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O consumo de álcool no meio universitário

CAPÍTULO 3 – COMPORTAMENTOS DE RISCO LIGADOS AO ÁLCOOL NOS ESTUDANTES

2. Comportamentos de risco na universidade

2.3. Consumo de álcool

2.3.4. O consumo de álcool no meio universitário

“College attendance is a situational risk factor for heavy drinking” (Jackson, Sher, & Park, 2005, p. 87).

Tal como acontece com outros comportamentos de risco, também o consumo de álcool é mais elevado no jovem adulto do que em qualquer outro período do ciclo de vida (Grant & Dawson, 1997). A frequência do ensino superior parece aumentar ainda mais o risco de consumo para os jovens adultos. Em primeiro lugar, a transição do ensino secundário para o ensino superior é comummente marcada por um incremento na frequência de oportunidades para a interacção de pares, o que por sua vez poderá levar a um aumento na importância das normas percebidas relativamente ao consumo de álcool (Read, Wood, Kahler, Maddock, & Palfai, 2003; Schulenerg & Maggs, 2002). Com efeito, ingerir bebidas alcoólicas na universidade é percebido como um acto que aumenta a socialização, aproxima as pessoas e as torna mais desinibidas.

Acresce ainda o facto de a universidade ser caracterizada por um nível elevado de liberdade e baixo nível de responsabilidade, o que pode ser entendido como uma pausa no “mundo real”. Neste contexto, o consumo excessivo de álcool é permitido e encarado como algo natural, um componente integrante do seu meio social (Colby, Colby, & Raymond, 2009; Engineer, Phillips, Thompson, & Nicholls, 2003). Aliás, estima-se que dois em cada cinco estudantes, ou seja, cerca de 44% tenham episódios de ingestão excessiva de álcool (Wechsler et al., 2002). A aceitação do consumo de álcool nas universidades e o aumento da sua disponibilidade são também factores que podem conduzir a um aumento no consumo (White & Jackson, 2004).

Por conseguinte, não admira que aqueles jovens que entram na universidade registem um aumento mais acentuado no consumo (Reifman, Ro, Barnes, & Feng, 2010), apresentem taxas mais elevadas de consumo excessivo de álcool e estejam mais susceptíveis a receber um diagnóstico de abuso de álcool do que os seus pares que não frequentam o ensino superior (Kypri, Cronin & Wright, 2005; O’Malley & Johnston, 2002; Slutske, 2005). Um estudo inovador, que analisou uma série de perturbações do eixo I e do eixo II do DSM-IV, numa amostra representativa a nível nacional nos Estados Unidos, de estudantes universitários e de pares não universitários, concluiu que as perturbações

109 mais frequentes nos estudantes eram as associadas ao uso de álcool e que os estudantes tinham uma probabilidade maior de ter uma perturbação de uso de álcool nos últimos 12 meses do que os não estudantes (Blanco et al., 2008).

De facto, estima-se que as perturbações de consumo de álcool sejam prevalecentes entre os estudantes. Mais especificamente, um estudo de 2002 apontou para 31% de estudantes universitários a preencherem critérios para abuso de álcool e 6% os critérios de dependência de álcool, sendo que mais de 40% preenchiam pelo menos um sintoma de abuso ou dependência (Knight et al., 2002). Importa também referir que terço dos estudantes que procuram tratamento em serviços de saúde mental apresenta consumos problemáticos de álcool, com base nos resultados do AUDIT. Estes estudantes manifestam algumas dificuldades na utilização desses mesmos serviços, nomeadamente em termos de assiduidade (Seigers & Carey, 2010).

