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CAPÍTULO 3 – COMPORTAMENTOS DE RISCO LIGADOS AO ÁLCOOL NOS ESTUDANTES

2. Comportamentos de risco na universidade

2.3. Consumo de álcool

2.3.2. Conceitos fundamentais

De seguida, é apresentada a terminologia ligada ao consumo de álcool. Mais concretamente, são esclarecidos conceitos relativos aos tipos de bebidas existentes, bem como conceitos referentes à quantidade, frequência e padrões do consumo. Há lugar ainda para a caracterização das perturbações relacionadas com o consumo de álcool, com destaque para o abuso e a dependência.

2.3.2.1. Tipos de bebidas

Bebidas alcoólicas são bebidas que contém na sua composição álcool etílico ou etanol. Habitualmente, costumam dividir-se as bebidas alcoólicas em dois grupos: 1) bebidas fermentadas, obtidas pela fermentação alcoólica dos sumos açucarados, através da acção das leveduras; 2) bebidas destiladas, que resultam da destilação (evaporação, seguida de condensação pelo frio) do álcool que foi produzido pela fermentação. No primeiro grupo inclui-se o vinho (obtido por fermentação do sumo de uva), a cerveja (obtida por fermentação de cereais e aromatizada pelo lúpulo), a sidra (a partir da maçã) e a água-pé (obtida da mistura de água e mosto já espremido). No segundo grupo, incluem-se, por um lado, as aguardentes, como o whisky, conhaque, gin, vodka, rum e por outro, os aperitivos/licores (bebidas à base de vinho ou da mistura de vinhos com álcool, açúcar e aromas). As bebidas do segundo grupo, ou seja, as destiladas apresentam maior teor de álcool do que as fermentadas (Mello, Barrias, & Breda, 2001).

A partir das bebidas fermentadas, destiladas e outras sem álcool, como refrigerantes ou bebidas energéticas, é possível criar diferentes bebidas. Nos últimos

101 anos, o consumo de bebidas alcoólicas tem sofrido várias alterações, sendo uma delas o consumo de “novas bebidas” como os shots e os alcopops. Os primeiros são bebidas curtas, geralmente compostas por uma ou várias bebidas destiladas, consumidas com o intuito de facilitar a intoxicação rapidamente, omitindo o prazer da degustação. Os segundos são bebidas alcoólicas açucaradas, com sabor a fruta e com uma percentagem de álcool que varia entre 4 a 6%. Devido ao sabor açucarado, são apelativas para os jovens que não apreciem muito o sabor ardente do álcool (IAS, 2010).

2.3.2.2. Quantidade, frequência e padrões de consumo

A expressão “consumo de álcool” é um termo relativamente lato, que pode referir- se tanto à frequência na qual o álcool é consumido, como à quantidade consumida num determinado tempo. Por sua vez, a frequência diz respeito ao número de dias ou ocasiões em que alguém consumiu bebidas alcoólicas durante um intervalo específico, como uma semana, mês ou ano. Quantidade refere-se ao número ou quantia consumida em dada ocasião. Geralmente, o consumo é avaliado através do número de bebidas padrão (standard drinks). Em Portugal, considera-se que uma unidade de bebida (seja de vinho, cerveja, aperitivos ou destiladas) varia entre 8 a 12 gramas. A quantidade e frequência podem ser combinadas num quociente quantidade/frequência, que estima o volume total consumido num período de tempo especificado (Jackson, Sher, & Park, 2005).

O consumo moderado é, por definição, aquele que não acarreta riscos para a saúde. A aparente simplicidade desta definição encerra, porém, um elevado nível de subjectividade e incerteza, não existindo consenso acerca da sua operacionalização (Dufour, 1999). Em Portugal, as directrizes disponíveis indicam que, para ter um consumo moderado, um homem adulto saudável não deve beber mais do que 3 bebidas com álcool (24 gramas de álcool) por dia, de preferência distribuídas pelas duas principais refeições (almoço e jantar), e que uma mulher adulta saudável, e que não esteja grávida ou a amamentar, não deve beber mais do que 2 bebidas alcoólicas (16 gramas) por dia (CRAS, n.d.).

Considera-se consumo de risco aquele que “corresponde a um tipo ou padrão de consumo que provoca dano se o consumo persistir; e que aumenta a probabilidade de sofrer doenças, acidentes, lesões, transtornos mentais ou de comportamentos” (IDT, 2010, p. 8). Segundo o National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism (2005) os homens estão em risco de problemas ligados ao álcool se o seu consumo excede catorze

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bebidas padrão por semana ou quatro por dia e as mulheres, sete bebidas por semana ou três por dia.

Por sua vez, o consumo nocivo é definido como “um padrão que provoca danos à saúde tanto física como mental, mas que não satisfaz os critérios de dependência” (IDT, 2008, p. 9). A Organização Mundial de Saúde esclarece que este padrão não implica necessariamente beber demasiado álcool ou beber todos os dias. Este padrão pode estar relacionado com as circunstâncias em que se consome o álcool, como por exemplo conduzir sob o efeito de álcool, ter episódios de binge drinking, ou, no caso das mulheres, beber durante a gravidez (WHO, 2006).

Para identificar as pessoas com padrões nocivos e perigosos de consumo de álcool, a OMS desenvolveu o AUDIT – The Alcohol Use Disorders Identification Test (Babor, Higgins-Biddle, Saunders, & Monteiro, 2001). O AUDIT é um método simples de triagem para o consumo excessivo de álcool, constituído por dez questões em que o valor total varia entre zero e quarenta pontos, sendo que de zero a sete pontos é considerado um uso de baixo risco, de oito a quinze pontos um uso de risco, de dezasseis a dezanove pontos um uso nocivo e a provável dependência é caracterizada a partir dos vinte pontos (Pillon & Corradi-Webster, 2006).

