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INTRODUÇÃO DA PARTE 1 EM BUSCA DA IDENTIDADE TEÓRICA

Foto 2: García Márquez com Cem Anos Solidão na cabeça, em Barcelona, 1969 Crédito: Oriol Maspons

C. O JORNALISMO PRODUZ CONHECIMENTO: NÃO REVELA MAL NEM REVELA MENOS REALIDADE DO QUE A CIÊNCIA REVELA DIFERENTE

2.6 OS LIMITES DO SABER NOTICIOSO

No decorrer do capítulo procuramos sustentar que o jornalismo produz conhecimento e que esse conhecimento tem particularidades enraizadas em método próprio de aproximação, captação, interpretação e publicização de fragmentos da realidade. Não é um método científico. Como afirma Bronowski, “Ciência é uma tentativa de representar o mundo conhecido como um sistema fechado com um formalismo perfeito” (BRONOWSKI, 1997,

p.64). O jornalismo não tem este foco, mas tem o seu método, tem a sua racionalidade. Capta pedaços do real e os interpreta a partir de uma série de critérios objetivos e subjetivos.

Não é uma interpretação livre e descompromissada, ela está intrinsicamente vinculada às múltiplas vozes que dialogam na barulhenta sinfonia contemporânea. São elas, essas vozes - incluída a do próprio repórter, a de seu chefe, a de seu patrão, e obviamente de suas fontes - que produzem o conhecimento narrativo expresso nas várias histórias do tempo presente, impressas diariamente em jornais e revistas de todo o mundo.

Ao abri-los, ao lê-los, o leitor não conhecerá um retrato exato do real, mas terá em mãos um conhecimento estruturante da sociedade contemporânea e não apenas um saber vira- lata, um pouco ciência, um pouco senso comum, um pouco arte. Seu saber é jornalístico. Ponto. Isso não significa que ele não tenha limitações. Ele tem e muitas.

Ao focar o singular, ele revela os aspectos da realidade que a ciência não consegue revelar. E mesmo essa irregularidade e essa singularidade, buscadas pelo repórter, têm peculiaridades. O bom jornalismo não busca o esdrúxulo, não se contenta com a máxima de que a notícia é apenas quando o dono morde o cachorro.

O bom jornalismo procura o universal no singular, o regular na irregularidade – a notícia é mais forte quando o jornalista denúncia a repetição da tragédia ambiental, a repetição da corrupção governamental, a repetição da mazela social – quanto mais a narrativa demonstra essa repetição, retirando o caso relatado do universo do inusitado, mais o relato ganha características documentais e colabora para a interpretação da realidade histórica e social, como esperamos mostrar nas Parte 2 e 3 da Tese, com a apresentação dos dados de nossa pesquisa.

Por outro lado, a lente jornalística na particularidade, na ruptura da normalidade, reduz a capacidade explicativa do todo. Por isso, Nilson Lage (1985b) diz que a notícia está presa no mundo das aparências. “O universo das notícias é o das aparências do mundo (...). Por trás das notícias corre uma trama infinita de relações dialéticas e percursos subjetivos que elas,

por definição, não abarcam” (LAGE, 1985b, p.23). Nas partes 2 e 3 da Tese esperamos

demonstrar que a reportagem não está tão acorrentada à prisão das aparências quanto à notícia.

Ainda nesse roll de limitações e condicionantes do conhecimento jornalístico, é preciso ressaltar seus limites lógicos, práticos e estruturantes, entre eles o mais geral do todos, a História e a Cultura. O jornalismo é um produto narrativo, histórico e cultural. Seu texto e contexto estão inseridos culturalmente e historicamente numa determinada realidade. Significa que o conhecimento por ele produzido também terá uma moldura histórica, cultural

e subjetiva (aquela demarcada pelas preferências do jornalista e por suas condições de trabalho).

Como toda outra forma de conhecimento, aquela que é produzida pelo Jornalismo será sempre condicionada histórica e culturalmente por seu contexto e subjetivamente por aqueles que participam desta produção. Estará também condicionada pela maneira particular como é produzida (MEDITSCH, 1997, p.10).

Esses condicionantes aparecem articulados e detalhados na reflexão realizada pela Teoria da Notícia, de Nelson Traquina, que enxerga o texto noticioso dentro de uma cadeia produtiva. Para o autor português (2008), a notícia não espelha a realidade, e sim a reconstrói a partir de uma série de condicionantes ideológicos, históricos, subjetivos, culturais e técnicos, incluindo a rotina produtiva das redações e toda a sociologia da profissão. Nesse sentido, um dos limitadores mais significativos do conhecimento produzido pelo jornalista é que o texto noticioso não revela ao leitor esses condicionantes e procura convencê-lo de que aquela matéria retrata a realidade tal e qual.

Outra vez, vale ressaltar, que esperamos mostrar nas partes 2 e 3 da Tese que o conhecimento produzido pela reportagem pode oferecer ao leitor brechas para enxergar a produção da informação por dentro de seu condicionamento, justamente porque sua narrativa descritiva, interpretativa, dialógica e aberta à subjetividade da narração permite essa abertura. Por fim, vale enfatizar as colocações de Meditsch sobre as imposições da velocidade de produção, da cultura do sensacionalismo e da interferência publicitária (tanto de anunciantes quanto de compromissos empresariais indiretos) nas redações, também são limitadores do jornalismo enquanto conhecimento. Ele pondera, no entanto, que iniciativas recentes, como a incorporação de ombudsman, o crescimento de sistemas de checagem e a cobrança social pelo rigor das informações e pela transparência dos condicionantes noticiosos, podem atenuar os limitadores do saber produzido pela imprensa.

A seguir, passamos à Teoria dos Gêneros Jornalísticos, base importante que nos ajudou na delimitação do corpus analítico, trabalho exaustivo que, como mostraremos na Terceira Parte da Tese, começou com 1340 textos assinados por Hemingway e Garçia Márquez e publicados na imprensa. Com o auxílio da Teoria dos Gêneros conseguimos reduzir esse universo para um número mais factível em termos de análise.

PARTE 1

RAÍZES TEÓRICAS

CAPÍTULO3TEORIADOSGÊNEROSJORNALÍSTICOS

FOTO 3: Olho de Repórter: Ernest Hemingway assiste tourada em Pamplona, Espanha 1927.

Crédito: Hemingway Collection at JFK LIbrary

“Não há temas contemporâneos. Os temas sempre foram o amor e a ausência dele, a morte e a fuga ocasional e temporária dela, a que damos nome de vida, a imortalidade

ou a ausência de imortalidade da alma, o dinheiro, a honra e a política”

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