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PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO/REVISÃO DE LITERATURA 2 CAPÍTULO II SOCIEDADE EM REDE

2.3 Impactos da internet no mundo digital e na sociedade

2.3.1 Benefícios e ameaças

A internet é definida por Castells (2011) por: conjunto com o World Wide Web (WWW) e as comunicações sem fios como um meio de comunicação interativa que se distancia da comunicação tradicional. A internet abre um leque de aplicações distribuídas por todos os patamares da vida e “é o tecido em várias áreas: no trabalho, nas ligações pessoais, na informação, no entretenimento, nos serviços públicos na política na religião” (Castells, 2011, p. XLIX). “A internet deve ser considerada como uma rede de indivíduos, bem como uma rede de computadores (Hargittai, 1999). Portanto, acreditamos que o uso individual da internet pode ser explicado por meio de diferenças de valores individuais”7 (Bagchi, Udo, Kirs & Choden, 2015, p. 77, tradução nossa).

Na sociedade em rede, a internet é considerada a base de mudança do paradigma em sua organização e prática social, ou a principal chave das TIC para o desenvolvimento das transformações sociais, econômicas e políticas com vistas à erradicação da pobreza, ao desenvolvimento econômico e à melhoria da reengenharia de processos de negócios. Só haverá transformação se efetivamente todos puderem usá-la, mas infelizmente existem muitas e grandes diferenças entre todos os países no mundo (e.g., Correia, 2007; Bagchi et al., 2015).

A utilização da internet traz consigo muitas possibilidades de mudanças sociais, especialmente nas últimas décadas. Segundo Castells (2011), talvez a mais evidente tenha sido a transformação do processo de comunicação por este fazer parte de uma característica distintiva do ser humano, que é ser lógico. Tal percepção de Castells é fácil de constatar ao deparamos com o fato de que diariamente aumentam as pessoas que acessam: televisão, rádio, jornais, filmes, músicas, revistas, livros, artigos, base de dados, etc. por meio de aplicações na internet como forma de produto cultural ou informacional digitalizado. Assim, a internet se popularizou e pode-se ter acesso ao que se quer, quando se quer, e, o mais importante de tudo é que é possível assimilar a informação em função do ritmo cognitivo individual de acordo com o nível educacional, faixa etária, cultura ou interesse, dentre outros (e.g., Castells, 2011; Correia, 2007; Topaloglu, Caldibi & Oge, 2016).

Com o desenvolvimento das tecnologias de comunicação, especialmente a internet tornou-se um local popular de comunicação onde mudanças mais acontecem, e isto afeta a vida humana desde os primeiros anos de vida. A internet, presente em todos os lugares, da educação à defesa e à ciência e ao entretenimento, reformulou as relações interpessoais, bem como a vida social, econômica e cultural. (Topaloglu, Caldibi & Oge, 2016, p. 350, tradução nossa)8

Diante da facilidade e da liberdade de acesso e escolha dos diferentes tipos de informação e conhecimento proporcionada pela internet aos seus usuários (que não são iguais e nem perfeitamente racionais), coloca-se que seu uso está relacionado à percepção moral de valores de cada indivíduo. Assim, de acordo com os valores culturais de cada sociedade, abrem-se muitas possibilidades em se utilizar a internet de forma correta ou incorreta. Pode-se dizer que a moralidade quanto ao uso da

7“The Internet has to be considered as a network of individuals as well as a network of computers (Hargittai, 1999).

Therefore, we believe that individual Internet use can be explained with the differences in individual values.”

8“With the developments in communication technologies, especially the Internet has become a popular place for

communication where changes happen most, and it affects human life starting from very early years. The Internet, which is present everywhere from education, defense to science and entertainment, has reshaped interpersonal relations as well as social, economic and cultural life.”

