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A saúde mental dos estudantes: variações ao longo dos últimos anos

CAPÍTULO 2 – SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DO ENSINO SUPERIOR

2. A saúde mental dos estudantes

2.4. A saúde mental dos estudantes: variações ao longo dos últimos anos

A saúde mental dos estudantes do ensino superior é um assunto que tem preocupado cada vez mais a comunidade científica, em parte devido à divulgação de dados dos serviços de aconselhamento, que apontam para um aumento da prevalência e severidade dos problemas psicológicos dos alunos que procuram ajuda, a partir dos anos 80 (Association of University and College Counselling [AUCC], 2002; Furr, Westefeld, McConnel, & Jenkins, 2001; O’Malley, Wheeler, Murphey, O’Connel, & Waldo, 1990; Stone & Archer, 1990).

Com efeito, desde 1981 realiza-se, anualmente, o National Survey of Counseling

Center Directors, ou seja, um inquérito nacional aos directores dos centros de

aconselhamento de instituições do ensino superior dos Estados Unidos da América e do Canadá. Este inquérito tem como objectivos monitorizar as tendências dos centros de aconselhamento e fornecer aos directores dos vários centros, o acesso a opiniões e soluções de colegas a problemas e desafios nesse campo. As áreas abrangidas incluem questões administrativas, éticas e clínicas.

Ora, grande parte dos directores desses centros têm vindo a referir sucessivamente aumentos no número de clientes com problemas psicológicos graves, sendo que, em 2004, 86% dos directores acreditavam nesse aumento e em 2009 a percentagem era ainda maior, atingindo 93.4%. De entre os problemas que parecem ter aumentado, os directores destacam questões relacionadas com medicação psiquiátrica, crises, dificuldades de aprendizagem, auto-mutilações, uso de drogas, abuso de álcool, perturbações alimentares e abuso sexual (Gallagher & Taylor, 2009; Galllagher, Zhang, & Taylor, 2004).

Não restam dúvidas de que as pessoas à frente de serviços de aconselhamento têm a percepção de aumento dos problemas de saúde mental, mas saber até que ponto essas percepções são acompanhadas de dados objectivos é uma questão difícil de perceber (Arehart-Treichel, 2002; Gallagher, 2003; Sharkin, 1997). Para responder à crítica da falta de objectividade, Benton e colaboradores analisaram, em 2003, as

77 tendências nos problemas dos clientes de centros de aconselhamento, na perspectiva do terapeuta no final da terapia, tendo recorrido aos arquivos de 13 anos (1988-2001) de uma universidade americana, o que correspondeu aos ficheiros de mais de 13 mil alunos. Os seus resultados mostraram que os estudantes que frequentaram o aconselhamento em períodos mais recentes apresentam problemas mais complexos, tanto desenvolvimentais como problemas mais sérios, incluindo sintomas depressivos, ansiosos, ideação suicida, violação e perturbações de personalidade. Mais concretamente, o número de alunos com depressões duplicou e o número de estudantes com ideação suicida triplicou.

Apesar disso, este tema continuou a gerar controvérsia (Soet & Sevig, 2006) e têm sido tecidas várias críticas aos estudos realizados, nomeadamente limitações metodológicas que poderão contaminar os resultados (Sharkin, 2004; Sharkin & Coulter, 2005). Os estudos referidos, mesmo o de Benton e colaboradores que foi uma tentativa de aumentar a objectividade, baseavam-se nos dados do pessoal dos centros de aconselhamento, mas era necessário obter auto-relatos dos clientes dos centros, ou seja, dos estudantes. Dois estudos atenderam a essa necessidade, tendo analisado a percepção de sofrimento dos clientes ao chegar aos serviços de aconselhamento, através de medidas estandardizadas. Ambos examinaram as possíveis mudanças num espaço de 6 anos, mas não encontraram qualquer aumento durante este período (Cornish, Kominars, Riva, McIntosh, & Henderson, 2000; Pledge, Lapan, Heppner, Kivlighan, & Roehlke, 1998). Estes resultados foram corroborados por outro estudo mais recente que, apesar de indicar estabilidade nos problemas dos alunos, reporta um aumento no consumo de medicação (Schwartz, 2006a).

