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Permanência versus abandono e (in)sucesso académico

CAPÍTULO 1 – O ESTUDANTE DO ENSINO SUPERIOR

2. Desafios do ensino superior

2.2. Permanência versus abandono e (in)sucesso académico

Embora muito se tenha escrito acerca do impacto de variados factores na adaptação dos estudantes ao ensino superior e passagem do primeiro para o segundo ano, existem lacunas consideráveis na compreensão da permanência do estudante na universidade após o primeiro ano. Este tema reveste-se de uma premência ainda maior ao constatar que grande parte dos estudantes no nosso país sente, em algum momento do seu percurso universitário, vontade de desistir e que cerca de 12% acaba mesmo por fazê-lo (Bento, 2008; Mendes et al., 2008).

Se há cerca de 40 anos, quando se começou a estudar a permanência no ensino superior, esta era vista somente como o reflexo de atributos individuais, competências e motivação do estudante, com o passar do tempo começou a ter-se em linha de conta o ambiente, em particular a instituição, na decisão do estudante permanecer ou abandonar os seus estudos (Tinto, 2006). Hoje em dia, sabe-se que alguns dos factores importantes

29 são questões financeiras, aspirações académicas, desempenho académico, boa integração e grau de envolvimento (Nora, Barlow, & Crisp, 2005; Tinto, 1987). Mais especificamente, factores como boas relações estabelecidas com colegas e professores, bom ambiente na faculdade e perspectivas profissionais futuras podem contribuir para que um estudante permaneça no curso, mesmo nem sendo a sua primeira opção.

Por outro lado, entre os factores que se relacionam com o abandono, estão problemas psicológicos como depressão, ansiedade, ou problemas de concentração e atenção, bem como problemas de relacionamento com os namorados, problemas económicos, dificuldades de adaptação à instituição, dificuldades por se encontrarem fora do agregado familiar, bem como dificuldades nos estudos (Albuquerque, 2008). É possível, então, concluir que os factores associados com o abandono têm uma natureza multi-causal e que se relacionam não apenas com variáveis pessoais e características académicas do estudante, mas igualmente com variáveis contextuais (Kim, Newton, Downey, & Benton, 2010).

Permanecer no ensino superior até concluir o curso é um desafio para o estudante. Um desafio ainda maior será o de percorrer o ensino superior com sucesso. Note-se que o sucesso pode ser encarado num duplo sentido. Num sentido mais restrito, corresponde ao sucesso académico, ao passo que num sentido mais amplo remete para o sucesso educativo. Enquanto o primeiro se limita mais às aprendizagens e rendimento curricular, o segundo engloba o desenvolvimento psicossocial do aluno e um conjunto mais amplo de competências transversais que podem e devem ser promovidas durante um curso de ensino superior (Almeida, 2002). Em concordância com o segundo sentido, Tavares e Huet (2001), afirmam que o sucesso académico:

Não poderá, na realidade, ser medido apenas pelo rendimento escolar atingido nas diferentes disciplinas do seu plano de estudos e pelo nível mais ou menos elevado das suas classificações. Hoje, conta, sobretudo, o seu desenvolvimento integrado pessoal e social, o seu equilíbrio, o bom senso e maturidade, a sua capacidade de criatividade e de desenvolver relações humanas entre pares e superiores hierárquicos e de ajudar a resolver tensões e conflitos em ambientes de trabalho […]. Sucesso académico integra, por um lado, de alguma forma o sucesso familiar, escolar, educativo e, por outro, possibilita e potencializa o sucesso social, profissional, cultural, axiológico, numa palavra, humano (p.150).

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Numa revisão de literatura, Kuh e colaboradores (2006) salientam alguns dos factores que influenciam o sucesso académico: 1) características e experiências pré- universidade, incluindo a qualidade da preparação académica no ensino secundário, o nível de educação da família, estatuto socioeconómico, nível financeiro; 2) comportamentos, actividades e experiências na universidade como expectativas, envolvimento nas práticas educacionais (e.g. relações entre estudante e universidade, interacções com os pares, contacto com diversidade, actividades curriculares, satisfação do estudante), e características do estudante (e.g. raça, estudantes internacionais, transferência de estudantes, atletas); 3) condições institucionais, nomeadamente políticas, programas, práticas e aspectos culturais.

Por sua vez, Martins (2004) considera que são quatro as grandes causas de insucesso académico, e que estas se encontram: 1) no aluno, que pode chegar à universidade sem suficiente preparação científica, académica e social; 2) na universidade, que considera o aluno não pelo que comporta quando nela entra mas por padrões idealizados; 3) na natureza das representações dos alunos e das suas práticas sociais e escolares; 4) nos processos de ensino-aprendizagem, o que inclui os professores. No que diz respeito aos alunos do primeiro ano, a preparação académica, consubstanciada na nota de acesso ao ensino superior parece ser um preditor mais forte do rendimento académico do que as competências de estudo ou estratégias de aprendizagem (Soares, Guisande, Almeida, & Páramo, 2008). Nos anos seguintes, outros factores podem ganhar mais relevância, como o compromisso com a área académica e a satisfação com as interacções com a instituição.

O insucesso e o abandono académico, embora constituindo-se como problemas distintos, parecem partilhar factores etiológicos, resultando na generalidade de um desajustamento entre factores individuais, centrados no aluno, e factores contextuais, como os docentes ou outros elementos da instituição, ou do próprio meio envolvente no qual está inserido o aluno (Vasconcelos, Almeida, & Monteiro, 2009). Por conseguinte, só será possível promover plenamente a permanência e o sucesso académico intervindo num contexto multidisciplinar (Martins & Jesus, 2007; Pereira et al., 2006).

As instituições do ensino superior deverão ter, neste âmbito, um papel activo, tomando medidas que podem passar pela aposta em: identificação de estudantes de risco; serviços de apoio psicológico; programas de mentorado e de aconselhamento de pares; comunidades de aprendizagem, isto é, pequenos grupos de estudantes que participem num ambiente que promova a coesão, objectivos partilhados, e um percurso integrado e contínuo de experiências dentro e fora das aulas; intervenções que

31 promovam a interacção entre pessoal das instituições e alunos e programas facilitadores da transição e adaptação em alunos do primeiro ano (McCarthy, 2004; Patton, Morelon, Whitehead, & Hossler, 2006; Taveira, 2001).