Para além disso, o álcool surge também frequentemente associado a outros comportamentos de risco, tais como beber e conduzir (Smart & Ogborne, 2000; Steptoe et al., 2004), violência (Giancola, 2002; Ferreira, 2008; Sommers & Sommers, 2006) e comportamento sexual de risco (Castilla, Barrio, Belza, & Fuente, 1999; Cooper, 2002; Sumnall, Beynon, Conchie, Riley, & Cole, 2007), que podem ter como consequências a morbilidade e mesmo a mortalidade, não apenas daqueles que bebem, mas também de terceiros (Hingston, Heeren, Winter, & Wechsler, 2005; Lown, Greenfield, & Rogers, 2007; Perkins, 2002; Weitzman & Nelson, 2004). Aos problemas mais imediatos do uso nocivo de álcool, juntam-se problemas futuros, a médio e longo prazo. Não só o consumo problemático no ensino superior prediz significativamente o consumo de álcool posterior, passados dez anos, constituindo um risco para a dependência, como também está relacionado com piores condições de emprego, uma década depois (Jennison, 2004; O’Neill, Parra, & Sher, 2001).

Se o álcool tem tantos efeitos negativos, o que leva os estudantes a beber? Os estudantes universitários podem beber por motivos “positivos” ou celebrativos ou para lidar com emoções negativas (Read et al., 2003). Alguns dos motivos “positivos” mais frequentes são o prazer, o aumento da confiança e do bem-estar, a diversão ou a convivialidade e a facilitação da interacção social (Baer, 2002; Webb, Ashton, & Kamali, 1996). Esses motivos ou objectivos parecem ser alcançados com o álcool.

Com efeito, parece haver uma associação entre o consumo de álcool e aspectos interpessoais. Por um lado, as ocasiões e os locais onde ocorrem os consumos são eminentemente sociais. Um estudo em Portugal mostrou que os momentos preferidos

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para o consumo de bebidas eram os dias de festa e encontros com amigos ou colegas e que os locais privilegiados eram os bares, as discotecas, os cafés e a própria casa (Cabral, 2007). Por outro lado, os estudantes que consomem álcool parecem apresentar percepções mais elevadas quanto às relações estabelecidas com o grupo de pares, ao envolvimento em relações de amizade e intimidade e às actividades extracurriculares de cariz social ou associativo (Rodrigues, Farate, & Pereira, 2010).

No caso em que os estudantes bebem para lidar com emoções negativas, como a ansiedade ou o stress, o seu consumo caracteriza-se por ser muitas vezes excessivo e por estar fortemente associado a problemas ligados ao álcool (Cooper, Agocha, & Sheldon, 2000; Labouvie & Bates, 2002). Os dados disponíveis indicam que a maioria consome álcool por motivos sociais e apenas uma pequena percentagem por motivos de

coping (Kuntsche, Knibbe, Gmel & Engels, 2005; Read et al., 2003). Um estudo

Português de 2010 vem precisamente confirmar esta tendência, ao demonstrar que os principais motivos para consumo de álcool são, por ordem decrescente: o prazer (25.7%), para ficar alegre (24%), para desinibir (18.7%), para esquecer os problemas do dia-a-dia (13.3%), para se relacionar com os outros que também bebem (7.9%), para se acalmar (7.4%), porque tem saudades da família e amigos (6.8%) e para esquecer problemas/ raiva face a namorado(a) ou amigos (5.9%) (Albuquerque, Ferreira, Pereira, & Oliveira, 2010).

Um estudo que comparou as consequências positivas e negativas do álcool para os estudantes revelou que o divertimento/socialização e a capacidade de se expressar parecem ser as consequências mais importantes para os estudantes. Concluiu ainda que as consequências positivas são mais extremas e frequentes do que as consequências negativas, sendo também mais significativas para os estudantes e mais influentes na decisão de continuar ou não a beber do que as consequências negativas (Park, 2004). De facto, quanto maiores as expectativas acerca dos efeitos positivos do álcool, mais elevado o seu consumo (Amaral, Lourenço, & Ronzani, 2006; Zamboanga, 2005).

A universidade é, por diversos motivos, um ambiente propício ao consumo de álcool, incluindo o consumo excessivo. Os estudantes vêem no álcool um meio acessível e barato para se divertirem, conviverem, festejarem e desinibirem. Embora estes objectivos sejam, no seu entender, alcançados, o preço a pagar pode ser muito caro, não apenas a curto, mas também a médio e longo prazo.

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