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PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO/REVISÃO DE LITERATURA 2 CAPÍTULO II SOCIEDADE EM REDE

3 CAPÍTULO III CIDADANIA

3.3 Noções de cidadania digital

Partindo da natureza tecnológica das atividades para participar na sua construção e modificação do processo de interação de direitos e deveres, individuais e coletivos, a esta podemos chamar de cidadania ativa ou de hiper-cidadania ou cidadania digital. A cidadania digital é compreendida como o exercício mais profundo de participação política, social e econômica utilizando as TIC (e.g., Silveira, 2010). Snyder (2016) complementa o conceito de cidadania digital como um modo de vida em que a ética, a moral, a utilização responsável da tecnologia deve garantir a segurança de si próprio e de outros colaborando em uma sociedade cada vez mais digital, em rede e global. Já Wright (2008, p. 6, tradução nossa) define o exercício da cidadania digital como “a capacidade de participar na sociedade online”13, como sendo a definição mais clara do habitar no mundo moderno, em rede. Tal conceito representa a capacidade, a pertença e o potencial para o envolvimento político e econômico na sociedade na era da informação e do conhecimento por meio do impacto da internet no envolvimento cívico e na participação política. Warschauer (citado por Wright, 2008) afirma que a cidadania digital incentiva o que já foi chamado de inclusão social.

O cidadão tem maior possibilidade de participar ativamente da sociedade se o Estado disponibilizar medidas e aplicações (sistemas) com oferta de serviços públicos pela implantação do governo eletrônico e da administração eletrônica e a sociedade pela oferta de serviços e comércio eletrônicos (e.g., Silveira, 2010).

Apesar de os métodos e técnicas utilizados para executar as atividades diárias do cidadão terem sido alterados em função das TIC, esse novo cenário tecnológico só reforçou a responsabilidade do Estado como suporte ao progresso, à justiça e à modernidade, oferecendo, assim, ao cidadão a possibilidade de exercer sua cidadania com maior liberdade, valorização, respeito ao outro e principalmente pelo seu papel insubstituível do cidadão como produtor e transmissor de conhecimento (e.g., Caraça, 2007; J. M. Pereira, 2007; Zorrinho, 2007).

Mas, infelizmente, essa mudança de métodos promovidas pelas TIC impactou socialmente e moralmente a vida dos cidadãos, que passaram a ser classificados como cidadãos de primeira e segunda classe em função de suas habilidades e uso das TIC ao exercerem suas atividades no dia a dia. Na sociedade em rede, os cidadãos de primeira classe são considerados aqueles que utilizam a internet, no celular ou no computador, para fazer suas atividades e exercer a cidadania digital, como, por exemplo: participar de votações populares em orçamentos públicos ou plebiscitos de interesse social, convocar manifestações sociais, fazer currículos, procurar emprego, fazer entrevistas de trabalho, pagar impostos, fazer declarações fiscais, operações bancárias, consultas médicas, qualificação profissional, obtenção de documentos como licenças e certificados, reservas em hospedagem para negócios ou lazer, se locomoverem a pé ou de carro ou procurarem estabelecimentos comerciais, de saúde, de educação através de aplicações que utilizam sistemas de posicionamento global-GPS, dentre muitos outros. Já os de segunda classe são aqueles que enfrentam filas nos bancos, nas administrações púbicas e preferem utilizar os sistemas não digitalizados/eletrônicos para fazerem suas atividades no dia a dia (e.g., J. M. Pereira, 2007).

Mesmo que entidades públicas ou privadas providenciem a neutralização de vários aspectos impeditivos (custo, capacitação, etc.) para participar da sociedade em rede [...] a segmentação cultural entre os participantes dessa sociedade, tornam o espectro de distribuição da cidadania, cada vez mais longínquo da ideia de “igualdade de dignidade” de ignorantes e de menos ignorantes em cada matéria específica dos cidadãos na sociedade da informação. (J. M. Pereira, 2007, p. 528)

Em que pese a classificação em cidadãos de primeira e segunda classe imposta na sociedade em rede não se pode admitir o surgimento de uma nova estratificação social com diferenças de valores no exercício da cidadania baseada no uso das TIC ou da condição social dos cidadãos, porque não há soluções globais que não possam ser coletivas, partilhadas, aceites e operacionalizada por todos, pois estas só dependem dos Estados e da própria sociedade. O acesso de todos à educação e à informação para o exercício da cidadania (passiva e ativa) tem que ser uma obrigação social baseada na solidariedade e na tolerância de todos os envolvidos no desenvolvimento das nações ou, “de outro modo, esconderá uma tentativa de regresso a um passado de arbítrio dos poderes constituídos sobre (alguns) cidadãos: os que são menos iguais do que outros (Caraça, 2007, p. 154).

Fora exclusão social e digital, que são considerados os maiores problemas no exercício da cidadania digital em função da utilização das TIC, o que não deixa de ser um reflexo da classificação dos cidadãos de primeira e segunda classes - outros problemas e ameaças são identificados para o seu pleno exercício (e.g., J. M. Pereira, 2007). Entre eles, estão:

a) a falta de privacidade em função dos dispositivos de segurança de videovigilância em áreas públicas e privadas, como, por exemplo: nas estradas, nos aeroportos, nos edifícios públicos, residências, comércio, dentre outros;

b) a falta de proteção dos dados pessoais (privacidade) / Invasoras detentoras de motores de busca, hospedam caixa de correio eletrônico, de blogs e base de dados que permitem reconstruir as pesquisas efetuadas, as preferências, as informações emitidas e recebidas, as preparadas e não enviadas das mensagens trocadas, etc.;

c) os cidadãos que aderem a correntes de boas causas ou de cadeias de voluntarismos tendem a ser um repetidor fácil e imediato de mensagens sem verificação de sua veracidade e sem a reflexão necessária aos interesses em causa, cedendo, sem grande esforço de pensamento, à própria autoestima e de autoafirmação, e correndo o risco de aumentar o populismo, tornando-os de cidadãos ativos a seguidores passivos de interesses de outrem (e.g., J. M. Pereira, 2007; Moreira, 2007); c) muitas instituições abandonarem formatos de organização e métodos de comunicação dos relacionamento personalizados, humanísticos a favor de uma progressiva utilização de aplicações e redes digitais que tratam os cidadãos sem a expressividade e peculiaridade individual que cada ser humano merece (e.g., J. M. Pereira, 2007; Moreira, 2007);

d) a utilização das TIC para a interação dos cidadãos (e.g., reuniões eletrônicas, consulta em sondagem, o voto em administração participativa, etc.) não facilitam a existência de espaço comum para o exercício da cidadania, com aspirações e agenda comuns (e.g., J. M. Pereira, 2007);

Na sociedade em rede, com tantas desigualdades, em que o destino do cidadãos pode estar em suas próprias mãos com vantagem de poder consolidar e disseminar a mensagem de forma mais rápida do que nunca, usando as autoestradas da informação e motores de busca e sincronização de “informações, desejos, necessidades e perspectivas” para viver nesta sociedade. A “chave” para a conquista da cidadania é cada vez mais o acesso à informação, à qualificação e à formação com prevalência na criação de valores sociais, econômicos e políticos compatíveis com as novas regras da economia global (e.g., Zorrinho, 2007).

Assim, o exercício da cidadania digital poderá com maior universalidade permitir uma realização de práticas, de hábito coletivo que compatibiliza os polos da construção social: o do indivíduo (suas necessidades e seus desejos) e o da coletividade (organismos sociais que têm por referência o coletivo) (e.g., Covre, 2001).