2. A CONSTITUIÇÃO NA TEORIA DOS SISTEMAS CONSTITUCIONALIZAÇÃO
2.3. DIREITOS FUNDAMENTAIS
2.3.1. Conceito
Em opção as designações de “direitos humanos”
129, “direitos do homem”, “direitos naturais”,
“liberdades fundamentais”, “liberdades públicas”, “direitos públicos subjetivos”, a
Constituição Federal 1988 optou pela expressão “direitos fundamentais”, haja vista que
apresenta um campo semântico maior
130.
Consideram-se “fundamentais” os direitos reunidos nessa categoria em razão de se referirem a
situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive, não
sobrevive
131. O conceito material de direitos fundamentais há de partir do princípio da
dignidade da pessoa humana. Esse critério, contudo, não é absoluto nem exclusivo, até mesmo
porque há direitos fundamentais reconhecidos às pessoas jurídicas
132.
129 “Os conceitos de ‘direitos fundamentais’ e ‘direitos humanos’ são, em geral, entendidos como de igual importância. Mas de acordo com o ponto principal tanto de sua origem com, também, da linguagem, pode-se distinguir da seguinte forma: Direitos fundamentais são Direito positivo, Direitos humanos são Direito natural. Na discussão teórica essa diferença tem uma grande importância: visto temporalmente, os Direito humanos têm validade eterna, quanto ao espaço valem em toda parte; eles estão enraizados na natureza ou na criação divina, têm o caráter de inviolabilidade e inalterabilidade. Os Direitos fundamentas parecem ser, em face disso, uma questão de ordem menor. São os Direitos humanos garantidos institucional e juridicamente. Mas, para isso, eles são direito objetivamente vigente. Eles também são Direitos subjetivamente vigentes: podem ser requeridos em juízo. Eles limitam o poder dos órgãos estatais, não somente incompatíveis com a soberania ilimitada do aparato estatal sobre as pessoas, bem como expressão da negação da soberania e da segurança da liberdade por um sistema constitucional de divisão de poderes”. (KRIELE, Martin. Introdução à teoria do estado: os fundamentos
históricos da legitimidade do Estado Constitucional Democrático. Urbano Carvelli (tradução). Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2009, p. 182-3).
130 Para uma excelente síntese do nomenclatura utilizada para designar os direitos fundamentais, vide José Joaquim Gomes Canotilho (Cf. Direito constitucional e teoria da constituição. 7.ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 393-398).
131 Cf. SILVA, José Afonso. Teoria do conhecimento constitucional. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 450. 132 Cf. ADEODATO, João Maurício. A retórica constitucional: sobre tolerância, direitos humanos e outros
É possível conceituar os direitos fundamentais como aquelas posições jurídicas que investem
o indivíduo de um conjunto de prerrogativas, faculdades e instituições imprescindíveis a
assegurar uma existência digna, livre, igual e fraterna de todas as pessoas. São fundamentais
em duplo sentido: (a) porque são essenciais aos homens em sua convivência; (b) porque eles
representam os pilares ético-político-jurídicos do Estado, fornecendo as bases sobre as quais
as ações dos órgãos estatais se desenvolvem, em cujos limites se legitimam (determinantes de
limites negativos) e para a concretização dos quais se determinam comportamentos positivos
(determinantes positivos)
133-134.
Em resposta à pergunta quais/o quê são os direitos fundamentais, erigem-se três possíveis
respostas: (i) os direitos que estão adscritos universalmente a todos enquanto pessoas, ou
enquanto cidadãos ou sujeitos de direito, e que são, portanto, indisponíveis e inalienáveis; (ii)
a segunda resposta é a que oferece o direito positivo, a dogmática constitucional ou
internacional, de sorte que são direitos fundamentais os direitos universais e indisponíveis
reconhecidos por cada sistema de direito positivo e/ou pela ordem jurídica internacional; (iii)
a terceira é oferecida pela filosofia política, que se vale de três critérios axiológicos oferecidos
pela experiência histórica do constitucionalismo: (iii.1) nexo entre direitos humanos e paz
instituído no preâmbulo da Declaração Universal de 1948: devem ser garantidos como
direitos fundamentais todos os direitos vitais cuja garantia é condição necessária para a paz
(direito à vida e à integridade física, os direito civis e políticos, os direitos de liberdade etc);
(iii.2) nexo entre direitos e igualdade; a igualdade é, em primeiro lugar, igualdade nos direitos
de liberdade, que garantem o igual valor de todas as diferenças pessoais que fazem de cada
pessoa um indivíduo diferente a todos os demais e de cada indivíduo um pessoa igual a todas
as outras; em segundo lugar, a igualdade nos direitos sociais, que garantem a redução das
desigualdades econômicas e sociais; (iii.3) o papel dos direito fundamentais como lei do mais
fraco: todos os direitos fundamentais são leis do mais fraco em alternativa à lei do mais forte
que regeria em sua ausência: em primeiro lugar, o direito à vida, contra a lei de quem é mais
forte fisicamente; em segundo lugar, os direitos de imunidade e de liberdade, contra o arbítrio
133 Cf. CUNHA JR., Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 7.ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 542-8.
