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Fundamentação dogmática Cláusula de abertura e conexão

2. A CONSTITUIÇÃO NA TEORIA DOS SISTEMAS CONSTITUCIONALIZAÇÃO

2.4. LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR

2.5.2. Fundamentação dogmática Cláusula de abertura e conexão

A fundamentação jurídico-positiva da assertiva segundo a qual as limitações constitucionais

ao poder de tributar são direitos fundamentais há de ser extraída – e, sem certa medida, sem

grandes dificuldades – de duas normas expressas na CF/88; são elas as insertas no art. 5.º, §§

2.º e 3.º, da CF/88

467

e no art. 150, caput

468

, da CF/88.

Os §§ 2.º e 3.º do art. 5.º da CF/88 exprimem uma cláusula de abertura do subsistema

constitucional relativo aos direitos fundamentais. A primeira parte do caput do art. 150 da

CF/88 cumpre essa mesma função de cláusula de abertura – e de conexão com outros

subsistemas – em relação ao subsistema constitucional tributário relativo às limitações

constitucionais ao poder de tributar.

Nesse contexto, cumpre expor o que significam e como funcionam essas cláusulas de abertura

e conexão contidas em normas integrantes desses subsistemas constitucionais.

Foi dito alhures que a constituição é um sistema jurídico (porque continente e normas

jurídicas), fechado do ponto de vista operativo – haja vista que somente pelo procedimento

por ela mesma regulado se incorporam novas normas jurídicas ao corpo constitucional –,

porém aberto do ponto de vista cognitivo, eis que se apresenta susceptível à amalgmação de

novos valores que a sociedade considere dignos de proteção jurídico-constitucional.

Esse mesmo texto constitucional é formado por diversos outros (sub)sistemas constitucionais

que operam de forma coordenada, harmônica e interdependente. Coordenada na medida em

que a ação de cada um deles se dá sob uma determinada ordem, de sorte a cada um deles

cumprir a função protetiva e/ou realizadora dos valores e bens juridicamente regulados. Essa

467 “§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

atuação dos subsistemas constitucionais deve ocorrer sem choques entre as disposições dos

sistemas, de modo a não haver antinomias insuperáveis, preservando-se a harmonia entre

estes subsistemas. Além disso, esses subsistemas hão de ser interdependentes, pois, para que a

proteção/realização dos valores e bens jurídicos constitucionais se dê em um grau de máxima

efetividade/otimização, as normas jurídicas que integram os mais diversos subsistemas

constitucionais hão de atuar em conjunto, conectadas umas às outras.

Destacando-se o subsistema dos direitos fundamentais e o subsistema constitucionais, duas

normas jurídicas produzem a abertura deles e conexão multímoda entre cada um das normas

jurídicas que os integram.

Os §§ 2.º e 3.º do art. 5.º da CF/88 determinam, em seu texto, que a enumeração feita no art.

5.º (e, também, nos arts. 7.º e 8.º) não é exaustiva, na medida em que não excluem outros

decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição Brasileira, ou de tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (§2.º). Trata, neste último

caso, dos direitos materialmente fundamentais. O §3.º do art. 5.º - introduzido pela EC nº

45/2004 – confere status de norma constitucional (formal e materialmente) aos tratados e

convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados segundo o quórum

exigido para as emendas constitucionais.

Tal norma consagra o caráter aberto dos direitos fundamentais no sentido de reconhecer que,

por todo o texto constitucional, integrando outros subsistemas constitucionais (como, v.g., o

tributário, o social e o econômico), existem normas constitucionais que consagram direitos

fundamentais e que, como tal, submetem-se ao regime constitucional próprio desta categoria

de normas.

O regime adotado pela CF/88 é o Estado Democrático de Direito (art. 1.º), ao qual é ínsita a

proteção jurídica do contribuinte. Os princípios adotados pela Constituição Brasileira –

aludidos pelo §2.º do art. 5.º – estão expostos ao longo de toda a constituição, inclusive no

Título da Tributação e do Orçamento. Estão, por exemplo, no art. 1.º, quando descreve os

fundamentos da República, no art. 2.º, ao se constituírem e estipular a harmonia e

independência dos poderes da União, no art. 3.º, quando estipula os objetivos desta, no art.

4.º, ao se fixarem os princípios jurídicos vetores da atuação da República Federativa do Brasil

nas relações internacionais; assim como também estão disciplinados, por exemplo, no art.

