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PARTE II AS ASAS DA PESQUISA

ANO ERNEST HEMINGWAY ANO GARCÍA MÁRQUEZ

C. CATEGORIA ANALÍTICA: TEXTO

entrevistados.

C. CATEGORIA ANALÍTICA: TEXTO  

Lead e sublead em parágrafos corridos, entretítulos a cada 20 linhas, a matéria seguia à risca a técnica da pirâmide invertida, que teoricamente permitia cortar o texto pelo pé sem maior prejuízo. Era uma boa regra mas funcionava como uma camisa de força. José Maria Mayrink

O texto jornalístico reflete todas as características, categorias e fases de produção noticiosa citadas anteriormente, mas a estrutura da narrativa não se resume a uma reprodução do que foi pautado e apurado. Ao sentar para escrever sua matéria, o jornalista tem a pauta na cabeça e a apuração em sua caderneta de anotações, mas sabe que precisará recorrer a recursos estratégicos para conquistar seu leitor.

O texto noticioso está num ponto de confluência entre dois planos de análise da narrativa – no da expressão e no da história. No da expressão, porque o analista terá que se debruçar sobre a superfície da linguagem usada pelo jornalista. E no da história, porque ele deve mergulhar no enredo narrado para encontrar as intencionalidades do narrador e suas estratégias narrativas.

Dada essa confluência de planos e a complexidade do trabalho analítico, o exame do texto é o procedimento metodológico mais demorado e por isso criamos um maior número de indicadores e hipóteses para decifrar a especificidade narrativa da reportagem. São eles:

C.1 Indicador: Estrutura

Hipótese: Narrativa da reportagem é descritiva, reveladora, interpretativa.Ela não

obedece à pirâmide invertida

Aqui vamos avaliar a “estrutura da narrativa” desde o lead à última linha,. Nossa

premissa é de que o texto da reportagem parte da descrição e chega a interpretação por meio de um série de estratégias textuais que priorizam a revelação e explicação, derrubando assim o modelo de pirâmide invertida que prioriza “o que” ao invés do “como” e “do por que”.

A combinação entre descrição, revelação e interpretação é um ponto importante de diferenciação entre a narrativa da reportagem e o texto da notícia como veremos na Terceira Parte da Tese – a notícia prioriza o “o que”, como afirma Edvaldo Pereira Lima (2004, p. 7): “a notícia segue fórmulas de construção que redundam na simplificação do relato em torno dos seus componentes o que, quem, quando, como, onde e por que”. Já a reportagem, tem

“enfoque multiangular, para a compreensão da realidade que ultrapassa o enfoque linear, ganhando contornos sistêmicos no esforço de estabelecer relações entre causas e consequências (PEREIRA LIMA, 2004, p.21).

C.2 Indicador: Narração

Hipótese: Reportagem permite visibilidade do narrador

Aqui vamos avaliar quem narra a história. Nossa premissa é de que a reportagem permite a visibilidade do narrador, retirando-o do confinamento da impessoalidade da narrativa em terceira pessoa, recurso estratégico usado para provocar efeito de objetividade, muito usado nas narrativas de noticias, mas desnecessária no texto de reportagem em que o efeito de real é provocada pelo vigor da descrição e não por uma invisibilidade estratégica. Vale ponderar, no entanto, que narrativas na primeira pessoa não significam transformam o relato da reportagem em palco para o ego repórter. Ele não é o centro da narrativa. O o centro é a ação, a intriga, a trama.

C.3 Indicador: Personagem

Hipótese: Reportagem prioriza narrativas com personagens múltiplos e traz cidadãos

comuns para o centro da cena narrada

Aqui vamos identificar os personagens que aparecem nas matérias. Personagens são diferentes de fontes. Eles necessariamente aparecem no texto e ajudam a construir a estrutura do relato. Muitas vezes, eles são as vozes da narrativa e escondem a própria voz do narrador. Em outras, eles interpretam declaradamente a informação, casos das matérias em que há a análise de especialistas. Em geral, as notícias de política e economia se concentram em autoridades e especialistas. As de cultura, em celebridades. Nossa premissa é de que a reportagem permite uma troca dialógica mais ampla e pode incorporar todo tipo de personagem, inclusive o cidadão comum, aproximando assim a imprensa do seu leitor. O próprio jornalista pode ser esse personagem que dialoga dentro do texto.

