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CAPÍTULO 2 – SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DO ENSINO SUPERIOR

2. A saúde mental dos estudantes

2.5. Respostas das instituições – os serviços de apoio psicológico

2.5.2. O caso Português

Nos anos 90, alguns dos principais problemas dos serviços de aconselhamento em Portugal eram a insuficiência de recursos humanos face à população estudantil que deviam apoiar, a definição do seu estatuto institucional e o vínculo precário que muitos dos trabalhadores desses serviços tinham às instituições. Para tentar dar resposta a estas e outras problemáticas, alguns responsáveis de serviços de aconselhamento de instituições do ensino superior resolveram criar, em Novembro de 2000, a Rede de Serviços de Aconselhamento Psicológico no Ensino Superior, hoje denominada Rede de Serviços de Apoio Psicológico no Ensino Superior (RESAPES).

Os principais objectivos da RESAPES eram: a troca de experiências, colaboração, inter-ajuda e apoio mútuo, cooperação na formação e cooperação científica; empréstimo de técnicos com valências específicas; promoção conjunta do apoio psicológico no ensino superior, junto do Conselho de Reitores, Ministério da Ciência e do Ensino Superior e da Associação de Estudantes; actuação conjunta para definição de formas de financiamento e de quadros em função do número de estudantes; a construção de uma identidade/linguagem/filosofia comum, nomeadamente através da criação de um código deontológico comum a estes serviços (RESAPES, 2002).

Ao longo dos seus anos de existência, os objectivos têm passado por: apoio à comunidade académica ao nível da promoção do bem-estar físico e psicológico; promoção do desenvolvimento pessoal e social dos alunos; promoção da saúde da comunidade académica, em particular dos estudantes; promoção do rendimento académico e da melhoria do ensino-aprendizagem; suporte na transição para a vida profissional; e apoio aos serviços da Instituição (RESAPES, 2006).

O principal papel dos profissionais que trabalham no ensino superior é, então, o apoio psicológico, que pode compreender a vertente de psicoterapia, visto que pode não ser fácil aos estudantes alcançar este tipo de serviços fora das instituições de ensino. As tarefas desempenhadas podem ir desde o aconselhamento psicológico, à psicoterapia individual ou em grupo, à aplicação de testes psicológicos, treino de desenvolvimento pessoal, treinos para melhorar a aprendizagem e as competências sociais.

83 O enquadramento institucional dos vários serviços de aconselhamento é bastante heterogéneo, sendo que uns estão ligados às faculdades, institutos ou escolas, aos departamentos de psicologia das respectivas instituições de ensino superior, outros à estrutura central das instituições (Reitoria e Serviços Académicos) e outros ainda aos serviços de acção social. A própria designação dos serviços também tem variado entre Gabinete, Centro, Serviço, Clínica, entre outros, associada a especificidades de intervenção como apoio psicológico ou psicopedagógico, integração académica e profissional, consulta de psicologia, acção social, entre outros. As equipas que constituem os serviços possuem um número variável de profissionais, desde um a onze técnicos, na sua maioria psicólogos, ainda que em muitos casos haja também outros especialistas, nomeadamente assistentes sociais e profissionais de saúde.

Embora tenha havido esforços no sentido de melhorar, a nível quantitativo e qualitativo, as equipas nos serviços de apoio, verifica-se que os recursos disponíveis são ainda limitados face às necessidades actuais. Segundo dados do Fórum Européen

d’Orientation Académique (FEDORA) de 2007, embora houvesse 97 Universidades em

Portugal, havia apenas cerca de 40 centros de aconselhamento psicológico a estudantes com cerca de 10 a 15 psicólogos a trabalharem em tempo inteiro. Portanto, ainda não se atingiu o objectivo da existência de pelo menos um serviço por instituição (Aastrup, Katzensteiner, Ferrer-Sama, & Rott, 2007). Segundo a actual presidente da RESAPES- AP, Anabela Pereira, os serviços em Portugal “confrontam-se com dificuldades, não só de apoio económico e institucional, como de recursos humanos, sendo ainda condicionados pela ausência de regulamentação própria que permita o enquadramento formal dos serviços de apoio aos estudantes no ensino superior” (Pereira, 2010, p. 15).

Apesar de não possuírem as condições ideais, os vários gabinetes de apoio psicológico ao estudante do país têm desenvolvido inúmeras iniciativas para melhorar a saúde mental dos seus estudantes. Por exemplo, para fazer frente às dificuldades que os alunos podem sentir na transição para o ensino superior, o Gabinete de Aconselhamento Psicopedagógico dos Serviços dos Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra (GAP-SASUC) elaborou em 2008 um CD-ROM. Esse CD intitula-se “Plano de apoio à transição: programas de intervenção” e está inserido no projecto “Plano de apoio à transição do ensino secundário para o ensino superior – melhor adaptação, mais resiliência, mais sucesso” (POCI/C/04.01.02/0143/0001/2006), promovido pela Reitoria da Universidade de Coimbra. É composto por três programas de intervenção: Programa de Gestão e Controlo de Stress no Ensino Superior, Programa de Métodos de Estudo e Programa de Desenvolvimento de Competências Pessoais, Sociais e Académicas, que

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visam a promoção do sucesso académico através do desenvolvimento de competências transversais (Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra [GAP-SASUC], 2008).

