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PARTE II INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA – APRESENTAÇÃO E ESTUDOS REALIZADOS FASE APRESENTAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA

6 CAPÍTULO VI ESTUDO 1: INCLUSÃO DIGITAL E CIDADANIA DIGITAL 6.1 Introdução ao estudo documental

7 CAPÍTULO VII ESTUDO 2: PERCEPÇÕES SOBRE A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO, TELECENTRO E CIDADANIA

7.4 Discussão dos Resultados

Ao analisar os significados e sentimentos sobre a sociedade da informação, TIC, bem como internet, conclui-se que, para os participantes, se traduz em: empoderamento, autonomia, solidariedade, comunicação e lazer, participação e renda. A grande maioria revela satisfação em usar as TIC, em especial a internet, uma vez que se sentem mais ativos, dinâmicos, felizes e satisfeitos, traduzindo-se em valores que os orientam no seu dia a dia. Porém, apesar de todos integrarem a mesma classe social e usarem os espaços públicos para acesso e capacitação em TIC, o grupo não é totalmente homogêneo, observando- se variações nas atividades, ações e nos sentimentos em relação às TIC, em função da idade. No dia a dia, seus hábitos, atividades e sentimentos se correlacionam com nove valores da vida das pessoas que fazem uso das novas tecnologias na sociedade da informação, os quais são propostos por Schwartz (2007). Correlacionam-se as percepções dos participantes sobre a sociedade da informação (incluindo tecnologia, informação, comunicação e internet) com as nove categorias de valores da vida propostas por Schwartz (2007) (cf. Tabela 33).

Tabela 33. Integração entres os aspectos categorizados e categorias dos valores da vida propostas por Schwartz Valores de Schwartz Categorias Sociedade Informação Tecnologia Informa- ção Comuni- cação Internet Autoaperfei- çoamento Empoderamento Atualizar Aprender Qualificar Evoluir Novos conhecimentos Aprender Estudar Desenvolver Confiança Atualizada Benéfica - Educar Conhecer Capacidade de abertura a mudanças Autonomia Esforçar Conscientizar Selecionar Pesquisar Aflorar ideias Satisfação - - Conscienti- zar Participação Participar

Influenciar Dinamismo Influente

Expressar opinião - Autotranscen- dência Benevolência Ajudar Agregar Integrar Ajudar e Aproximar as pessoas - - Ajudar Hedonismo Comunicação e lazer Conectar Comunicar Namorar Jogar - - Distrair

Conservação Segurança Segurança Privacidade

Autoaperfei- çoamento Renda e trabalho Desenvolver econômica- mente Trabalhar Nivelar Comprar - Processo popular Transformar

Tradição Mudança cultural

Usar menos televisão, ler menos livros, usar menos a telefonia fixa, usar mais a telefonia móvel.

Apesar de estas correlações refletirem uma percepção positiva dos valores e comportamentos dos participantes, não se pode afirmar que reflitam novas práticas sociais e econômicas com profundas alterações nos valores da sociedade, capazes de gerar desenvolvimento e igualdade social (e.g., Neves, 2007; Amaral Gomes, 2007). Mas deduz-se que, na tentativa de modernizar e melhorar a qualidade de suas vidas, houve alterações nos comportamentos em função dos sentimentos gerados e atividades desenvolvidas com as TIC. Nesse sentido, o acesso às TIC pode influenciar a tomada de decisão e uma atitude mais crítica na obtenção da informação e do conhecimento, possibilitando maior, mais rápida e fluida participação na sociedade por meio das suas opiniões, sem interlocutores, provocando-lhes, assim, uma sensação de confiança, segurança e bem-estar social (e.g., Mendes, 2001).