134 “Os direitos fundamentais supõem uma moralidade externa ao poder e para alguns prévia ao poder, que pretende limitá-lo em sua versão liberal. Pode-se aceitar a ideia do caráter prévio, que por exemplo expressa Dworkin dizendo que são triunfos frente ao poder, sempre que nos referimos a eles como valores morais, assumidos pelo poder democrático, mas seria sem sentido afirmar que são prévios também desde o ponto de vista jurídico, se é precisamente o direito positivo, através de suas máximas, normalmente, as Constituições, as quais fazem possível sua juridicização, dinamizada e prolongada com a interpretação judicial”. (PECES- BARBA, Gregorio. Ética, poder y derecho. México: Fontamara, 2004, p. 69-70 – tradução do autor).
de quem é mais forte politicamente; em terceiro lugar, os direitos sociais, que são direitos à
sobrevivência contra a lei de quem é mais forte social e economicamente
135. Estes critérios
para identificar no plano axiológico quais devem ser os direitos fundamentais merecedores de
tutela não estão entre eles em conflito, mas são convergentes e complementares
136.
Bodo Pieroth e Bernhard Schlink destacam duas linhas na evolução histórica dos direitos
fundamentais e influenciar na delimitação de seu conceito: (a) por um lado, os direitos
fundamentais são entendidos como direitos (humanos) do indivíduo anteriores ao Estado; a
liberdade e a igualdade dos indivíduos são condições legitimadoras da origem do Estado, e os
direitos à liberdade e à igualdade vinculam e limitam o exercício do poder do Estado; (b) por
outro, na evolução alemã, também se entendem como fundamentais os direitos que cabem ao
indivíduo não já como ser humano, mas apenas enquanto membro do Estado, direitos que não
são anteriores ao Estado, e que somente são outorgado pelo Estado. Anterior ao Estado é, nos
direitos fundamentais (“direito natural positivado”, na expressão de Dreier), o fato de seu
exercício não necessitar de justificação em face do Estado e de, pelo contrário, ser o Estado a
ter de justificar a sua limitação dos direitos fundamentais
137.
Variando segundo a concepção formal e a concepção material das Constituições, há direitos
fundamentais em sentido formal e direitos fundamentais em sentido material, segundo estejam
presentes na constituição (sentido formal) ou não (sentido material). Noutros termos, serão
apenas formalmente fundamentais aqueles direitos simplesmente pelo fato de estarem
encartados em um texto constitucional no catálogo respectivo. Serão direitos materialmente
constitucionais, ao seu turno, aqueles que, efetivamente, são dotados das características de
135 Cf. FERRAJOLI, Luigi. “Sobre los derechos fundamentales”. In Teoría del neoconstitucionalismo. Miguel Carbonell (org.). Madrid: Editorial Trotta, 2007, p. 73-5.
136 Cf. FERRAJOLI, Luigi. “Sobre los derechos fundamentales”. In Teoría del neoconstitucionalismo. Miguel Carbonell (org.). Madrid: Editorial Trotta, 2007, p. 87.
137 Cf. PIEROTH, Bodo. SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais. Tradução de António Francisco de Sousa e António Franco. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 48.
direitos fundamentais, inafastáveis de um regime de Estado Constitucional Democrático
138-139- 140.
A noção de direitos fundamentais envolve, pois, necessariamente, a ideia de positivação, de
constitucionalização e de fundamentalização. Como pontua J.J. Gomes Canotilho, são direitos
fundamentais na medida em que encontram reconhecimento nas constituições e deste
reconhecimento se derivem consequências jurídicas; de outra parte, a positivação jurídico-
constitucional não prejudica o momento de “jusnaturalização” nem as “raízes
fundamentantes” dos direitos fundamentais (dignidade humana, fraternidade, igualdade,
liberdade etc)
141; eis a noção de positivação.
Constitucionalização significa a incorporação de direitos subjetivos (positivos e negativos) em
normas formalmente básicas, de modo a colocá-las a salvo do talante do legislador ordinário,
fortalecendo sobremaneira sua proteção, sobretudo mediante o controle de constitucionalidade
dos atos (públicos e privados) relacionados com esses direitos
142. Há textos constitucionais
que –como o brasileiro – põem as normas relacionadas com esses direitos a salvo do próprio
exercício do poder de reforma.
A fundamentalização (ou fundamentalidade) comporta exame sob o aspecto formal e sob o
aspecto material. Quanto ao aspecto formal, apresenta quatro dimensões: (a) as normas
consagradoras dos de direitos fundamentais, enquanto normas fundamentais, são colocadas
em patamar superior na ordem jurídica; (b) como normas constitucionais, encontrar-se-iam
138 Cf. CUNHA JR., Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 7.ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 548-50.
139 Cf. CUNHA JR., Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 7.ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 551: “...os direitos fundamentais, enquanto categoria jurídico-constitucional formal e material justificadora e legitimadora dos poderes estatais, como concretização da dignidade humana, impõem aos órgãos do poder político o dever à efetivação das normas constitucionais. É nesse contexto que se defende o direito fundamental
à efetivação da constituição, com a emanação de atos legislativos, administrativos e judiciais de concretização
constitucional”.
140 “Então o sistema jurídico, enquanto círculo recursivamente fechado de comunicação, delimita-se auto- referencialmente em relação a seus mundos circundantes, de tal modo que passa a desenvolver as suas relações com o exterior apenas através de observações. Em compensação, ele descreve seus próprios componentes em categorias jurídicas e aplica esta autotematização para constituir e reproduzir com meios próprios os atos jurídicos. O sistema jurídico torna-se autônomo na medida em que seus componentes estão de tal maneira entrelaçados entre si ‘que notas e ações jurídicas se produzem umas às outras e que os procedimentos e a dogmática relacionam por seu turno essas relações’(Gunther Teubner)”. (HABERMAS, Jürgen. Direito e
democracia: entre facticidade e validade. Vol I. Flávio Beno Siebeneichler (tradução). 2.ª ed. Rio de Janeiro:
2003, p. 73).
141 Cf. Direito constitucional e teoria da constituição. 7.ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 377-8.
142 Cf. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7.ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 378.