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INTRODUÇÃO DA PARTE 1 EM BUSCA DA IDENTIDADE TEÓRICA

Foto 2: García Márquez com Cem Anos Solidão na cabeça, em Barcelona, 1969 Crédito: Oriol Maspons

C. O JORNALISMO PRODUZ CONHECIMENTO: NÃO REVELA MAL NEM REVELA MENOS REALIDADE DO QUE A CIÊNCIA REVELA DIFERENTE

2.5 CONHECENDO O JEITO DO JORNALISMO CONHECER

Dizer que o conhecimento produzido pelo jornalismo é diferente do científico e do popular, não é suficiente para definir sua identidade cognitiva. Nos próximos parágrafos tentaremos traçar um painel com estas características identitárias, passo essencial para entender o jornalismo como forma de conhecimento. Genro Filho (1987, p.58) considera que um dos pontos centrais do tipo de saber produzido pelo jornalismo é o imediatismo do real.

O foco do jornalista é a expressão imediata da realidade, é ela que o repórter busca. Significa, segundo Genro, que seu campo lógico é o mesmo do senso comum, compreendido aqui dentro do quadro teórico de Berger e Luckmann, para quem o conhecimento extraído do contato com a vida cotidiana é visto como algo natural pela sociedade.

A atitude natural é a atitude da consciência do senso comum precisamente porque se refere a um mundo que é comum a muitos homens. O conhecimento do senso comum é o conhecimento que eu partilho com os outros nas rotinas normais, evidentes da vida cotidiana (BERGER;LUCKMANN, 2004, p.40).

A vida cotidiana e seu caleidoscópio de realidades alimentam o saber do jornalismo e constituem seu campo lógico. Sua singularidade enquanto conhecimento está marcada por essa permanente referencialidade no real. Deriva dela o paradoxo irremediável do conhecer jornalístico. Ele é frágil e forte. Sua fragilidade é metodológica e deriva das limitações impostas para a captura desse inatingível real entranhado.

Sua força é narrativa, investigativa e argumentativa. Está sustentada numa disciplina de verificação e amparada na multiplicidade de urgências impostas pela realidade e no alcance que suas pré-teorias representativas do real conseguem atingir, orientando o princípio de realidade de seu público, nele incluídos cientistas e filósofos, quando retornam à vida

cotidiana, vindos de seus campos finitos de significação.

Esse perfil profano do conhecimento jornalístico abre as portas para sua universalidade, para sua polifonia dialógica com as mais diversas plateias, realizando, assim, uma das principais justificações sociais do jornalismo: a de manter a comunicabilidade entre o erudito e o popular, o político e o eleitor, o vizinho e o prefeito, pontes absolutamente necessárias numa sociedade que se quer democrática e em permanente diálogo entre seus atores.

A habilidade para fazer esta espécie de ciranda dialética de saberes entre produtores e receptores de conhecimento com origens tão diferentes, exige do conhecimento noticioso uma série de aprioris fundamentais, sem os quais não é possível a produção e a compreensão da

notícia, como mostra Van Dijk (1980, p.248). Segundo o autor holandês, compreender uma determinada notícia exige do leitor e do jornalista o processamento "de grandes quantidades de informação estruturadora, repetida e coerente, que sirva como base para ampliações mínimas e outras mudanças em nossos modelos do mundo".

Esta energia transformadora típica da notícia só é possível porque ela está intrinsicamente vinculada ao novo. Sem novidade não há notícia. A novidade estrutura sua retórica argumentativa. Porém, há características importantes na maneira como o jornalista chega até a novidade. Seus atalhos diferem dos usados pelos cientistas.

A ciência procura o novo na regularidade de diferentes fatos e tenta traçar leis que os relacionem, conferindo menos atenção à particularidade de fenômenos isolados. O jornalismo fundamenta seu saber na irregularidade, no que rompe a regularidade. “O jornalismo, como modo de conhecimento, tem a sua força na revelação do fato mesmo, em sua singularidade, incluindo os aspectos forçosamente desprezados pelo modo de conhecimento das diversas ciências” (MEDITSCH, 1997, p.8).

Para compreender melhor a singularidade jornalística, Adelmo Genro Filho resgatou três categorias clássicas da obra de Hegel: o universal, o particular e o singular, conceitos usados pelo filósofo alemão em Fenomenologia do Espírito para designar a tríade que, segundo o modelo hegeliano, fundamenta todo pensamento dialético. Para Hegel (1992), todo conceito deve ter universalidade, particularidade e singularidade.

Genro Filho procura aplicar essas três categorias ao tipo de conhecimento produzido pelo jornalismo e conclui que o critério usado pelos jornalistas para resolver se algo é ou não notícia “está indissoluvelmente ligado à reprodução de um evento pelo ângulo de sua singularidade” (GENRO FILHO, 1987, p.163). Mas contraditoriamente, “o conteúdo da informação vai estar associado à particularidade e à universalidade que nele se propõem, ou melhor, que são delineados ou insinuados pela subjetividade do jornalista” (p.164).

O singular, então, é a forma do Jornalismo, a estrutura interna através da qual se cristaliza a significação trazida pelo particular e o universal que foram superados. O particular e o universal são negados em sua preponderância ou autonomia e mantidos como o horizonte do conteúdo (GENRO FILHO, 1987, p.163).

Genro Filho prossegue sua análise explicando que essa singularidade do conhecimento jornalístico, expressa na novidade revelada em cada notícia, permite que o jornalismo consiga produzir uma grande quantidade de informação com meios mais

econômicos do que as outras formas de conhecimento. "A singularidade tende a ser

diferenciando de si mesma" (GENRO FILHO, 1987, p.212).

E é esta busca pela singularidade e pelo universal, pelo particular e pelo todo, que coloca o conhecimento jornalístico no mesmo status fascinante que todo o saber produzido pelo homem, esse estranho animal que, nas palavras de Edgard Morin (2012, p.141), tem “a possibilidade de compreender todo o seu ser no conhecimento, e de dedicar a vida ao conhecimento. E isso é um dos aspectos mais originais da condição humana”.

Adelmo Genro Filho, morto precocemente aos 36 anos de idade, considerava, como já dissemos anteriormente, que a principal diferença entre a ciência e o jornalismo está na busca pelo que ele chamava de regularidades - a ciência tem como método a busca pela regularidade e enquanto a notícia vive da irregularidade, do inesperado, do incomum. Porém, essa busca pelo inesperado, pela informação que rompe com a regularidade biológica de nossa existência, não é algo caótico.

O jornalista tem uma maneira particular de lidar com sua hipótese de trabalho – sua pauta. Na ciência, a hipótese é a rainha da pesquisa. Ela exige um controle rigoroso sobre as experimentações e um corte intencional da realidade para isolar variáveis que interfiram na hipótese inicial. São procedimentos básicos que exigem todo uma rede teórica prévia.

O jornalismo não tem hipótese científica nem uma teoria anterior que sustente cada informação pesquisada. O jornalista tem pauta. Através dela olha para a realidade, mas não é – o pelo menos não deve ser - uma observação controlada do real. A realidade pode derrubar a pauta, desde que o jornalista respeite os critérios de verificação, já listados anteriormente.

Há também diferenças significativas entre o conhecimento jornalístico e o científico como cada um “corta” a realidade. A ciência isola variáveis para analisar suas hipóteses e se debruça apenas sobre aquelas que concorrem diretamente para a análise em foco. No jornalismo, o “isolamento de variáveis é substituído pelo ideal de apreender o fato de vários pontos de vista”.