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O risco numa perspectiva desenvolvimental

CAPÍTULO 3 – COMPORTAMENTOS DE RISCO LIGADOS AO ÁLCOOL NOS ESTUDANTES

2. Comportamentos de risco na universidade

2.1. O risco numa perspectiva desenvolvimental

“There’s a time and place for everything and it is called college” (desconhecido)

Embora os comportamentos de risco tenham, em geral, o seu início na adolescência, o pico de muitos deles é atingido durante a adultez emergente, tendo

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depois tendência a diminuir na idade adulta. Aliás, os comportamentos de risco parecem relacionar-se com questões desenvolvimentais. Um estudo realizado com estudantes do ensino superior com idades compreendidas entre os 18 e os 25 anos, mostrou que aqueles que se consideravam adultos emergentes, ou seja, que por um lado sentiam que já não eram adolescentes, mas ao mesmo tempo não se percepcionavam completamente como adultos, apresentavam maior consumo de álcool, mais episódios de consumo esporádico excessivo e maior consumo de tabaco do que aqueles que já se consideravam adultos (Blinn-Pike et al., 2008). Estes dados não são surpreendentes ao ter em conta que a adultez emergente é um estádio de vida caracterizado precisamente pelo risco e pelo teste dos limites que poderão desempenhar um papel importante na construção da identidade (Arnett, 2000).

No caso dos estudantes do ensino superior, para além das questões desenvolvimentais, não se devem ignorar as particularidades do meio universitário. Embora os dados disponíveis mostrem que os indivíduos que já apresentavam mais comportamentos de risco no ensino secundário sejam os que apresentam também mais comportamentos no primeiro ano da universidade, regista-se um aumento em alguns comportamentos de risco como o número de parceiros sexuais, e a frequência de consumo de álcool e marijuana (Fromme, Corbin, & Kruse, 2008). A prática de comportamentos de risco no ensino superior parece ser normativa, tanto que uma investigação com estudantes alemães que avaliou quatro comportamentos de risco concluiu que apenas 2% dos estudantes não tinham qualquer comportamento de risco, ao passo que 10.5% apresentavam um, 34.5% dois, 34.8% três e 18.2% os quatro (Keller, Maddock, Hannöver, Thyran, & Basler, 2008).

Com efeito, parece haver algo na universidade que incita ou facilita a experimentação de um modo que outros contextos não o fazem. Hoje em dia, a universidade parece criar um ambiente que encoraja um período de experimentação mais longo do que o vivenciado pelas gerações anteriores e talvez mais longo do que o experienciado pelos adultos emergentes que não a frequentam. Numa investigação que usou métodos qualitativos para explorar o significado pessoal dos comportamentos de experimentação e do seu paradoxo em adultos emergentes na universidade, notou-se que muitos estudantes recorreram espontaneamente à expressão “cultura da universidade” (Dworkin, 2005). Esta cultura caracteriza-se por lhes fornecer a oportunidade de experimentação num contexto de independência dos pais, o que pode incluir mesmo o questionamento dos valores que os pais lhes tinham incutido.

95 Os estudantes atribuíram os seus níveis elevados de experimentação a duas transições primárias: a transição do secundário para a universidade e transição para maior independência. A primeira transição implica principalmente uma mudança de ambiente. Os dados indicam que a intensidade da experiência varia consoante tenham ou não saído de casa, a distância para onde foram e quão diferente o novo ambiente é. Com efeito, os estudantes não deslocados descrevem manter muito mais contacto com as suas famílias e, por isso, estão mais influenciados pelas crenças dos seus pais ou, pelo menos, sentem-se obrigados a respeitar mais as crenças dos seus pais, enquanto morarem com eles. A segunda transição descrita foi o aumento da independência, que foi vivenciada pelos estudantes de uma forma geral. Independentemente de ainda viverem ou não com os pais, o que é certo é que começaram a passar menos tempo com eles.

Para além disso, a maior parte dos estudantes admitiu ter poucas responsabilidades do mundo real (e.g. financeiras). Na universidade eles são responsáveis por tomar as suas próprias decisões, relativamente livres das responsabilidades do mundo real, e encontram-se rodeados por outros jovens a tomarem as mesmas decisões. A crescente autonomia e o poder de decisão nas suas escolhas parecem ser dois factores relevantes na compreensão dos estilos de vida dos universitários (Dinger & Waigandt, 1997). Os estudantes parecem ter a consciência da sua liberdade e da ausência de responsabilidades no presente, prevendo, no entanto, que mais tarde não terão oportunidade de realizar uma série de acções. É sob o lema “só se é novo uma vez”, que experimentam alguns comportamentos como o consumo de álcool, tabaco e drogas (Ravert, 2009).

Note-se que, apesar de habitualmente se conotar a experimentação de uma forma negativa, esta pode desempenhar algumas funções desenvolvimentais. Há dados que mostram que os jovens que experimentam, de uma forma controlada, os comportamentos de risco, apresentam resultados desenvolvimentais mais positivos. Por exemplo, o uso de substâncias parece facilitar a relação entre pares nos adolescentes, promovendo a aceitação e o envolvimento, enquanto o álcool pode propiciar oportunidades para a aprendizagem e crescimento (Maggs & Hurrelmann, 1998; Schulenberg, Maggs & Hurrelmann, 1997). Apesar disso, a fronteira entre a experimentação saudável e o perigo de participar em comportamentos que podem ter consequências muito negativas, como a condução sob o efeito de álcool e a actividade sexual desprotegida, é deveras ténue e ambígua.

Os universitários parecem encarar os comportamentos de experimentação e o risco como oportunidades de aprendizagem e crescimento, considerando-os por isso

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importantes, mesmo que possam ter consequências negativas (Dworkin, 2005). Aliás, muitos estudantes consideram que há poucas consequências dos seus comportamentos, o que é consistente com a literatura que indica que muitos jovens não experienciam, de facto, consequências negativas da participação em comportamentos de risco (Arnett, 1991).

Tendo em conta que os estudantes com mais recursos desenvolvimentais terão menor probabilidade de se envolverem em comportamentos de risco, como a violência, o abuso de álcool e outras drogas, ou a actividade sexual de risco, os investigadores do

Search Institute procuraram identificar quais os factores protectores (Search Institute,

2007). Concluíram que, quer factores externos como o suporte familiar, influências positivas dos pares, elevadas expectativas dos pais e uso construtivo do tempo, quer factores internos como o envolvimento no meio académico, competências sociais, valores positivos e elevada auto-estima, podem ter um papel protector em relação ao risco.