149, 150, 151 da CF/88, ao tratarem dos princípios da tributação. Nesse passo, na medida em

que tais normas-princípio implicarem contenção/conformação do poder do Estado (poder

tributário, no caso de que ora se trata), integrar-se-ão, outrossim, ao subsistema constitucional

dos direitos fundamentais.

As limitações constitucionais ao poder de tributar, a seu turno, contam com a norma contida

na primeira parte do caput do art. 150 da CF/88, que também estabelece ser não-exaustiva a

enumeração de princípios e regras constitucionais protetivas dos contribuintes contida naquele

artigo. Ao iniciar o rol de princípios constitucionais da tributação, o constituinte expressou

“[s]em prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte”; deixou claro, pois, que

existem outras garantias do contribuinte que não apenas as ali elencadas.

Com isso, trouxe para o âmbito de proteção daquele que se insere na situação jurídica

unissubjetiva de contribuinte outros direitos que não apenas os referidos no art. 150.

Incorporou, pois, por exemplo, o rol de direitos fundamentais descritos no art. 5.º da CF/88 ao

conjunto de regras protetivas do contribuinte (“Estatuto do Contribuinte”).

Essa cláusula de abertura também implica, portanto, em conexão com outros subsistemas

constitucionais, como o relativo aos direitos fundamentais. Nesse particular, tanto significa

que os direitos fundamentais previstos no art. 5.º integram, no que couber, o conjunto de

normas-regras e normas-princípios a defender o contribuinte, como confere a natureza de

direitos fundamentais às limitações constitucionais ao poder de tributar.

A fim de demonstrar, por intermédio de um exemplo, a coordenação, a harmonia e a

interdependência, é possível utilizar – talvez como o melhor deles – o instituto de

propriedade.

O art. 5.º, nos incisos XXII e XXIII, garante o direito de propriedade, na medida em que esta

atender à sua função social. Não se pode negar, contudo, que a atividade de tributação –

fundada no princípio da solidariedade social e da capacidade contributiva – implica perda de

parcela da propriedade privada em favor do Poder Público (in casu, a propriedade sobre certa

soma em dinheiro); sucede que essa intervenção estatal não pode acarretar perda da

propriedade, mercê do princípio da vedação ao confisco por intermédio da tributação (art.

150, inciso IV, da CF/88). No entanto, se o proprietário (de um imóvel urbano) não der a esse

bem sua adequada destinação social segundo o plano diretor de desenvolvimento urbano, fica

sujeito a uma série de três sanções sucessivas, sendo a última a perda da propriedade por

intermédio de desapropriação com o pagamento da indenização em títulos da dívida pública; a

sanção intermediária é, justamente, o estabelecimento do IPTU progressivo no tempo (art.

182, §4.º, inciso II, da CF/88).

Vê-se, portanto, o operação integrada do subsistema de direitos fundamentais, do subsistema

tributário e do subsistema econômico-financeiro. De fato, o primeiro deles assegura o direito

de propriedade na medida em que a respectiva função social for atendida; o subsistema

tributário impõe como limite à tributação o direito de propriedade, proibindo que o tributo

funcione com o efeito de confisco (quer isoladamente, quer na atuação da carga tributária

global, conforme visto anteriormente); por outro lado, o subsistema econômico-financeiro

confere as diretrizes para que se afira o cumprimento da função social da propriedade (urbana

e rural).

Este mesmo subsistema econômico e financeiro disciplina que um determinado tributo – o

IPTU – pode assumir feição confiscatória como uma segunda sanção, de função também

coercitiva, com o estabelecimento de alíquotas progressivas no tempo, com o objetivo de

compelir o proprietário a dar a adequada função social à sua propriedade (valor integrante dos

dois subsistemas: direitos fundamentos e ordem econômica e financeira), hipótese que

excepciona ao princípio da vedação ao confisco.

Existem outros exemplos desse concerto entre as normas integrantes do subsistema de direitos

fundamentais e do subsistema tributário, a exemplo da regra que protege a liberdade religiosa

(que se integra à imunidade dos templos de qualquer culto), a independência e a harmonia

entre os entes da federação (que, por sua vez, se relaciona com a imunidade recíproca), dentre

outras.

Aos fundamentos aludidos no item precedente, pois, soma-se este, de natureza jurídico-

positiva, expresso nos §§ 2.º e 3.º do art. 5.º e primeira parte do caput do art. 150, todos da

CF/88. Ambos reforçam-se mutuamente para conduzir à conclusão segundo a qual as

limitações constitucionais ao poder de tributar se encartam ao catálogo dos direitos

fundamentais.

2.5.3. Conseqüências da consideração das limitações constitucionais ao poder de tributar