Não há como desconsiderar a realidade social (escassos recursos financeiros e educacionais) desse grupo de pessoas que, apesar de encontrar barreiras culturais e econômicas ao acesso, uso e partilha da informação e do conhecimento, acreditam que com maior esforço e dedicação são capazes de evoluir (e.g., J. M. Pereira, 2007), tornando-se cidadãos mais atualizados e qualificados, com menor diferença social (educacional e cultural) em relação às classes sociais superiores, integrando-se assim socialmente com maior facilidade. Contudo, considerando a situação dessas pessoas, até que ponto a sua interpretação e a assimilação da informação e do conhecimento não estarão limitadas, seja pelo déficit de visão compartilhada com pessoas de classes sociais e educacionais diferentes, seja pelo déficit de sua qualificação educacional e profissional (ou até mesmo pela informação a que têm acesso). Sendo a informação subjetiva, sua interpretação e seu uso associam-se ao contexto e aos objetivos de quem a usa (e.g., Serrano, 2007).

Quanto à internet, identificam-na como um meio que é popular na sociedade em rede (e.g., Topaloglu, Caldibi & Oge, 2016), que se tornou a chave para educar, conhecer, conscientizar, distrair, ajudar a transformar as pessoas que vivem na pobreza, possibilitando desenvolvimento social e econômico (e.g., Bagchi et al., 2015). A internet propicia acesso a um leque de atividades distribuídas em suas vidas, por exemplo, no trabalho, nas ligações pessoais, na informação, no entretenimento, nos serviços públicos, na política, na religião (e.g., Castells, 2011).

Apesar da percepção positiva sobre as TIC, não podemos garantir que estas só por si contribuem para diluir as diferenças sociais e econômicas, mas podemos afirmar que são um real fator de diferenciação entre quem as usa e domina (e.g., Montargil, 2007). Considera-se que quem não domina as TIC sofre preconceito e é excluído social e digitalmente da sociedade.

Há ainda a percepção de que muitas pessoas estão usando as TIC de forma incorreta, gerando grande preocupação, especialmente quanto a questões éticas e à falta de privacidade dos indivíduos (e.g., Coelho, 2007). Para eles, o uso da internet tem contribuído significativamente para aumentar essa preocupação. Saber que a internet pode ser acessada a qualquer hora permite, a cada pessoa, sustentar a sua convicção do que considera estar mais perto da verdade (e.g., Moreira, 2007). Porém, no percurso imaginário online, reconhecem muitas vezes práticas de imoralidade e o mal, mostrando que os cidadãos fazem escolhas erradas (e.g., Coelho, 2007), ainda que as TIC não tenham, em si mesmas, algo de bom e de mau - dependendo as ações decorrentes somente de usar as TIC, qualquer que seja o seu nível de

formação ou qualificação. A percepção sobre o medo, a insegurança, as informações irreais e perigosas estão contextualizadas no panorama de uma má utilização das TIC, afetando a privacidade e a confiabilidade das pessoas que exercem suas atividades através da internet.

Outra percepção negativa sobre viver numa sociedade em rede associa-se às mudanças no padrão de comportamento das pessoas, ou seja, a haver menos interação pessoal, não valorizar ou abandonar hábitos culturais, haver cada vez maior consumo, exclusão das pessoas de processos produtivos estáveis, dependência das TIC, dentre outros. O que advém de hábitos culturais vivenciados: um emprego de longa duração, ler livros, jogar futebol nas ruas ou brincar com bonecas, resolver problemas pessoais ou coletivos utilizando menos as tecnologias e conversando presencialmente, e consumir menos (até pela pouca condição econômica).

Apesar de todas as dificuldades econômicas e culturais para se inserir nesta nova sociedade, esse grupo reconhece que para viver atualmente será necessário que todos aceitem os novos comportamentos e que se esforcem por assimilar as novas tarefas e os processos de mudança, especialmente os mais velhos (e.g., Correia, 2007). Se não o fizerem, ficarão irremediavelmente no século passado, isolados e envoltos nos seus medos e inseguranças (e.g., Caraça, 2007).