De qualquer modo, todos os estudos apresentados continuavam a ter uma limitação: ou se focavam exclusivamente na percepção do psicólogo ou somente na percepção do cliente acerca da sua psicopatologia, em vez de cruzarem dados mais objectivos e multidimensionais de ambos os grupos. O estudo de Kettman e colaboradores (2007) conseguiu superar essa limitação, pois reuniu auto-relatos de clientes e avaliações de psicólogos, e analisou um período de 7 anos (1999-2005) com recurso a variadas medidas, tendo concluído que não havia aumentos significativos na severidade da psicopatologia na população estudantil. Não obstante, os autores manifestam algumas reservas quanto à generalização dos seus resultados, nomeadamente o facto de terem analisado apenas uma instituição do ensino superior, o que poderá não ser representativo e o facto de o período de tempo analisado poder ser insuficiente para concluir acerca de uma tendência.

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Após analisar criticamente as evidências empíricas, Sharkin (2006) conclui que os estudantes de hoje apresentam, de facto, pior saúde mental que os de há uns anos atrás, mas que é preciso alguma cautela, pois grande parte dos dados provêm de percepções subjectivas dos psicólogos. Estas percepções poderão dever-se a uma melhoria nas suas capacidades de avaliação e diagnóstico, que levam os psicólogos a detectar mais facilmente a psicopatologia. Para além disso, é possível que, em parte, os dados existentes traduzam uma mudança de mentalidade através da diminuição do estigma associado ao apoio psicológico, ou seja, talvez os estudantes dos dias de hoje se sintam mais confortáveis para procurar ajuda e expor as suas dificuldades do que há uns anos atrás (Erdur-Baker, Aberson, Drapper, & Barrow, 2006).

Excluindo possíveis enviesamentos, como se pode explicar este agravamento de problemas nos estudantes? Há autores que defendem que este agravamento poderá estar relacionado com o aumento do número de jovens a frequentar o ensino superior, nomeadamente aqueles com problemas mentais sérios, que graças aos avanços da medicina, conseguem agora prosseguir os seus estudos com o auxílio de medicação, o que não era possível no passado (Gallagher, Gill, & Sysko, 2000). Depois, uma série de perturbações como a depressão, a esquizofrenia ou a perturbação bipolar costumam ter o seu início no final da adolescência ou no início da adultez, logo tendo em conta que os estudantes se encontram nessa faixa etária, é natural que reflictam esse fenómeno. Para além disso, é ainda necessário esclarecer se os problemas mentais já existiam, ou não, antes da entrada da universidade, o que só é possível através de estudos longitudinais.

Embora estes estudos sejam escassos, existem pelo menos dois que nos proporcionam algumas informações. O primeiro, realizado há mais de 20 anos, mostrou aumentos significativos no sofrimento psicológico nos indivíduos entre dois meses antes de ingressarem no ensino superior e seis semanas depois de estarem no curso (Fisher & Hood, 1987). Noutro estudo longitudinal mais recente, os resultados foram mais complexos, sendo que embora 29% dos alunos sem sintomas antes tenham desenvolvido ansiedade ou depressão depois de estarem no curso, 36% dos que tinham sintomatologia parecerem ter recuperado durante o curso (Andrews & Wilding, 2004).

Para outros autores, o agravamento da saúde mental dos estudantes espelha o acréscimo de problemas na população em geral (Royal College of Psychiatrists, 2003). Com efeito, a prevalência de todas as perturbações severas aumentou 20% de 1992 para 2002 na população geral (Kessler et al., 2006). Apesar disso, a saúde mental dos estudantes não parece ser um fiel retrato da população, uma vez que há dados que indicam que a saúde dos estudantes é pior e que os níveis de bem-estar são inferiores

79 aos da população geral (Roberts, Golding, Towell, & Weinreb, 1999; Roberts & Zelenyanski, 2002; Stewart-Brown et al., 2000).

Os dados apresentados sugerem fortemente que a saúde mental dos estudantes do ensino superior tem vindo a piorar nos últimos anos, o que vem criar novos desafios às instituições do ensino superior (Benton et al., 2003).

Partindo desses desafios, procura-se reflectir acerca das respostas que as instituições têm oferecido ou poderiam oferecer através dos serviços de apoio psicológico.