internet está relacionada às escolhas feitas pelos indivíduos, ou seja, que optam por fazer o certo, embora tivessem a liberdade para fazer aquilo que está errado. A cada livre escolha de cada indivíduo, essas o colocam à frente da verdade em que acreditam ou querem para viver na sociedade em rede, e, assim, com convicção, vão moldando seu caráter, ética e cultura (e.g., Moreira, 2007; Coelho, 2007). Infelizmente, no percurso imaginário oferecido pelas escolhas erradas no uso da internet, muitos atos ilícitos são praticados por operadores cibercriminosos (não significa pessoas pobres) contra pessoas inocentes, empresas, países e a sociedade. Para praticá-los, esses “piratas” do século XXI utilizam-se da internet e da ligação global para “submergir/penetrar” nas vulnerabilidades dos sistemas e deficiências e/ou insuficiências dos fabricantes, operadores, usuários, e, em última análise, dos legisladores e governantes. Alguns desses atos ilícitos são clones perfeitos das operações verdadeiras feitas digitalmente nas aplicações da internet e vêm trazendo pânico e insegurança às pessoas e empresas que foram vítimas desses ataques por bandidos cibernéticos (e.g., Veríssimo, 2007; Coelho, 2007).

Parte dos ataques cibernéticos – e não só – estão relacionados ao grave problema que através da internet o mundo online está vivendo, talvez o maior dos males no século XXI, que é a perda da privacidade. A privacidade das pessoas está sendo invadida, seja pessoalmente (fisicamente) ou a de seus dados, que estão sendo acessados e controlados sem a livre autorização - muitas vezes por imposição de grandes empresas que lideram o mercado digital. Tal privacidade é invadida e perdida quando nossos dados, nossas preferências e nossos desejos são “vendidos” pelos que os acessaram nas aplicações da internet a políticos e/ou empresas comerciais e até a bandidos cibernéticos que passam a nos assediar e interferir em nossas escolhas e até nos lesar financeiramente, rompendo, assim, nossos direitos básicos constitucionais relacionados à cidadania (e.g., Coelho, 2007; Veríssimo, 2007).

Mas nem tudo é mal no uso da internet:

o fato de a internet colocar à disposição dos usuários abundantes formas de comunicação de que antes não disponham facilita que mais pessoas estejam e condições de saber o que está a acontecer e ao mesmo tempo permite que estas pessoas expressem a sua opinião e que esta chegue diretamente a milhões de pessoas, sem ter que estarem sujeitas apenas aos clássicos meios de informação. (Moreira, 2007, p. 607)

Também como vantagem no uso da internet, no novo modelo socioeconômico prevalecente na sociedade em rede ou globalizada, as estruturas tradicionais de mercado têm fortes possibilidades de ser rompidas, criar mercados e negócios inteiramente novos e deslocar os modelos de negócios existentes ao diminuir as velhas barreiras comerciais (e.g., Dias, 2007; Amaral L. M., 2007; Montargil, 2007).

Apesar dessas novas possibilidades de mercados e negócios advindas da suposta revolução democratizada da internet, ainda se verifica fortíssima tendência de concentração capitalista, não alterando, assim, a relação de poder na sociedade globalizada que continua a privilegiar determinados grupos sociais em detrimento a outros em função do seu acesso (e não só) não se distribuir de forma igualitária (e.g., Dias, 2007; Amaral L. M., 2007; Montargil, 2007).

Além do acesso desigual à internet com reflexos diretos nas possibilidades de crescimento capitalista no mundo globalizado, tais acessos e possibilidades estão diretamente associados às variáveis sociodemográficas ou características de grupos de indivíduos, tais como: serem mais escolarizados e

mais jovens, desempenharem profissões mais qualificadas e/ou residirem em regiões mais desenvolvidas em um contexto nacional. Tais variáveis ou características, quando interligadas ao uso da internet, acabam por, em sua grande maioria, influenciar no agrupamento dos indivíduos em três categorias de usuários da internet: inferior, intermédio e superior (e.g., Cardoso, Gomes & Cardoso, 2007; N. Rodrigues, 2007; Coelho, 2007).

As influências das variáveis sociodemográficas sobre o uso da internet têm sido relatadas em muitos estudos (e.g., Cyr & Head, 2013; Park & Jong-Kun, 2003; Zeffane & Cheek, 1993), além de outros como:

a) o nível escolar está fortemente correlacionado com a classe de renda (e.g., Jones & Fox, 2009); b) a faixa etária e o nível escolar são variáveis consideradas mais importantes quanto à facilidade ou

inibição ao acesso e uso da internet, se comparadas com outras variáveis como sexo, renda e/ou etnia (e.g., Nie & Erbring, 2000);

c) na faixa de etária acima de 64 anos tem sido relatado que a internet é usada principalmente para troca de e-mails (e.g., Jones & Fox, 2009);

d) os acessos utilizando a internet considerados mais populares variam de acordo com as faixas etárias, como, por exemplo: as aplicações bancárias, busca de emprego, compras e informações sobre saúde (e.g., Bagchi, Udo, Kirs & Choden, 2015).