C.4 Indicador: Intriga

Hipótese: Narrativa Humanista e Moral

Aqui vamos examinar a intriga noticiada, partindo da ideia de que a intriga de toda narrativa, fática ou ficcional, é formada pelas ações que expressam a trama principal. Ricouer (2012b, p.16) afirma que “por ação, devemos compreender mais que a conduta dos protagonistas (...). É também ação, num sentido mais amplo, transformação moral de um

personagem”. No caso da narrativa noticiosa, associar a intriga à moral, implica compreender que toda matéria carrega uma moralidade que pretende comunicar.

Nossa premissa é que a intriga da reportagem, pelas peculiaridades temáticas de sua pauta, pela polifonia de suas fontes cidadãs, por suas estratégias apurativas in loco e pelas características de sua narração, consegue alcançar uma perspectiva humanista que centra a narrativa numa moralidade complexa que prioriza valores virtuosos Essa perspectiva difere da moral da noticia, aprisionada pelo embate reducionais entre o certo e o errado, como veremos na Terceira Parte da Tese.

C.5 Indicador: Conflito

Hipótese: Texto da reportagem é movido por embate de valores arquetípicos

Iremos observar aqui a dinâmica dos confrontos narrados. Todo texto tem um conflito, um protagonista e um antagonista, e seu enredo é justamente a história desse embate. Nossa premissa é de que a reportagem não apenas explicita o confronto, mas também tem condições de explicá-lo, de apresentar vários pontos de vista sobre ele e de retratar a intriga humanista narrada por meio de confronto entre valores arquetípicos, com o heroísmo e a vilania, a coragem e a covardia, o justo e o injusto, embates que ultrapassam a dicotomia entre o certo e errada, modelo básico da notícia.

C.6 Indicador: Objetividade

Hipótese: Reportagem permite posicionamento do jornalista

Aqui é observada a questão da objetividade e da neutralidade do relato jornalístico. Nossa premissa é de que a reportagem permite um posicionamento aberto e franco do jornalista do que a pretensa – e inalcançável - objetividade noticiosa. A própria estrutura da narrativa da reportagem facilita a subjetivação, na medida em que o texto é contextualizado e interpretativo.

C.7 Indicador: Tempo

Hipótese: Narrativa de reportagem alarga o tempo

Aqui vamos identificar a relação o tempo narrado com o tempo do fato. Na noticia há uma proximidade entre os dois tempos que qualifica o relato – quanto antes a notícia for dada, mais chance de ineditismo. No caso da reportagem, no entanto, o critério de noticiabilidade prioritário não é temporal. É temático. A melhor reportagem não é que sai primeiro. É a que

sai melhor. Essa diferença interfere diretamente na relação do texto com tempo. Nossa premissa é de que a reportagem ao adotar abordagens temáticas e ao ampliar seu foco narrativo para além da datação rígida consegue alargar o tempo do

Quanto mais ampliamos a faixa do tempo que focalizamos, mais entramos no tempo histórico (...) para compreender o presente, resgatando do passado suas raízes mais importantes, escondidas. Não se confunde com o trabalho da história, porque seu veio central é a contemporaneidade (LIMA, 2004, p.44).

C.8 Indicador: Cenário

Hipótese: Reportagem detalha cenas e cenários

Aqui vamos identificar como as matérias narram a cena da intriga. Nossa premissa é de que a descrição das cenas e dos cenários não é apenas um recurso de linguagem. É uma estratégia do narrador para provocar no leitor a ideia de que ele está lá, vendo a notícia junto com o jornalista. É um poderoso efeito de sentido provocado pela narrativa, mas que implica também uma liberdade editorial, traduzido em espaço físico nas páginas.