A Universidade de Aveiro (UA) tem demonstrado, nos últimos anos, uma preocupação crescente com a saúde mental dos seus estudantes, notória nas diversas actividades, algumas das quais pioneiras, que tem desenvolvido. A UA foi a primeira instituição do ensino superior em Portugal a criar uma linha telefónica de apoio ao aluno por outro aluno, denominada LUA – Linha da Universidade de Aveiro. Criada em 1994/1995, voltou ao funcionamento em 2009/2010, depois de ter estado inactiva durante uns anos, tendo, nesse intervalo de tempo, realizado ainda uma experiência no ambiente virtual Second Life (Pereira, 2005; Pereira et al., 2008).

A LUA Nightline baseia-se num modelo de aconselhamento de pares ou peer

counseling, isto é, num processo através do qual estudantes treinados e supervisionados

ajudam outros estudantes com problemas pessoais e académicos, oferecendo relações de apoio, clarificando os pensamentos e sentimentos, explorando opções e alternativas e ajudando os outros estudantes a encontrar as suas soluções (Myrick, Highland, & Sabella, 1995).

Quando um voluntário (peer counsellor) percebe que as dificuldades ou problemas do colega que ligou para a LUA excedem o seu campo de actuação e exigem intervenção psicológica sistematizada, pode marcar uma consulta na LUA Face-to-Face. Este serviço, em funcionamento desde 2009, presta apoio psicológico profissional aos alunos encaminhados pela LUA Nightline, dando resposta aos casos mais urgentes, num curto espaço de tempo, isto é, em cerca de dois dias úteis no máximo. Além da LUA, os Serviços de Acção Social desta Universidade (SASUA-UA) têm em funcionamento consultas de psicologia e de psiquiatria, dirigidas a toda a comunidade universitária, inseridas no Centro de Saúde Universitário (Castanheira, 2010).

Uma vez que o stress é um factor preditor do sucesso académico, a Universidade de Aveiro tem ainda vindo a realizar, desde 2005/2006, vários workshops com o objectivo de ajudar os alunos a reconhecer os sintomas de stress e a geri-los. Esses workshops têm sido sucessivamente avaliados de forma positiva pelos participantes, que relatam um aumento do bem-estar no seu final (Pereira, Monteiro, Santos & Vagos, 2007, 2008; Vagos et al., 2009).

A lista de iniciativas realizadas pelos vários gabinetes espalhados pelo país poderia continuar mas, neste contexto, interessa apenas deixar a ideia de que o apoio psicológico em Portugal está activo e tem vindo a melhorar, apesar das adversidades que

85 encontra. Ainda assim, há muitos passos que poderá dar para se aproximar das necessidades efectivas dos estudantes e lhes poder dar uma resposta mais célere e eficaz.

3. Síntese do capítulo

Este capítulo centrou-se na saúde mental e é composto por duas partes distintas. A primeira parte teve como objectivo apresentar e debater alguns conceitos fundamentais nesta área, principalmente o conceito de saúde mental, cuja conceptualização tem vindo a evoluir ao longo do tempo, até ser encarado numa perspectiva positiva. Só a partir dessa perspectiva é que fazem sentido outros conceitos como bem-estar ou promoção da saúde.

A segunda parte centrou-se na saúde mental dos estudantes. Começou com uma caracterização geral do status quo a nível internacional e nacional, à qual se seguiu uma análise mais detalhada de duas das mais frequentes e devastadoras problemáticas no ensino superior: a depressão e o stress. Seguidamente, com base numa reflexão sobre a literatura existente, procurou-se analisar as variações na saúde mental dos estudantes ao longo dos últimos anos, um assunto que tanta polémica tem gerado. Uma vez que os dados disponíveis apontam para uma deterioração da sua saúde mental, averiguou-se a forma como têm funcionado os serviços de apoio psicológico nas instituições de ensino superior, nomeadamente no nosso país, tendo sempre em vista possíveis melhoramentos.

A partir deste capítulo pode concluir-se que é necessário continuar a apostar na investigação para compreender melhor as causas da deterioração da saúde mental dos estudantes e, ao mesmo tempo, que é imprescindível ajustar o funcionamento das instituições do ensino superior para responder da melhor forma possível às necessidades actuais dos estudantes, promovendo o seu desenvolvimento psicológico e o seu sucesso académico.

CAPÍTULO 3 – COMPORTAMENTOS DE RISCO LIGADOS AO