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Tradução e adaptação do Behavioral Health Measure-20 (BHM-20)

PARTE II – ESTUDO EMPÍRICO

CAPÍTULO 5 – ESTUDO PRELIMINAR: PREPARAÇÃO DOS INSTRUMENTOS

1. Tradução e adaptação do Behavioral Health Measure-20 (BHM-20)

Apesar da definição de saúde mental proposta pela Organização Mundial de Saúde ser marcadamente positiva, a ciência tem-na considerado, por defeito, como a ausência de psicopatologia, o que é visível nalguns instrumentos ainda hoje utilizados. Por exemplo, o Symptom Checklist-90-R (SCL-90-R; Derogatis, 1977) é um questionário de auto-resposta que tem sido utilizado como medida de saúde mental, mas dá conta apenas de sintomas de distress psicológico. Inclui três índices globais de distress e nove dimensões de sintomas.

Outros instrumentos, contudo, têm tentado ultrapassar aquela visão, como é o caso de:

- Mental Health Inventory (MHI; Brook et al., 1979), que inclui itens para medir tanto o distress psicológico como o bem-estar psicológico, que estão organizados em cinco escalas: ansiedade; depressão; perda de controlo emocional/comportamental; afecto positivo; laços emocionais (Pais Ribeiro, 2001); - Escala de Avaliação Global de Funcionamento (AGF; Endicott, Spitzer, Fleiss, & Cohen, 1976), incluída posteriormente no DSM-III-R (APA, 1987), para medir o eixo V, ou seja, o funcionamento psicológico, social e ocupacional. A pontuação máxima (90-100 numa escala de 0 a 100), corresponde não apenas à ausência de sintomatologia, mas também a um funcionamento superior num largo espectro de actividades, no qual os problemas da vida nunca parecem ficar sem solução e o sujeito é procurado por outros devido às suas muitas qualidades positivas;

- General Health Questionnaire (GHQ; Goldberg & Hillier, 1979), denominado

Questionário de Saúde Geral na versão portuguesa (Pais Ribeiro & Antunes, 2003), apropriado para avaliar a saúde mental ou o bem-estar psicológico, sendo utilizada para identificar, quer a incapacidade para realizar as actividades que são usuais numa pessoa saudável, quer o aparecimento de fenómenos stressantes novos.

Apesar de os instrumentos referidos estarem já adaptados para a população portuguesa, pretendia-se, neste trabalho, caso fosse possível, utilizar instrumentos direccionados especificamente para os estudantes do ensino superior, de modo que tivessem em consideração as suas especificidades. Assim, ao tomar contacto com o

Behavioral Health Measure-20, da autoria de Kopta e Lowry (2002), este afigurou-se

157 este questionário avalia, de uma forma rápida, a saúde mental numa perspectiva positiva. Embora não se destine exclusivamente a estudantes, é feito também a pensar neles, sendo utilizado em várias instituições do ensino superior nos Estados Unidos.

De seguida, é apresentado o estudo para investigação das características psicométricas do BHM-20, com vista à sua adaptação para população portuguesa.

1.1. Método

Participantes

A amostra deste estudo foi composta por 321 estudantes do 1º ao 5º ano de licenciatura pré-Bolonha das seguintes instituições: Universidade de Aveiro, Universidade de Coimbra, Instituto Politécnico de Viseu e Instituto Superior Técnico de Lisboa. As suas idades variaram entre os 18 e os 44 anos (M=21; DP=3.06). Destes estudantes, 61.1% eram do sexo feminino (n=196) e os restantes 38.9% (n=125) do sexo masculino. Os cursos frequentados inseriam-se nas áreas de Humanidades (38.9%), Engenharias (34.6%) e Ciências Naturais (26.5%). No que diz respeito à sua residência, 34.7% dos sujeitos mantinham a sua morada habitual, enquanto 61.7% estavam deslocados e 4% foram omissos nesta informação.

Descrição do instrumento

O Behavioral Health Measure-20 (anteriormente designado Behavioral Health

Questionnaire-20) (Kopta & Lowry, 2002) é um questionário de auto-resposta, composto

por 20 itens, que avalia a saúde mental através das seguintes escalas: Bem-estar (3 itens), Sintomas Psicológicos (13 itens) e Funcionamento (4 itens). A escala do Bem- Estar destina-se a avaliar o sofrimento emocional, motivação/energia e satisfação com a vida. A escala de Sintomas abrange áreas como a depressão, ansiedade, abuso de álcool e de tabaco e risco (tanto para o próprio como para os outros). O Funcionamento refere-se à forma como um indivíduo lida com áreas de vida como o trabalho/escola, relacionamentos íntimos, relações sem ser com membros da família e prazer na vida. Ao somar os 20 itens, obtém-se um índice de Saúde Mental Global. A resposta aos itens reporta-se às duas últimas semanas e é dada através de uma escala Likert de 0 (que representa sofrimento extremo/mau funcionamento) a 4 (sem sofrimento/excelente funcionamento) Quanto maior a pontuação, melhor o nível de saúde mental, o que

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significa que, no caso da escala de sintomas, quanto mais elevada for a pontuação, menos sintomas terá o sujeito. Em Português, este instrumento denominou-se Medida de Saúde Comportamental-20 ou MSC-20 (Santos, Pereira, & Veiga, 2008b).

