunto de normas que traz

como características básicas a ordem e a unidade

91-92

. Ordem, na medida em que cada uma

vantajosos. A diferença entre repressão e promoção passa pelo uso de duas técnicas sancionatórias diferentes, ou