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PARTE II AS ASAS DA PESQUISA

ANO ERNEST HEMINGWAY ANO GARCÍA MÁRQUEZ

6.5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA DESATAR OS NÓS DA NARRATIVA

Edgar Morin, em o Conhecimento do Conhecimento, ensina que o método deriva do objetivo da pesquisa e que sua principal função é ajudar o pesquisador a “pensar por si mesmo para responder ao desafio da complexidade dos problemas” (MORIN, 2012,p. 36). Para ele, a função do método é estratégica - o método tem que levar necessariamente à “descoberta e à inovação”. Por isso a grande pergunta quando se chega este ponto não é “o por que”, e sim, “o como”, “o como fazer”, qual procedimento adotar.

De alguma maneira, “por que” parece mais significativo, mais intelectual, como se estivéssemos perguntando pelo significado mais profundo das coisas, em contraposição à narrativa simples que “o como” provavelmente evocaria. Este preconceito está incorporado na falsa distinção, invariavelmente usada de maneira pejorativa, entre explicação e mera descrição (BECKER, 2008, p.85).

O “como” da pesquisa desta Tese está justamente no capítulo dos procedimentos metodológicos. É aqui que explicamos de que maneira fizemos a pesquisa, que atitudes metodológicas foram adotadas e que categorias analíticas foram criadas para facilitar o acesso ao objeto de estudo.

O primeiro procedimento metodológico para estudar narrativas é dividi-las em planos, em instâncias expressivas, como fazem autores clássicos, como Roland Barthes (2008) e Tzvetan Todorov (2008). Barthes (2008) defende que o analista separe o texto em dois níveis, um inferior, o da frase, e um superior, chamado por ele de linguagem geral da narrativa.

Tzevtan Todorov (2008), exaustivamente citado nos capítulos da primeira parte da Tese e autor de uma vasta bibliografia sobre o narrar, também recomenda a divisão da narrativa em dois planos analíticos diferentes, o do discurso, onde o narrador tenta conquistar o leitor, e o da história, onde segundo sua visão, há menos influência do narrador. Já L.G Motta (2013, p. 135) recomenda que o “mergulho até a essência do objeto” comece com o divisão da narrativa em três planos:

- Plano da Expressão (ou da linguagem ou do discurso) - Plano da História (ou do conteúdo, do enredo ou da intriga) - Plano da Metanarrativa (ou do tema de fundo)

O plano da expressão, ou do discurso, está na superfície da narrativa. É ali que o narrador, por meio da linguagem, constrói seu enunciado e deixa as primeiras pistas de suas intenções. O plano da expressão é o do tom da história. Nele, o analista consegue identificar os recursos estratégicos usados pelo narrador para alcançar determinados efeitos de sentido, como emoção, medo ou riso.

No caso do jornalismo, os efeitos que se revelam no texto noticioso nascem ainda na fase da apuração, quando o repórter coleta as informações necessárias para emocionar, amedrontar, assustar, alegrar, tocar o leitor. Significa que a intenção do jornalista emerge no texto, mas ganha consistência argumentativa na fase da apuração, na qual o repórter reúne os fundamentos, as informações, os dados, que vão amparar as estratégias discursivas usadas no corpo da matéria. Ou seja, quanto melhor a apuração, mais argumentos e, portanto, maiores chances de realizar suas intenções.

O plano da história pode também ser chamado de plano do conteúdo, do enredo ou da intriga. É o lugar do desenrolar da história, quando as sequências de ações protagonizadas pelos personagens traçam o desenrolar da trama e da intriga. É no plano da história que mora sua diagese, sua realidade própria, não importando se estamos analisando um enredo fático ou ficcional.

O analista tem tarefas árduas no plano da história. É ali que ele procura a lógica e a sintaxe da narrativa, identifica as sequências, o foco da unidade do enredo e o encadeamento da trama. É também nessa fase que o pesquisador caracteriza as personagens, identifica suas

funções e mapeia os conflitos primários e secundários entre protagonistas e antagonistas. Um dos trabalhos mais difíceis na lida com o plano da história é captar o invisível ritmo do enredo. Para isso, um bom ponto de partida são os flashbacks e flashforwards - recursos fundamentais usados pelo narrador para passear nos diversos tempos que cercam uma narrativa .

Todos esses expedientes estão presentes tanto em narrativas fictícias quando fáticas. Nos textos jornalísticos, por exemplo, o plano da história se concretiza no narrar da reportagem. O analista deve encarar a narrativa noticiosa como um pique-esconde, em que não há sequer uma vírgula desprovida de intenção, mas o desejo do narrador pode estar escamoteado pelo discurso da objetividade.

Por isso, pelas suas contradições, pelos jogos de sombras, pela verdades relativas disfarçadas com pronunciamentos pomposos, mergulhar sobre o texto jornalístico é tão fascinante. Se bem sucedido, o pesquisador terminará a análise do plano da história elucidando os princípios de organização que configuram a narrativa.

Por toda sua complexidade interna e pela riqueza que o analista pode subtrair dele, o plano da história é comumente o mais analisado pelos críticos da narrativa. É sobre ele que versa grande parte da bibliografia sobre o narrar, ainda que em nossa modesta opinião e ainda mais modesta experiência metodológica pareça ser impossível analisar o plano de história sem examinar paralelamente os planos da expressão e da metanarrativa.

Plano da Metanarrativa é o lugar da estrutura profunda, da força da cultura, dos princípios fundadores, dos valores abstratos que as mãos não alcançam. É no plano da metanarrativa que os modelos de mundo se apresentam, que a ética se revela e que a moral da fábula narrativa se coloca. Antes de começar a narrar sua história, o narrador já carrega toda uma visão de mundo, toda uma bagagem de valores, ainda que não tenha consciência de muitos deles.

No caso do jornalismo, esse plano é o mais delicado, é o que coloca sobre o tabuleiro visões de mundo por vezes conflitantes, entre a do narrador primário, o repórter, e do narrador secundário, o editor e por último, o do narrador que não escreve palavra alguma, mas tem o poder de mover as letras – o dono do veículo. Na prática analítica, significa que a pauta e a edição refletem aspectos do plano da metanarrativa.

O Plano da Metanarrativa também oferece campo fértil para os interessados em estudos sobre o papel da ideologia na narrativa, para vertentes da ciência política e da mitologia, área que já acumula importantes trabalhos sobre narrativa.

narrativas estarão lá, a seu dispor, prontas pare serem desbravadas em planos analíticos, procedimento seguro, em sintonia com o brilhante pensamento de Lluis Duch: “Conhecemos o mundo sempre de modo tentativo à medida que o designamos com palavras e o construímos sintaticamente em enunciados, à medida em que o empalavramos” (DUCH, 1998, p.458).

Para compreender na prática analítica os planos que formam o mundo “empalavrado” das reportagens, criamos um Modelo de Análise de Reportagens com categorias e hipóteses que serão testadas no decorrer do estudo das matérias de García Márquez e Ernest Hemingway. A seguir, apresentamos esse Modelo, detalhando as categorias que o sustentam e que foram pensadas a partir dos fundamentos teóricos e metodológicos apresentados até aqui.