D. A EDIÇÃO

Se as pessoas soubessem como são feitas as leis, as salsichas e os jornais não obedeceriam às leis, não comeriam salsichas e muitos menos leriam jornais. (Ditado popular)

O dito popular está certo. A edição dos jornais é a etapa mais secreta do processo de produção da informação. O leitor não faz o menor ideia do que se passa numa redação depois que a matéria é entregue pelo repórter `a mesa de edição. Muitas vezes nem o repórter sabe direito. A Academia também não prioriza o tema. Há poucas obras reflexivas sobre a edição jornalística, como aponta Elias Machado (2006), para quem a carência de estudos acadêmicos e a falta de publicização sobre o cotidiano da edição são paradoxais à enorme importância dessa fase do trabalho jornalístico.

A edição está no plano da metanarrativa, uma vez que é no trabalho editorial que as mensagens mais profundas, os valores mais arraigados expressos numa matéria são demarcados. Podem ficar evidentes num título, numa legenda, na ausência ou na presença de chamada na primeira página e mesmo no tamanho que o texto ocupa. A edição é a hora da mágica. É o momento em que a informação vira manchete, em que a palavra ganha forma. Cremilda Medina (1988, p.80) diz que a edição é componente estrutural da mensagem jornalística. É o local onde ocorre o que Medina chama de angulação da narrativa, em que o editor equaciona o texto às diversas demandas que cercam a narrativa jornalística.

Para Medina, o editor tem um papel fundamental na arquitetura da matéria. Ele é figura decisiva na hora de escolher em que pedaço, com que espaço e com que “cara” a informação será apresentada ao público, incluindo aí as fotos, as infografias, as legendas, e toda sorte de complementos informativos que a publicação apresenta ao leitor.

Em nossa pesquisa nas matérias de Hemingway e García Márquez conseguimos obter informações básicas da edição das matérias selecionadas. Sabemos as páginas em que foram publicadas, o espaço, os títulos, em algumas delas temos as chamadas na capa e, num menor número, temos fac-símiles com a íntegra das páginas - documento valioso para entender o papel narrativo da edição de reportagens, e diferenciá-lo também, de outros gêneros jornalísticos.

Os três indicadores e hipóteses que criamos para compreender o papel da fase da edição na narrativa das reportagens são:

D.1 Indicador: Título

Hipótese: Título da reportagem não é declaratório.

Aqui vamos analisar o título das matérias de Hemingway e García Márquez. O título de uma matéria não é um resumo dela. É quase um espaço publicitário do texto, é um chamariz, por meio dele o veículo laça o leitor. Nossa premissa é de que os títulos das reportagens não são declaratórios, não destacam declarações e sim ações.

D.2 Indicador: Assinatura

Hipótese: Texto de reportagem é autoral e assinado

Aqui vamos verificar se o texto é assinado pelo jornalista ou se aparece como uma produção da redação. Nossa premissa é de que a reportagem é um trabalho narrativo autoral e que, portanto, leva a assinatura – e a responsabilidade que daí advém – de ter um dono, um autor.

D.3 Indicador: Espaço

Hipótese: Reportagem ocupa espaço nobre

Aqui vamos identificar o espaço ocupado pela matéria. Em geral, matérias importantes estão acima da dobra da página e tem chamadas na capa. Nossa premissa é de que a reportagem exige narrativas longas que ocupam espaço importante da publicação, tanto internamente quanto em suas capas e primeiras páginas

6.6.3 MODELO DE ANÁLISE

No total, somando as quatro categorias analíticas – pauta, apuração, texto e edição – e os indicadores e hipóteses aqui apresentados, temos um modelo que associa nossos pressupostos teóricos e metodológicos, e que está sintetizado no quadro apresentado a seguir.

Quadro 2 - Modelo de caracterização e análise de reportagens

Fonte: Elaborado pela autora