• Nenhum resultado encontrado

Prevenção do consumo de álcool e dos problemas associados

CAPÍTULO 3 – COMPORTAMENTOS DE RISCO LIGADOS AO ÁLCOOL NOS ESTUDANTES

2. Comportamentos de risco na universidade

2.3. Consumo de álcool

2.3.9. Prevenção do consumo de álcool e dos problemas associados

O consumo de álcool no ensino superior é, sem dúvida, uma questão de saúde pública. Por conseguinte, é necessário desenvolver estratégias que visem diminuir os elevados níveis de consumo e as consequências negativas associadas. O National

Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism identifica as seguintes estratégias como sendo

eficazes no combate ao álcool em estudantes universitários: abordar conjuntamente as atitudes e os comportamentos relacionados com o álcool (e.g. refutar crenças falsas em relação ao álcool enquanto se ensina aos estudantes como lidar com o stress sem recorrer ao álcool); recorrer a inquéritos para perceber quais as percepções erradas dos estudantes acerca dos consumos dos seus colegas e das suas atitudes face ao consumo excessivo; aumentar a motivação dos estudantes para mudar os seus hábitos de consumo, fornecendo conselhos sem juízos de valor e monitorizando o seu progresso (NIAAA, 2002).

De facto, as crenças e percepções sobre o álcool são importantes e podem influenciar o seu uso e abuso por parte dos estudantes. Quanto mais fortes são as barreiras percebidas à abstinência ou limitação da bebida (e.g. “a abstinência limita a vida social no campus”), menor a probabilidade de os estudantes se absterem ou limitarem o consumo de álcool. A auto-eficácia e confiança na capacidade de limitar e controlar o consumo estão também relacionadas com o uso e abuso. Para além disso, a influência social é também um preditor significativo do uso de álcool, indicando que amigos e o clima geral do campo afectam o consumo e abuso de álcool.

Em termos de prevenção, estes dados sugerem que os programas de intervenção deverão contemplar os seguintes aspectos: 1) ultrapassar as barreiras que eles entendem que controlam o seu consumo de álcool (i.e. “Não vou ser aceite se não beber”); 2) desenvolver a confiança para desempenhar comportamentos preventivos (i.e. recusar demasiadas bebidas); 3) ultrapassar a influência social negativa (i.e. “vá lá, só mais uma bebida”) (Sands, Archer, & Puleo, 1998).

Revisões de literatura e meta-análises recentes têm mostrado que, no contexto dos estudantes universitários, as intervenções breves, com grupos pequenos, lideradas

128

por pares, parecem ser eficazes. As metodologias participativas, nomeadamente através do role playing, que contemplem o desenvolvimento de competências cognitivas, pessoais e sociais, e de estratégias de resolução de problemas necessárias à mudança de valores, atitudes e comportamentos mostram-se benéficas. Sempre que possível, a inclusão de entrevistas motivacionais e feedback normativo personalizado são mais- valias (Carey, Scott-Sheldon, Carey, & DeMartini, 2007; Forte, 2010; Larimer & Cronce, 2007).

Outras medidas aplicadas na população geral, mas que poderão também ser úteis ao contexto do ensino superior são: aplicar e reforçar as leis relativas à idade mínima para consumo; implementar, reforçar e publicitar outras leis para reduzir a condução sob o efeito de álcool, como leis tolerância zero; aumentar os preços ou taxas das bebidas alcoólicas e sensibilizar os estabelecimentos que servem álcool para não o fornecerem a pessoas embriagadas. O Institute of Alcohol Studies (IAS, 2010) considera que se deve apostar na Educação para a Saúde, através da promoção de alternativas: às bebidas alcoólicas, aos locais de venda das bebidas alcoólicas como pontos de encontro e socialização; ao consumo de álcool como meio de ocupação de tempos livre. Para além disso, aconselha a redução dos incentivos ao consumo de álcool, através do controlo da publicidade e promoção do álcool.