Acerca da sociedade da informação, são as mulheres (mais que os homens) que assumem, em consciência, o seu papel de igualdade no cenário econômico, social e político (ao entrarem maciçamente no mercado de trabalho) (e.g., Castells, 2011; Correia, 2007). Além de elas terem falado mais que eles (nos grupos de discussão), também reconhecem mais a necessidade de evoluir, saber, conhecer, não ficando afeitas a um passado nostálgico, e sem deixar de valorizar a família e a educação dos filhos, prevalecendo o instinto materno e familiar.

Nossos resultados mostram que os Programas de Inclusão Digital, implementados no Telecentro, contribuem fortemente para o acesso às TIC e para a partilha de informação44. Tais impactos podem ser vistos como indiretos (e.g., Sey et al., 2013), pois só é possível mensurá-los pelas representações e não em termos efetivos (nas categorias associadas a comunicação, educação, cultura e língua, lazer, trabalho, saúde, governo e identidades territoriais).

Essa percepção positiva evidencia um dos principais objetivos dos programas de inclusão, que é o de permitir que as pessoas se apropriem da tecnologia para o próprio desenvolvimento (em nível individual e coletivo) nos mais diferentes aspectos (e.g., Grossi, Costa & Santos, 2013). Ao analisarmos as falas dos participantes, conclui-se que os Telecentros representam bem mais do que o acesso à informação, pois promovem, de fato, a educação não formal, relacionada com a popularização dos meios de comunicação, verificada no século XXI (e.g., Castells, 2011; Wolton, 2006). Os participantes usam os Telecentros principalmente para comunicar, para reivindicar os seus direitos individuais ou coletivos, conversar com amigos, parentes, namorar ou trocar e-mails, pesquisar cursos e aprendizagem (educação não formal), melhorar a cultura local e aprender língua estrangeira, pesquisar emprego e aumento de renda, pesquisar e usar serviços de saúde e de governo. Tais impactos coincidem com o que Wolton (2006) qualifica como os tipos de informação que estão em crescimento: militante, lazer e serviço.

44Relembre-se Wolton (2006) ao afirmar que o conceito da informação é complexo e esta pode ser classificada como: impressa, serviço, dados, lazer e militante.

Um dos principais objetivos dos programas de Inclusão Digital é qualificar – para aprender socialmente e profissionalmente –, o que reforça o seu papel na educação, uma responsabilidade coletiva (e.g., Berthou, 2009), e um alicerce para qualquer mudança social, econômica ou política (e.g., Gohn, 2011). As políticas de Inclusão Digital dão acesso a cursos gratuitos – sejam presenciais ou a distância, focados em TIC, desde os mais básicos, até cursos avançados, com qualificação profissional –, visando a despertar a cidadania, a atitude crítica, novos projetos de vida, um sentimento coletivo e maior consciência do meio ambiente (e.g., Coelho, 2007).

Tais cursos são gratuitos45 e voltados para o letramento digital e a qualificação profissional, na modalidade presencial ou educação a distância, visando a ensinar as pessoas a usar o computador, editores de texto, planilhas eletrônicas, etc., navegar na internet e utilizar redes sociais, aumentando assim as habilidades no uso das TIC. Também são ofertados cursos relacionados com o primeiro emprego, cidadania, tecnologia social (subsistência e desenvolvimento econômico), e profissionalizantes como, por exemplo, manutenção de computadores, redes e programação de computadores em linguagens Java, entre outros. Nesse sentido, os Telecentros minimizam a infoexclusão, em particular entre os mais idosos e com menor poder aquisitivo. O acesso à educação não formal permite, ou facilita, o acesso às TIC, ajudando as pessoas a lidar com mudanças e a desenvolver uma atitude positiva e crítica, para vencer obstáculos, adquirir conhecimentos, integrar condutas, autonomia e aprender (e.g., Berthou, 2009). Portanto, promovem uma atitude ativa e emancipatória, em nível cognitivo – no sentido de questionar, decidir, agir por si mesmo –, afetivo (interesse, anseio, autoconhecimento e segurança) e social (novas formas de participação e interação), com maior autoestima. A autoconfiança facilita a adesão aos novos meios de comunicação, quebrando um ciclo geracional de pessoas incapazes de interagir num ambiente cultural embebido das linguagens advindas das TIC (e.g., Berthou, 2009; Coelho, 2007; J. M. Pereira, 2007). As pessoas usam a tecnologia para o seu desenvolvimento individual e coletivo (e.g., Grossi, Costa & Santos, 2013), contribuindo para promover a sua transformação social e inclusiva.

