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CAPÍTULO 3 – COMPORTAMENTOS DE RISCO LIGADOS AO ÁLCOOL NOS ESTUDANTES

2. Comportamentos de risco na universidade

2.3. Consumo de álcool

2.3.5. O álcool e as festas académicas

As festas académicas são momentos de celebração dos estudantes do ensino superior. Habitualmente há duas festas académicas por ano lectivo em Portugal: uma no princípio do ano, para dar as boas-vindas aos alunos que iniciam os seus estudos no ensino superior e outra no final do ano lectivo, que comemora a passagem de ano. A primeira costuma realizar-se em Setembro ou Outubro e costuma designar-se “Recepção ao Caloiro”, sendo denominada “Festa das Latas” ou simplesmente “Latada” em Coimbra. A segunda efectua-se habitualmente em Maio e apresenta nomes variados como “Queima das Fitas” em Coimbra, Porto e Évora, “Enterro” em Aveiro, “Enterro da Gata” na Universidade do Minho, e apenas “Semana Académica” noutras instituições. Apesar dos diferentes nomes, todas estas festas têm em comum o facto de serem momentos de comemoração, convívio e mesmo euforia. Como tal, surgem como contextos propícios à adopção de comportamentos de risco, nomeadamente no que diz respeito aos consumos de substâncias.

O álcool destaca-se por ser a substância mais consumida nestas ocasiões, encontrando-se intimamente ligado à cultura das festas académicas, nas quais o seu consumo, mesmo excessivo, é incentivado e visto como normativo. Aliás, as referências ao seu consumo são inúmeras e começam na publicidade às próprias festas. Um estudo que analisou a presença de estímulos relacionados com o consumo de álcool em cartazes de festas académicas no Brasil apurou que em 80% dos cartazes, esses estímulos estavam presentes. As referências ao uso e abuso de álcool apareciam em elementos como os nomes ou o tema da festa, a disponibilização de bebidas, imagens alusivas ao álcool ou mesmo logótipos de marcas de bebida. A maioria dos cartazes (73.2%) tinha dois ou mais destes elementos (Musse, 2008).

O facto de o álcool ser uma substância lícita, relativamente barata, associada à diversão e entretenimento, contribui para que seja a substância de eleição durante as festas. Efectivamente, a maioria dos estudantes participa nas festas académicas para se divertir e concorda que “beber é uma das formas mais agradáveis de festejar”. Ainda assim, há quem frequente as festas especificamente “para beber” (Homem, Brito, Santos, Simões, & Mendes, 2010). Seja o álcool um meio ou um fim em si mesmo, os dados disponíveis indicam que cerca de metade dos estudantes aumenta o seu consumo de álcool durante as festas (Cabral, 2007).

No que diz respeito ao padrão do consumo nas festas académicas, o projecto “Antes que te queimes”, realizado em Coimbra, revelou alguns resultados interessantes (Homem et al., 2010). A maior parte dos estudantes (65%) referiu “beber antes e durante

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a festa”, enquanto 5,9% bebiam “depois do almoço até ao deitar” e 5,9% dos jovens bebiam “desde o levantar até ao deitar”, sendo muitas vezes o acordar coincidente com a hora do almoço, na altura das festas académicas. A bebida preferida era a cerveja, seguida das bebidas destiladas. Os homens eram os que mais bebidas ingeriam e que mais experienciavam a embriaguez. Com efeito, a média de Unidades de Bebida Padrão (UBP) consumidas pelos participantes foi de 9,94 ± 7,54 para os indivíduos do sexo masculino e de 6,02 ± 5,40 para os do sexo feminino, sendo que 82,2% dos homens e 70.8% das mulheres afirmaram ter-se embriagado em festas anteriores. Destes, 41% dos homens e 27.6% afirmavam tê-lo feito todas as noites em que foram a essas festas.

Num estudo que comparou o consumo de álcool nas festas académicas de Aveiro, Leiria e Coimbra, concluiu-se que era em Aveiro que a taxa de alcoolemia era mais elevada e que os estudantes desta universidade eram os que apresentavam também valores médios mais elevados no AUDIT. Os resultados deste estudo permitem concluir que, nas três cidades estudadas, consumir álcool abusivamente faz parte das tradições académicas, sendo que o contexto de tradição oferece maior estímulo ao consumo e aos problemas relacionados com o consumo abusivo (Agante, Brito, & Rodrigues, 2010).

Se é verdade que o álcool se encontra frequentemente associado a problemas e a comportamentos de risco, nas festas académicas esta associação é ainda mais visível. Por exemplo, a embriaguez neste contexto encontra-se associada ao consumo de tabaco e de drogas, aos comportamentos violentos, condução sob o efeito de álcool e comportamentos sexuais de risco (Azevedo et al., 2010; Homem et al., 2010). Dados do projecto “Antes que te queimes” revelam que, dos 3350 participantes, 53,9% já conduziram sob o efeito do álcool e 64,6% já foram conduzidos por alguém sob o efeito do álcool. Para além disso, 44,5% dos jovens referiram que nos últimos seis meses fizeram sexo sob o efeito do álcool, pelo menos uma vez.

Em todos estes comportamentos, a percentagem foi maior para os homens do que para as mulheres. Este estudo conclui ainda que os estudantes que mais bebiam eram os que mais frequentavam as festas, tinham mais parceiros e faziam mais sexo desprotegido sob o efeito do álcool (Ferreira, Homem, & Brito, 2010). Uma investigação realizada no Enterro da Gata de 2009, na Universidade do Minho, revelou que 20% conduziram com fadiga, entre 5 a 8% dos estudantes envolveram-se em actos de violência e cerca de um terço dos estudantes teve dificuldade em recordar momentos da noite anterior (Azevedo, Elias, Ferreira, Samorinha, & Maia, 2010).

113 Os dados apresentados indicam que o consumo de álcool é indissociável das festas académicas, sendo encarado como parte integrante destas, por muitos estudantes. Embora os principais motivos para o consumo sejam a diversão, a comemoração e o convívio, o consumo saudável é frequentemente ultrapassado, dando lugar ao consumo excessivo e à embriaguez. Como consequência, um grande número de estudantes acaba por experienciar problemas associados ao álcool e por se envolver noutros comportamentos de risco como a condução sob o efeito de álcool, os comportamentos sexuais de risco ou a violência, que colocam em risco não apenas a sua saúde e integridade física, como de terceiros.