Em Portugal, têm-se multiplicado, nos últimos anos, as iniciativas de prevenção e combate ao consumo excessivo de álcool, muitas das quais se têm focalizado nos estudantes do ensino superior. O projecto “Descobre Outros Prazeres”, é um exemplo de prevenção primária do álcool e de outras toxicodependências, dirigido à comunidade estudantil do ensino superior e secundário de Coimbra (Galhardo & Marques, 2004). Este projecto desdobrou-se em quatro acções: 1) “Tu decides”, que tinha por objectivo divulgar o projecto, educar e sensibilizar os estudantes em relação ao consumo de substâncias, à tomada de decisões racionais, oferecendo alternativas de consumos saudáveis; 2) “Investigar para prevenir”, que englobou actividades de formação, como workshops, para informar e desenvolver competências para o desenvolvimento pessoal dos estudantes, e actividades de investigação para analisar os padrões de consumo na população universitária; 3) “Prazeres alternativos”, que proporcionou a descoberta ou redescoberta de actividades indutoras de prazer, alternativas ao consumo de drogas, tais como equitação, yoga, música, cinema, conversa e teatro; 4) “Desporto e Lazer”, que se dirigiu particularmente aos alunos do Ensino Secundário.

Na Universidade do Minho têm sido levadas acções focadas nos comportamentos de risco adoptados durante o Enterro da Gata (a festa académica equivalente à Queima

129 das Fitas). No ano lectivo 2009/2010, na semana anterior ao início das festividades, foram divulgadas mensagens através de email sob o lema “Enterra-te em Segurança”, que abordavam a importância do consumo moderado de álcool e da utilização do preservativo, através do fornecimento de informações factuais sobre aspectos da edição anterior (por exemplo, número de testes de alcoolemia realizados) e da apresentação de alternativas concretas favoráveis à adopção de comportamentos saudáveis (Azevedo, Elias, Ferreira, Samorinha, & Maia, 2010).

Enquanto alguns projectos utilizam metodologias mais informativas, outros recorrem a metodologias mais participativas, envolvendo activamente elementos da população estudantil, nomeadamente por meio da educação pelos pares. A educação pelos pares é o processo através do qual pessoas bem treinadas e motivadas se envolvem em actividades educacionais informais ou organizadas com os seus pares (aquelas pessoas que pertencem ao mesmo grupo social, em termos de idade, sexo, ocupação, estatuto socioeconómico, entre outros) durante um certo período de tempo, com o intuito de desenvolver os seus conhecimentos, atitudes, crenças e competências, bem como de permitir que sejam responsáveis pela sua saúde e que a protejam (United Nations Population Fund [UNFPA], 2005).

Exemplos de dois programas de educação pelos pares são o “Não abuses” e o “Antes que te queimes”. O primeiro está a ser desenvolvido no ISMAT – Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes, em Portimão, com o objectivo de diminuir o consumo de álcool e os danos associados ao mesmo, na vivência académica. Para isso, será realizada uma formação com oito sessões, com a finalidade de levar os estudantes a analisar e compreender a natureza das influências sociais, bem como ensinar-lhes estratégias para resistir às pressões para consumo de álcool a que estão sujeitos no meio universitário. Os alunos, depois de frequentarem a formação, serão eles próprios formadores dos colegas, colocando em prática a Educação pelos Pares. Como o projecto é muito recente, ainda não há dados disponíveis acerca da sua eficácia (Conceição, Calado, & Ponte, 2010).

O projecto "Antes que te Queimes" tem estado presente em todas as “Festas das Latas” e “Queimas das Fitas” de Coimbra, desde 2006, tendo como objectivos promover a diversão sem risco, reduzir o consumo abusivo e prevenir os danos associados ao consumo excessivo de álcool nos contextos das festas académicas. As principais actividades deste projecto de educação para a saúde são: 1) sensibilização das comunidades estudantis; 2) sensibilização dos empresários dos estabelecimentos de restauração e recreação nocturna para os riscos do consumo abusivo de álcool; 3)

130

aconselhamento aos estudantes durante as noites da Queima das Fitas das 22 às 03h; 4) prestação de primeiros socorros a indivíduos em situação crítica, durante as noites da Queima das Fitas; 5) apoio ao transporte seguro durante as noites da Queima das Fitas.