Quanto ao meio ambiente, teremos diferentes manifestações de interesse e aprendizado, em particular se considerarmos a idade como um fator diferenciador. Note-se que a aprendizagem social refere-se às capacidades de comunicação, relação social e aquisição de conhecimento, enquanto a aprendizagem profissional refere-se à obtenção de uma competência, como procedimento sistematizado de ajuda específica à fixação de alguma atividade ou tarefa (Berthou, 2009). Verificamos que são os mais jovens que mais relevo dão à educação (não formal). Em boa medida, por associarem muito que a vida cotidiana é um lugar e motor natural de aprendizagem (e.g., Gohn, 2009). Em função disso, pessoas adultas e idosas vivenciam diferentes aprendizagens ao longo de suas vidas, à medida que suas prioridades se vão alterando. Na verdade, as omissões no ensino básico no Brasil contribuem para a crescente utilização e valorização dos Telecentros, quando é tão importante e necessária a formação profissional para conquistar uma posição no mercado de trabalho, para ter uma renda e melhores condições de vida. Nos demais grupos etários, a aprendizagem via Telecentro está mais associada à dimensão social, para comunicar, interagir ou reivindicar – na sua maioria, os idosos estão aposentados, e os adultos, mais do que uma

qualificação profissional, querem ter mais competências em TIC, ter mais lazer, ou progredir nas suas profissões (com cada vez mais tecnologias).

Os projetos de aprendizagem, ou educação não formal, desenvolvidos nos Telecentros, ganham força e valor por corresponder ao anseio por algo de novo, levando estas pessoas, de forma lenta, mas com determinação e prazer (conforme observamos) a ter oportunidade de conquistar um lugar nesta nova sociedade em rede, sentindo-se incluídos digitalmente. Por isso, a oferta de cursos, o acesso à internet e ao computador são os motivos para frequentar o Telecentro. Os jovens usam-no também para pesquisar, fazer trabalhos escolares, ler textos ou imprimir documentos, num espaço que é calmo e sem conflitos familiares, que oferece recursos (TIC) melhores do que os que possam ter em casa, e permite maior concentração para estudar. Para além disso, muitas vezes eles usufruem de orientação dos monitores de informática (quando o Telecentro os disponibiliza), de um colega ou usuário do computador, sobre alguma funcionalidade que ainda não dominam. Assim, o Telecentro é um espaço de ensino e aprendizagem. O aprendizado e a interação com o meio e, por consequência, a conscientização (e.g., Freire, 1987) estão diretamente relacionados com a qualidade dos dados acessados, das informações percebidas e do conhecimento absorvido e transmitido pelos seus usuários (e.g., Mendes, 2001). Ressalte-se que a educação não formal ofertada nos Telecentros é um complemento da educação formal dos ciclos escolares – o que, pelo observado, nos leva a questionar a base educacional deste grupo de pessoas. Será que o conhecimento obtido, em especial, pelo grupo dos adultos e idosos está relacionado com as experiências adquiridas ao longo da vida e os novos conteúdos adquiridos com utilização das TIC? (e.g., Lança, 2004; Alturas, 2013).

Depreende-se, dos resultados obtidos, que os usuários de Telecentros se esforçam para ajudar o próximo e que valorizam o saber e o fazer desenvolvidos nestes locais, como espaços de aprendizagem e obtenção de conhecimento. Sendo assim, eles os consideram uma extensão da escola formal. Não ignoramos tais percepções, numa perspectiva global, com as devidas contradições e incertezas. Mas considerando o contexto social desfavorável em que as pessoas se encontram, o saber adquirido e a aprendizagem informal podem proporcionar o aumento da sua autoestima, empoderamento e valorização, ainda que pelo reconhecimento restrito da comunidade em que vivem.

