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Teoria da Adultez Emergente de Arnett

CAPÍTULO 1 – O ESTUDANTE DO ENSINO SUPERIOR

1. Perspectiva desenvolvimental

1.1. Teorias psicossociais

1.1.1. Teoria da Adultez Emergente de Arnett

As mudanças sociais ocorridas nos últimos cinquenta anos, nomeadamente o prolongamento na escolaridade e o aumento na idade média de casamento e da maternidade, causaram alterações a nível desenvolvimental nos jovens adolescentes e na casa dos vinte anos, oferecendo-lhes mais tempo para poderem explorar possíveis direcções para o rumo da sua vida. Segundo Arnett (2004, p.3) “for today’s young people, the road to adulthood is a long one”, ou seja, a idade adulta chega cada vez mais tarde e de uma forma gradual. Baseando-se nessa premissa, o mesmo autor (2000), criou uma nova teoria do desenvolvimento direccionada especialmente aos jovens entre os 18 e os 25 anos das sociedades industrializadas, propondo o conceito inovador de “adultez emergente”.

Antes de continuar, esclarece-se que a utilização do termo “adultez” para traduzir

15 enquanto outros recorrem a “adultícia”. Apesar disso, tendo em conta que as publicações em Português sobre a teoria de Arnett têm, em geral, adoptado a expressão “adultez emergente” (e.g. Mendonça, Andrade, & Fontaine, 2009; Monteiro, Tavares, & Pereira, 2009), à semelhança de algumas publicações em Espanhol (e.g. González, Cuéllar, Miguel, & Desfilis, 2009), decidiu-se utilizá-la no presente estudo.

Para Arnett, a adultez emergente é, então, uma nova fase no ciclo de vida que não corresponde à adolescência nem à idade adulta, pois é distinta de ambas, tanto teórica como empiricamente. No que diz respeito à adolescência, o seu início costuma ser marcado pela entrada na puberdade, no entanto, o seu final não é assinalado por factores biológicos, mas sim por mudanças sociais. Tendo em conta a evolução social ocorrida nas últimas décadas, Arnett acredita que faz sentido definir a adolescência aproximadamente dos 10 aos 18 anos. Nesta faixa etária, os indivíduos partilham várias características, tais como experienciar as mudanças inerentes à puberdade, viver habitualmente com os pais, e frequentar o ensino básico ou secundário. A partir dos 18 anos, nenhuma destas características é normativa. Além disso, a idade de 18 anos marca várias transições legais, tais como a possibilidade de votar e de assinar documentos legais, pelo que os anos seguintes não deveriam ser denominados como adolescência tardia.

Uma alternativa possível, utilizada frequentemente, seria denominar os indivíduos com mais de 18 anos como jovens adultos. Aliás, os estudantes universitários, que se incluem nessa faixa etária, são habitualmente tratados como tal, na literatura (e.g. Ferreira & Ferreira, 2005). Por esse motivo, se mantém a utilização do termo “jovens adultos” na referência aos estudantes universitários, ao longo desta investigação.

Note-se, no entanto, que Arnett considera esse termo inapropriado e insatisfatório, por implicar que a pessoa já atingiu a adultez, o que não coincide com a avaliação subjectiva dos indivíduos nesta faixa etária. Com efeito, estes indivíduos não se vêem a si próprios como adolescentes, mas também não se consideram inteiramente adultos, ou seja, sentem que já abandonaram a adolescência, mas que ainda não entraram completamente na adultez. Dados recentes vêm corroborar que, entre estudantes universitários com idades entre 18 e 25 anos, a maioria se identifica como adulto emergente (41%) ou indecisa (33%), e apenas cerca de 25% se declararam adultos (Blinn-Pike, Worthy, Jonkman, & Smith, 2008; Nelson & Barry, 2005).

Por conseguinte, o autor desta teoria acredita que o termo “emergentes” capta melhor a dinâmica, a mudança e a fluidez inerentes a este período. Argumenta, ainda, que “jovem adultez” é um termo mais adequado para quem está na casa dos 30 anos.

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Por volta dessa idade as pessoas voltam a partilhar uma série de características, como ter uma carreira mais estável, estar casado, ter filhos, o que não acontece dos 18 aos 25 anos.

Poder-se-ia, entretanto, pensar que aqueles marcos demográficos seriam considerados, pelos jovens, como condições essenciais, para alcançar plenamente a adultez. No entanto, quando confrontados com a questão “O que é ser adulto?”, a maioria dos sujeitos referiu antes aspectos mais psicológicos, especificamente, aceitar responsabilidade por si próprio e tomar decisões independentes, referindo também a independência financeira. Estes critérios, em direcção à auto-suficiência enquanto pessoa, são atingidos gradualmente e até lá os indivíduos terão oportunidades para a exploração da identidade nas áreas de amor, trabalho e visão do mundo, maiores do que em qualquer outro período da vida (Arnett, 1997).

Para além do sentimento “in between”, entre a adolescência e a adultez, há mais quatro características que tornam a adultez emergente um período distinto: é a idade das explorações da identidade, da instabilidade, de estar auto-focado, e a idade das possibilidades (Arnett, 2004). Todas estas características, especialmente a exploração da identidade, levam a um desejo de obter uma variedade de experiências de vida antes de se assentar no papel de adulto, com todas as responsabilidades que isso acarreta. De entre essas experiências, incluem-se os comportamentos de risco, como o comportamento sexual de risco, os consumos de drogas e condução perigosa, como o excesso de velocidade ou conduzir sob o efeito do álcool, que ao contrário do que se poderia esperar, atingem o seu pico na adultez emergente e não na adolescência (Arnett, 2005).