As instituições do ensino superior em Portugal têm plena consciência de que é necessário intervir para prevenir e reduzir o consumo excessivo e os problemas associados ao álcool, bem como para promover estilos de vida saudáveis (Pereira & Ramos, 2000). Nesse sentido, têm emergido, nos últimos anos, várias iniciativas de prevenção do consumo de álcool, em particular nas festas académicas, através de metodologias variadas que incluem a educação pelos pares. No entanto, apesar de serem projectos promissores, como muitos deles estão actualmente em curso, escasseiam ainda os dados acerca da sua eficácia.

3. Síntese do capítulo

Este capítulo foi dedicado aos comportamentos de risco ligados ao álcool. Começou com uma discussão acerca do conceito de comportamento de risco e do papel que a mudança de comportamentos pode ter para a promoção da saúde. Os comportamentos de risco são actividades que podem ser prejudiciais, estando associadas a um acréscimo do risco de doença ou acidente. Se os comportamentos têm influência no estado de saúde, então a mudança de comportamento, através da adopção de comportamentos saudáveis, em detrimento daqueles associados à doença e ao risco, poderá ser uma forma viável de promover a saúde.

Seguidamente, abordaram-se os comportamentos de risco no contexto do ensino superior, numa perspectiva desenvolvimental e numa perspectiva epidemiológica. Neste contexto, o álcool destacou-se por ser a substância mais utilizada no ensino superior, apresentando elevadas prevalências e por estar associado a muitos problemas de ordem diversa. Por conseguinte, foi o comportamento de risco seleccionado para um maior aprofundamento. Foi abordada a história do álcool, a sua terminologia e a sua epidemiologia em Portugal. Depois, procurou-se compreender o enquadramento do consumo de álcool no meio universitário. Concluiu-se, a este respeito, que o consumo de álcool é mais elevado nos estudantes do que nos pares que não frequentam o ensino superior e que parece haver diversos factores no meio académico que não só tornam o consumo de álcool permissível, como incentivam esse mesmo consumo. Os estudantes

131 parecem beber álcool essencialmente por motivos positivos, sociais e celebrativos. Por conseguinte, as festas académicas enquanto eventos de convívio e de celebração por excelência, são indissociáveis do álcool, constituindo oportunidades privilegiadas para o consumo de risco, excessivo.

Posteriormente, explorou-se a relação do álcool com variáveis socioeconómicas e com a saúde mental, no sentido de identificar grupos mais vulneráveis. No que diz respeito às características sociodemográficas, parecem ser os estudantes do sexo masculino, de Engenharia, os deslocados e os pertencentes a estatuto socioeconómico mais elevados, aqueles que apresentam maiores consumos. Quanto à relação do álcool com saúde mental, os dados disponíveis indicam que as conexões que os unem poderão ter um carácter bidireccional, ou seja, tanto estados depressivos e ansiosos poderão levar a uma aumento no consumo, como por seu turno, o álcool poderá conduzir a um acréscimo de sintomas depressivos e ansiosos.

Os problemas ligados ao álcool são inúmeros, pelo que foram apenas seleccionados dois para uma abordagem mais profunda: os comportamentos sexuais de risco e a condução sob o efeito de álcool. Os dados disponíveis mostram que os estudantes estão conscientes dos perigos que correm ao praticar estes actos. No entanto, esse conhecimento parece não ser suficiente para diminuir o consumo e travar estes comportamentos. Por conseguinte, as instituições do ensino superior têm sentido a necessidade de intensificar esforços no sentido da prevenção e da redução de danos ligados ao consumo de álcool. A revisão de algumas iniciativas realizadas, ou ainda em curso em Portugal, foi o último assunto abordado.