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PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO/REVISÃO DE LITERATURA 2 CAPÍTULO II SOCIEDADE EM REDE

3 CAPÍTULO III CIDADANIA

3.7 Cidadania e integração social

Socialização. “Teoria de que a vida em sociedade depende de um aprendizado”, ou seja, o verdadeiro significado da educação (Poker, 2009, p.44).

Através desse processo, as sociedades humanas conseguem se reproduzir, integrando novos membros à medida que estes aprendem a se conduzir respeitando as regras que sustentam cada coletividade, em cada contexto histórico. Na chamada modernidade ocidental, cuidou-se de ensinar que ser social e ser cidadão era ser obediente e passivo diante da iniciativa do Estado na solução dos problemas individuais. Esta conduta já não é mais desejável na pós-modernidade, época em que se valoriza o sujeito ativo, onde a obediência deriva da capacidade individual de participação na elaboração das regras. Esse é o novo modelo de cidadania, onde o respeito às regras não depende do medo, nem da vigilância. (Poker, 2009, p. 44)

Nesse sentido, a socialização se constitui no processo pelo qual o indivíduo é inserido numa ordem social como membro de uma coletividade (F. C. T. Silva, 2013; UNESCO, 2005), sendo assim “objeto de um esforço de toda a coletividade no sentido de integrá-lo, de trazê-lo para dentro desse lugar simbólico composto de regras e que dá sustentação a qualquer sociedade” (Poker, 2009, p. 45).

Mas as sociedades e os indivíduos não são iguais e vivem em constante conflito, de forma que não bastaria apenas um diálogo para resolver os mal-entendidos e os problemas das desigualdades sociais. Seria preciso ir além, redefinir os padrões para conquista da igualdade social por meio do investimento na busca de conhecimentos que permitissem a reestruturação da sociedade e a solução de conflitos. Essa é considerada uma concepção sistêmica de sociedade e as eventuais desigualdades entre as pessoas começaram a ser entendidas como diferenças que corresponderiam ao seu conhecimento, resultantes de um entendimento consciente individual e de seu desempenho de funções/papéis nessa sociedade. Tais papéis exprimem as regras, os valores e normas sociais (fatos sociais) que influenciam diretamente a explicação do fenômeno da integração do indivíduo na sociedade, norteando assim a convivência em coletividade (Poker, 2009; F. C. T. Silva, 2013; UNESCO, 2005).

Pensando sobre a manutenção das sociedades, Durkheim (1999a) descobriu que as coletividades humanas produzem não apenas bens materiais, mas também sistemas de representações simbólicas e conceituais, domínios a que pertencem as próprias regras que lhes dão sustentação, e que se constituem, uma vez elaborados, no ethos que significa e possibilita a renovação constante das ideias e ideais do grupo social primeiro. Tal produção cultural é essencialmente resultante da vida coletiva, um fenômeno que ultrapassa as intenções, a racionalidade e a própria consciência individual.(Poker, 2009, p. 47) Resume-se que socializar-se e integrar-se significa que o indivíduo normal é aquele moralmente heterônomo, multicultural, diferente por natureza, mas que adquire uma identidade, “que age dentro das normas através das quais o corpo social se organiza e se ordena, mantendo sua homogeneidade, apesar das especificidades de cada uma das partes que o compõem” (Poker, 2009, p. 47). A coletividade (corpo social) favorece a construção, no indivíduo, de uma identidade social, de um ser autônomo, o que lhe possibilita um sentimento de solidariedade vinculado ao exercício da democracia dentro do paradigma da sociedade em rede (e.g., Poker, 2009; F. C. T. Silva, 2013; UNESCO, 2005). Assim, estar integrado significa deter capacidades autônomas para participar efetivamente, isto é, compreender a lógica do sistema normativo, sendo que, cada vez mais, na reorganização do capitalismo no século XXI (globalização) cresce a importância da aquisição da autonomia que vem acompanhada de uma reestruturação do Estado e de todas as instituições sociais (Poker, 2009).

A autonomia é, portanto, uma capacidade individual importante do ponto de vista do exercício da cidadania: dentro dos limites do neoliberalismo, tanto o Estado, como todas as instituições por ele amparadas, teclem a se desresponsabilizar pela solução dos problemas individuais, jogando esta responsabilidade à sociedade civil, onde as próprias pessoas devem buscar, elas mesmas, os meios de substituir a ação do Estado e suas agências no cotidiano.(Poker, 2009, p. 50)

Pensar na cidadania como promotora da autonomia para a igualdade social leva-nos a olhar para os programas sociais de Inclusão Digital, em especial os Telecentros, como meios para acessar conhecimentos, informações e serviços que ajudam a reduzir a desigualdade social, e a construir a visão crítica de uma nova cultura do direito (e.g., Ferreira, Teixeira & Borges, 2015; Henriques, 2003). A construção da cidadania é então possível através da incorporação de uma nova estrutura de habitus que a socialização primária não foi capaz de fornecer. Esta reeducação depende dos valores em causa, da visão do mundo e da cultura a que se pertence, sendo que essa necessidade surge da educação fora dos padrões considerados válidos. (F. C. T. Silva, 2013, p. 20-21)

Pressupõe-se que os programas de Inclusão Digital envolvem esforços governamentais e de outros atores da sociedade para o desenvolvimento e a cooperação da promoção da igualdade social (redução da pobreza) em vários aspectos da vida, e não apenas nos níveis econômicos. Assim, ao tratarmos a oportunidades de acesso e de letramento digital e informacional “de forma intersetorial conectando com

objetivos, valores, metas, as aspirações, desafios, dificuldades, esperanças e medos dos indivíduos, com os aspectos físicos e sociais, realidades culturais e políticas dos contextos locais e mais amplos” haverá possibilidade de contribuir significativamente para a integração social e o exercício da cidadania (UNESCO, 2005, p. 12).

A cidadania e a identidade dos indivíduos ou de comunidades estão cada vez mais ligadas com a integração social, pois esta associa-se à literacia digital e informacional, que, como dito anteriormente, tem por objetivo promover a equidade de minorias e dos direitos humanos. Melhorar a qualidade das oportunidades de aprendizagem por meio do aumento da oferta da literacia, literacia digital e informacional significa ampliar as perspectivas de conexão e comunicação para o entrelaçamento cultural e social com influência de contextos sociais, linguagens, ideologias e outros parâmetros que não tinham a oportunidade de ser expressados (UNESCO, 2005). Esse processo só é possível no âmbito do livre exercício dos direitos básicos da cidadania e do acesso e uso das TIC na sociedade em rede.

Sendo possível o exercício da cidadania por todos, alguns impactos dos efeitos na comunicação, aprendizagem e outros aspectos da vida podem ser considerados relevantes para as nações que desenvolvem processos democráticos e redução da pobreza. (UNESCO, 2005) Entre esses impactos, estão: participação social, voz política, oportunidade econômica e acesso a instituições e redes, que nada mais é do que a integração social por meio do exercício da cidadania com “a valorização da autonomia e da lógica da cooperação em todas as instituições de socialização, imprescindíveis para o desenvolvimento da cidadania e da noção de direito dentro das complexas democracias” (Poker, 2009, p. 50).