Procedimento de tradução e adaptação

A adaptação deste instrumento ao contexto português percorreu várias etapas. O primeiro passo foi a tradução e retroversão dos itens pelos investigadores e por especialistas que dominam a língua inglesa. De seguida, os investigadores compararam a retroversão com a original e efectuaram algumas alterações, de modo a aproximar a versão traduzida do original, tendo em conta não só o conteúdo semântico, mas também a equivalência gramatical e lexical. A versão preliminar do questionário foi apresentada a 20 sujeitos, representantes da população alvo, recorrendo-se ao método da reflexão falada ou “thinking aloud”, que consiste na aplicação do instrumento e no registo das verbalizações dos sujeitos, que, instruídos para tal, comunicam as suas impressões face a cada item, os processos utilizados na resposta, as facilidades e dificuldades encontradas (Almeida & Freire, 2007). Com base neste procedimento foram detectadas algumas ambiguidades e redudâncias, que levaram à reformulação de alguns itens e à remoção de outros. Passada esta fase, os instrumentos foram aplicados à referida amostra de 321 estudantes.

1.2. Resultados

Na investigação psicométrica da versão original, a amostra foi constituída, não apenas por estudantes universitários, mas também por adultos da comunidade e indivíduos seguidos em terapia, sendo que todos estes grupos foram analisados separadamente. Neste estudo, dado que a amostra portuguesa é constituída por estudantes do ensino superior, as comparações foram, sempre que possível, feitas com os dados referentes à amostra de estudantes universitários da versão original.

Na Tabela 6 é apresentada a comparação entre as médias obtidas com a amostra portuguesa e com a amostra americana.

159 Tabela 6 Comparação das médias e desvios-padrão da amostra portuguesa com a

amostra americana (versão original)

Amostra portuguesa (n=321) Amostra americana (n=465)

Escala M DP M DP

Saúde Mental Global 2.91 .49 3.13 .51

Bem-Estar 2.23 .74 2.46 .75

Funcionamento 3.13 .50 2.85 .65

Sintomas 2.71 .61 3.22 .60

Verifica-se que em todas as sub-escalas, à excepção do Funcionamento, as médias obtidas com a adaptação foram mais baixas do que as obtidas com a versão original.

Fidelidade

A fidelidade foi avaliada através da consistência interna. Na Tabela 7 comparam- se os valores de alfa obtidos na versão portuguesa com os valores obtidos na versão original.

Tabela 7 Consistência interna obtida na versão portuguesa e na versão original

Amostra portuguesa (n=321) Amostra americana (n=465)

Escala Alfa de Cronbach Alfa de Cronbach

Saúde Mental Global .88 .89-.90

Bem-Estar .70 .65-.74

Funcionamento .71 .72-.77

Sintomas .83 .85-.86

Nota: No estudo original, os autores apresentam apenas o intervalo dos valores de alfa para cada escala, não especificando que valor corresponde a cada grupo (estudantes, amostra clínica e não clínica).

Como se pode constatar, os valores da consistência interna obtidos na amostra portuguesa são adequados e não diferem muito dos obtidos com a versão original. Note- se que a escala que teve um valor mais baixo foi o Bem-estar.

Validade

Para avaliar a validade convergente, comparou-se o resultado da escala total com uma medida de depressão. Neste caso, como a amostra era constituída exclusivamente por alunos do ensino superior, utilizou-se o Inventário de Depressão para Estudantes Universitários. Os resultados mostram uma correlação negativa elevada e significativa (r=

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-.65, p<.001), ou seja, quanto mais deprimidos estavam os sujeitos, mais baixo o nível da sua saúde mental.

Independência das escalas

Efectuaram-se correlações Pearson para avaliar a independência das escalas umas em relação às outras (Tabela 8).

Tabela 8 Correlações Pearson entre as sub-escalas do MSC-20

Sub-escalas Saúde M. Global Bem-Estar Sintomas Funcionamento

Saúde M. Global 1 Bem-Estar .78** 1 Sintomas .94** .60** 1 Funcionamento .76** .61** .56** 1 ** p< .01

Verifica-se que na versão portuguesa, tal como na original, todas as correlações foram altas e significativas, tendo variado entre 0.56 (Sintomas/Funcionamento) e .94 (Saúde Mental Geral/Sintomas), enquanto na escala original esses valores variaram entre .66 (Sintomas/Funcionamento) e .95 (Saúde Mental Global/Sintomas).

1.3. Comentário

Com base na análise psicométrica efectuada, pode considerar-se que a versão portuguesa deste instrumento é fiável, tendo-se obtido valores satisfatórios, tanto na escala total, como nas várias sub-escalas. Ainda a este respeito, é preciso ter em conta que as escalas com pontuação mais baixa, Bem-Estar (α=0.70) e Funcionamento (α=0.71) são também aquelas com menor número de itens, 3 e 4 itens respectivamente. Estes valores são compreensíveis e perfeitamente aceitáveis quando as escalas têm poucos itens, o que é o caso (Pais Ribeiro, 2007).

Ao inspeccionar a validade convergente do MSC-20 com uma medida de depressão, o Inventário de Depressão para Estudantes Universitários, obteve-se uma correlação negativa elevada e significativa (r= -0.65, p<.001), ou seja, quanto mais deprimidos estavam os sujeitos, menor a sua saúde mental. Estes resultados vão no

161 sentido esperado, corroborando resultados de estudos anteriores (Headey, Kelley, Wearing, 1993; Keyes, 2005), bem como da versão original (Kopta & Lowry, 2002).

Não foi realizada uma análise factorial, uma vez que na versão original a construção da escala não obedeceu a esse critério, tendo sido feita com base no conteúdo dos itens. De futuro, convém aprofundar os estudos sobre as características psicométricas da versão portuguesa, nomeadamente com uma análise da fidelidade através de teste-reteste. A nível da validade de constructo, poder-se-ia testar a sensibilidade à patologia, comparando as médias de várias amostras com diferentes graus de perturbação.