Outro termo frequentemente utilizado na caracterização do consumo de álcool é o

binge drinking. Este termo era inicialmente utilizado por médicos para se referirem ao

consumo de álcool na fase crónica de alcoolismo. Entretanto, em 1992, Wechsler e Isaac aplicaram esse termo na descrição do consumo de álcool em estudantes universitários, aplicação essa que ganhou popularidade em 1994, com o surgimento do The Harvard

School of Public Health College Alcohol Study, um vasto estudo com o intuito de

caracterizar os padrões de consumo de álcool nos universitários dos Estados Unidos da América.

Nessa altura, binge drinking foi definido como o consumo de uma quantidade suficientemente grande de álcool para colocar, tanto o consumidor, como terceiros, em risco acrescido de experienciarem problemas relacionados com o álcool ou de sofrerem consequências indirectas (Weschsler, Davenport, Dowdall, Moeykens, & Castillo, 1994). Naquele estudo o termo foi operacionalizado como o consumo de cinco (quatro para as mulheres) ou mais bebidas numa única ocasião. A partir dessa altura, a utilização do termo disseminou-se entre o meio científico, passando também para os meios de comunicação, para designar, de um modo mais geral, o elevado consumo de álcool numa única ocasião, que pode conduzir a problemas sérios (Wechsler & Nelson, 2001).

103 Em 2004, para tentar pôr termo à subjectividade que envolvia o termo, o NIAA aprovou oficialmente uma definição de binge drinking: “a pattern of drinking alcohol that brings blood alcohol concentration to 0.08 gram percent or above. For the typical adult, this pattern corresponds to consuming 5 or more drinks (male), or 4 or more drinks (female), in about 2 hours” (NIAAA, 2004, p. 3). Reiterou ainda o facto de o binge drinking ser claramente perigoso quer para o consumidor, quer para a sociedade.

Esta medida tem demonstrado ser bastante útil e pertinente, sendo que vários dados mostram que estudantes que têm episódios de consumo excessivo têm maior probabilidade de sofrerem danos decorrentes do álcool do que aqueles que não têm e que o risco de experienciarem consequências negativas aumenta com a frequência desses mesmos episódios (Wechsler et al., 2000).

Apesar de não ter pretensões de ser um indicador clínico, o binge drinking parece ter alguma correlação com perturbações diagnosticáveis no DSM-IV. Com efeito, entre os

binge drinkers, um em cada dois parece preencher os critérios para diagnóstico de abuso

de álcool e quatro em cada cinco, os critérios de dependência segundo aquele manual. Mesmo entre binge drinkers ocasionais, essas proporções são de um em cada três e um em cada dois respectivamente (Knight et al., 2002). Assim, este ponto de corte do binge

drinking pode ser utilizado como uma triagem para identificar estudantes que possam

necessitar de avaliação clínica adicional para detectar o cumprimento ou não de critérios de abuso ou dependência de álcool segundo o DSM-IV (Wechsler & Nelson, 2006).

Este conceito é também importante, pois outras medidas como o consumo médio de álcool num dado período de tempo, como uma semana, não permitiam distinguir por exemplo, alguém que bebe uma a duas bebidas por dia, de alguém que bebe sete a catorze bebidas numa única ocasião.

Em Portugal, o binge drinking tem sido traduzido por consumo ou ingestão esporádica excessiva de álcool. Não se deve confundir este termo com intoxicação ou embriaguez, que pode ser definida como uma condição que se segue à ingestão de álcool e que resulta em perturbações no nível de consciência, cognição, percepção, julgamento, afecto, comportamento ou outras funções e respostas psicofisiológicas (WHO, 1994).

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2.3.2.3. Perturbações relacionadas com o álcool

O consumo de risco, nomeadamente o consumo esporádico excessivo, está associado ao aparecimento de perturbações relacionadas com o álcool. De acordo com o DSM IV-TR (APA, 2000) existem perturbações pela utilização do álcool e perturbações induzidas pelo álcool. Na primeira categoria inserem-se: 1) dependência do álcool; 2) abuso do álcool. Estas perturbações seguem os mesmos critérios gerais que outras perturbações pela utilização de substâncias. Nas Tabelas 2 e 3, é possível observar os critérios de diagnóstico, patentes no DSM, aplicados ao caso do álcool.

Tabela 2 Critérios de dependência do álcool, segundo o DSM-IV-TR

105 Tabela 3 Critérios de abuso do álcool, segundo o DSM-IV-TR

Nota. Adaptado de Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders IV-TR, por APA, 2000, p. 199.

Como se pode constatar, ambas as perturbações têm a mesma moldura temporal, o espaço de um ano, no entanto, a dependência exige o cumprimento de mais critérios do que o abuso. A dependência corresponde ao que tradicionalmente se entendia por alcoolismo, termo este que caiu em desuso por ser considerado difuso, não constituindo, por isso, uma entidade nosológica definida actualmente.

Para além das perturbações da utilização do álcool, o DSM-IV TR prevê a existência de perturbações induzidas pelo álcool. Nesta categoria incluem-se, entre outras, a intoxicação pelo álcool e a abstinência do álcool. A primeira, também denominada embriaguez, caracteriza-se pela presença de alterações psicológicas ou desadaptativas, clinicamente significativas que se desenvolvem logo após a ingestão de álcool, como comportamento sexual ou agressivo desadequado, instabilidade de humor e perturbações da capacidade de discernimento. A segunda tem como aspecto fundamental a síndrome de abstinência, que se desenvolve após a paragem ou redução da utilização prolongada e maciça de álcool e que se caracteriza por sintomas como

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aumento do tremor das mãos, insónia, agitação psicomotora, náuseas, vómitos e alucinações (APA, 2000

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