Embora alguns adultos emergentes se envolvam em comportamentos de risco e possam mesmo desenvolver problemas sérios de saúde mental como abuso de substâncias ou depressão, de um modo geral, regista-se um aumento dos níveis de bem- estar e auto-estima e uma diminuição de sintomas como a depressão ao longo deste período. Apesar da heterogeneidade de vivências verificada, a maioria dos adultos emergentes constrói gradualmente as bases para uma vida adulta, apresentando-se saudável e adaptado aos desafios desenvolvimentais deste período, embora possa experienciar alguma ansiedade no confronto com os desafios que enfrenta (Arnett, 2007a, 2007b).

De facto, a ansiedade é compreensível, dada a instabilidade caracterizadora desta fase. Os indivíduos passam por inúmeras mudanças na sua vida, desde a mudança de curso, de residência ou de namorado(a), que os obrigam a constantes reajustes no seu

17 plano de vida. Em nenhum outro período da vida, as pessoas se confrontam com tantas mudanças e decisões como na adultez emergente (Caspi, 2002). A maior parte das tarefas deste período relacionam-se, por um lado, com o afastamento dos pais e com ligações a pares e parceiros românticos e, por outro lado, com a obtenção de educação, trabalho e independência financeira. A resolução destes desafios levará a uma transição saudável para a adultez, enquanto falhas poderão conduzir mais tarde a atrasos desenvolvimentais e problemas. As múltiplas fontes de stress internas e externas da adultez emergente podem contribuir para mudanças significativas na saúde mental, quer para melhor, quer para pior (Schulenberg, Bryant, & O’Malley, 2004; Schulenberg, Sameroff, & Cicchetti, 2004).

Nesta fase, os indivíduos estão também muito centrados em si mesmos, auto- focados, pois têm ainda poucas obrigações e compromissos, o que lhes proporciona grande liberdade de escolhas e autonomia no que diz respeito, quer às pequenas, quer às grandes decisões (Arnett, 1998). O auto-focus desempenha aqui um papel essencial em direcção à auto-suficiência e, consequentemente, à adultez. Os jovens têm oportunidades de exercer o seu poder de escolha, pois muito poucos aspectos da sua vida estão decididos e há talvez mais possibilidades do que em qualquer outro período de vida. Os jovens vivenciam essas possibilidades de forma muito positiva, acreditando plenamente que atingirão os seus objectivos de vida, algum dia no futuro.

Segundo Arnett, a teoria da adultez emergente não é universal, aplicando-se apenas às sociedades industrializadas, que sofreram muitas mudanças demográficas nos últimos anos, atrasando a entrada na adultez e permitindo aos jovens um período de experimentação. Embora as suas investigações tenham sido realizadas principalmente nos Estados Unidos da América e na Dinamarca, a “adultez emergente” parece ser um fenómeno transversal, aplicando-se a diversos países na Europa, apesar das suas diferenças culturais (Arnett, 2006; Eccles, Templeton, Barber, & Stone, 2003). Apesar de Portugal carecer de estudos sobre este tema, as mudanças sociodemográficas, ocorridas nas últimas décadas, serão fortes indicadores de que o fenómeno da adultez emergente se aplica também aos jovens portugueses (Monteiro, Tavares, & Pereira, 2009).

As teorias psicossociais de desenvolvimento humano como a de Erikson, e mais tarde a de Arnett, não estavam primeiramente direccionadas para o estudante universitário, mas o seu trabalho sobre identidade e desenvolvimento foi bem recebido entre investigadores e profissionais na área do ensino superior e criou um ambiente

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teórico fértil onde outros autores puderam desenvolver modelos específicos para o estudante universitário (Renn, Dilley, & Prentice, 2003).

Segundo Terenzini (1987), há duas classes de teorias que têm sido aplicadas à compreensão do estudante universitário. Uma primeira classe é a das teorias

psicossociais, dominada, embora não exclusivamente, por teorias de estádios, que

postulam uma série de níveis de desenvolvimento através dos quais os indivíduos passam numa sequência hierárquica. Alguns exemplos são as teorias de Chickering (1969), Perry (1970) e Loevinger (1976).

Uma segunda classe de teorias é composta por modelos que analisam o estudante universitário, mas que, em vez de se centrarem no seu desenvolvimento individual, se focam nas origens ambientais do seu desenvolvimento, particularmente nas fontes de mudança que estão no exterior do indivíduo. Denominadas teorias ou

modelos do impacto, identificam conjuntos de variáveis que presumivelmente exercem

influência sobre um ou mais aspectos de mudança no estudante, variáveis essas que podem ser relacionadas com o estudante (e.g. rendimento académico prévio, estatuto socioeconómico), estruturais e organizacionais (e.g. selecção, tipo de controlo) e, ainda, ambientais (e.g. ambiente académico cultural e político criado pelos estudantes e outros membros da instituição). Os principais modelos nesta categoria são os de Astin (1984), Tinto (1975, 1987) e Pascarella (1985). Estes modelos de impacto consideram que o ensino superior, além de proporcionar conhecimento e sucesso académico, possibilita também uma vasta gama de oportunidades para o desenvolvimento de relações sociais e interpessoais. No primeiro grupo é dado destaque à Teoria de Chickering, enquanto no segundo grupo merece especial atenção a teoria de Astin.