Essa é uma das maiores contradições na sociedade em rede: a aprendizagem por meio das TIC é universal, mas a sua aplicação é local (e.g., Castells, 2011). Entender e respeitar os limites de cada um, de uma aprendizagem fragmentada, longe do ideal acadêmico e das teorias complexas, e mais próxima da realidade humana e urbana, será o caminho para a inclusão social e digital dessas pessoas. Parece utópico pensar que um dia todos teremos o mesmo nível de educação, ainda mais se considerarmos que o acesso à educação está diretamente relacionado com o nível econômico. Aceitar ou rejeitar essas pessoas no âmbito social e produtivo nos parece sempre ter sido o maior desafio de toda a educação inclusiva (e.g., Berthou, 2009).

A chave para a inclusão social está na valorização e no empoderamento das pessoas, ao proporcionar- lhes expressão e participação. Mesmo questionando a qualidade e a amplitude da aprendizagem (empoderamento local), pode-se inferir que o processo de conscientização (de si próprio ou do meio ambiente) reúne interesses comuns, permitindo assim que pessoas com diferentes idades e necessidades participem em projetos coletivos que contribuam para o fortalecimento da identidade territorial. Quanto

maior a conscientização (adquirida pela aprendizagem), mais valorizado será o indivíduo e mais bem preparado estará para reconhecer os seus direitos e deveres (e.g., Correia, 2001).

Conclui-se que os programas de Inclusão Digital, nas atividades relacionadas no âmbito descrito, têm proporcionado a muitas pessoas ultrapassar a barreira da exclusão digital, o medo de usar as TIC e o analfabetismo digital, pelo acesso ao computador, à internet e aos cursos ofertados nos Telecentros, com acesso a saberes e aprendizagens distintas do conhecimento prescrito nas escolas e que fazem parte da formação dos indivíduos (e.g., Gohn, 2011).

O uso dos Telecentros para a reivindicação dos direitos (identidades territoriais) e da melhoria da qualidade de vida, em particular, entre os adultos e idosos, é o resultado que vai mais além do encontrado em estudos anteriores (e.g., Sey et al., 2013; CGI.br, 2013), que apontavam como principal uso dos Telecentros a navegação na internet e o uso das redes sociais. Ressalve-se que tais estudos não aprofundaram para que, e nem por que, essas pessoas navegam na internet e usam as redes sociais. Com acesso facilitado aos recursos dos Telecentros, essas pessoas estão reivindicando, naturalmente, melhores condições de vida, quer no âmbito individual, quer no coletivo, nomeadamente em nível da saúde pública, da infraestrutura, da moradia e da segurança. A experiência de vida, e os anos passados em condições sociais de baixa qualidade ajudam a explicar tais resultados. As pessoas sabem que para haver melhorias precisam de utilizar as TIC paras se integrarem com outras comunidades (locais ou não), e para eleger e ter apoio de lideranças comunitárias e políticas, para que possam ser representados na classe política responsável por promover tais melhorias, por meio das políticas públicas. Como simples exemplos, cita- se a participação no orçamento participativo digital da cidade de Belo Horizonte, a conquista de eventos culturais (carnaval, shows musicais, concurso de poesia, etc.) para os espaços públicos comuns, e projetos de solidariedade comunitária, como bazar de roupas usadas, fornecimento de transporte urgente para levar pessoas aos hospitais, doação de cadeiras de rodas, entre outros.

Nesse sentido, essa categoria das identidades territoriais funde-se com a categoria da cultura, uma vez que parte da identidade local a cultura de uma comunidade ou povo. A categoria cultura e língua teve apenas 40 falas. Tal fato relaciona-se com a característica urbana da inserção dos Telecentros em uma grande metrópole ou na própria topologia dos Telecentros, com objetivos específicos diferentes. Apenas em um Telecentro (Centro Cultural Padre Eustáquio) fez-se referência ao resgate e à oferta da música quilombola, ao concurso de poesias e a projetos de leitura comunitária. Outro ponto que nos chama a atenção é o pouco entendimento do significado do resgate e do uso da língua local, provavelmente resultado da baixa escolaridade. Há uma nítida confusão entre projetos culturais de resgate da língua com a oferta de língua estrangeira como fator cultural de uma comunidade ou nação. No que tange à cultura local, ao olharmos historicamente o percurso dos projetos de Inclusão Digital desenvolvidos nos Telecentros brasileiros, afirmamos que estes espaços são ou foram (em um passado próximo) importantes no apoio ao desenvolvimento da cultura local. São exemplos: o resgate da sambada de coco em Recife (PE) por meio de divulgação de vídeos e shows populares; congada à Nossa Senhora do Rosário pelos negros quilombolas; e cantos visgunhos (entoados por escravos durante o trabalho de mineração na cidade de Diamantina); projetos voltados à tecnologia social (com foco na subsistência alimentar), gestados pela Fundação do Banco do Brasil com Índios do Amapá e quilombolas do Piauí; entre outros. Depreende-se aqui que o local de inserção e a tipologia do Telecentro fazem diferença em seu uso quando

a categoria é a cultura e a língua. Mais do que buscar informações, partilhá-las torna-se a evolução mais significativa no século XXI no âmbito do uso das TIC na sociedade em rede (e.g., Topaloglu, Caldibi & Oge, 2016; Caraça, 2007).

Reafirmando a tendência dessa evolução, a categoria comunicação e lazer (com 192 UR) surge como a segunda mais referenciada pelos participantes, sendo a primeira entre os jovens e jovens adultos, e a segunda entre os adultos e idosos. Mas o que é comunicar? Na definição clássica dos dicionários da língua portuguesa, comunicar é participar, transmitir, fazer e saber. Para alguns autores, o conceito de comunicação poderá assumir várias conotações, tendo um sentido e uma aplicação para cada pessoa (e.g., Harlow & Compton, 76). Para esse grupo, a comunicação, entendida aqui também como sinônimo de partilha ou participação, se manifesta pela troca de informações, utilizando e-mails, redes sociais e aplicativos específicos para partilha de fatos, ideias, opiniões, fotos, músicas, problemas e busca de soluções pessoais e coletivas das mais diversas naturezas. Pelos seus depoimentos, o ato de comunicar envolveu mais do que transmitir fatos e opiniões; envolveu também sentimentos. Envolveu a necessidade de serem entendidos e de entenderem os outros. Um exemplo desses sentimentos transmitidos é observado quando estes se expressam sobre a política brasileira (que nos últimos 14 anos no Brasil tem divido opiniões, e segregado amigos e familiares) ou sobre as questões de sexo, religião, músicas ou até mesmo times de futebol. A falta de precisão, ou de profundidade, na partilha de tais intenções ou sentimentos emergiu em suas falas como um dos fatores que levam a situações conflitantes entre grupos de pessoas que fazem parte de uma comunidade, seja virtual ou presencial.

Outro problema que verificamos no processo de comunicação é que os participantes dizem não verificar a veracidade da maioria das informações ou dos fatos independentemente de crer ou não nestes fatos, assim demonstrando imaturidade na capacidade de ler e compreender, até mesmo quando estão em contradição com o que acreditam ser o melhor para si ou para o meio ambiente. Voltamos aqui à diferença de interpretação entre o comunicador e o receptor da informação. Sendo a comunicação a segunda categoria mais citada, infere-se que este processo de comunicação se concretiza por tentativas e erros, e com o uso do bom senso.

Quando analisadas as informações da categoria lazer, ou seja, atividades não produtivas que têm um fim em si mesmas: “o consumo do lazer, bens e serviços” (e.g., Cardoso, Gomes & Cardoso, 2007), fomos