2.3.2 O papel no Estado e os impactos sociais

2.3.2.1 Papel do Estado

Para aderir ao modelo socioeconômico imposto pela sociedade em rede, países (Estados) precisam estabelecer metas, em diferentes domínios, para o seu desenvolvimento econômico, social e político. Destacam-se prioritariamente três domínios que devem ser planejados e suas metas executadas para alcançar esse desenvolvimento, entre eles: a) preparação da transição de uma economia apoiada em bens de capitais para uma economia competitiva e dinâmica baseada na informação, no conhecimento e em rede (globalizada); desenvolvimento da modernização do modelo social democrático baseado na igualdade de oportunidades, por meio de investimentos nas pessoas e do combate à exclusão social; e promoção de perspectivas macroeconômicas e de seu crescimento mediante uma adequada combinação de diferentes políticas públicas (e.g., Lança, 2004). Como exemplo de planejamento dos domínios e execução de suas metas para o desenvolvimento na sociedade em rede, os países Portugal e Brasil apoiaram esses três domínios em setes pilares: 1) disponibilização de banda larga para todo os cidadãos; 2) oferta e formação em novas capacidades, especialmente para as populações mais desfavorecidas; 3) oferta de qualidade e eficiência dos serviços públicos por meio das aplicações de governo eletrônico;4) proporcionar aos cidadãos o direito de exercer melhor cidadania por meio da democracia eletrônica; 5) ofertar saúde de qualidade ao alcance de todos; 6) proporcionar ou gerar novas formas de criar valor econômico por meio de negócios eletrônicos e conteúdos interativos (e.g., Lança, 2004; UMIC, 2002).

Ao planejar esses domínios e executar suas metas o Estado assume um papel central criando cenários escalonados e evolutivos para o desenvolvimento de seus povos e da sociedade em rede. Mas, infelizmente, infere-se que a execução de todas as metas, em cada um dos domínios estabelecidos, é

complexa, difusa, diversificada, e muitas vezes utópica, especialmente em países pobres e em desenvolvimento. Corrobora com tal afirmação o fato de que ainda no século XXI, com toda a tecnologia disponível e metas bem delineadas por organizações internacionais que visam ao desenvolvimento da humanidade, na grande maioria dos países, pois raras são as exceções, ainda não há sociedades em que “todas” as pessoas têm inicialmente as mesmas possibilidades de se comunicar entre si ou com organizações públicas ou privadas por meio de sistemas e soluções disponíveis na rede WWW – e sem dizer que nem mesmo essas pessoas têm acesso ao preceito mais básico: o de usufruir com naturalidade de informação e conhecimento disponibilizados em fontes diversas, predominantemente, sob formas eletrônicas (e.g., Almeida, 2007).

Sendo a internet considerada a “chave central” para o desenvolvimento dos países na sociedade em rede e a existência da desigualdade social entre pessoas em um mesmo país, o Estado deve, por meio de políticas públicas, assumir um importante papel de garantir a criação para as condições de acesso generalizado à internet e do desenvolvimento da utilização das TIC visando a aumentar a literacia digital, contribuindo, assim, para a diminuição do “fosso digital” (e.g., Figueiredo, 2007).

Não só o Estado, mas, de modo geral, as empresas e outras entidades não públicas devem participar da sociedade em rede aplicando parte de sua responsabilidade social na criação de ambientes de acesso, do fomento à partilha de conhecimento, da garantia de espaços para trabalho colaborativo, da promoção de comportamentos éticos, dentre outros (e.g., Almeida, 2007).

Apesar de os Estados reconhecerem que muito ainda há para se fazer para a igualdade dos direitos humanos, é inegável que a eficiência das políticas públicas e da intervenção do Estado para o desenvolvimento das pessoas e dos países na sociedade em rede tem sido comprovada pelo aumento do número de grupos sociais com acesso direto às TIC com reflexos na educação e no exercício da cidadania (e.g., Neves, 2007).

2.3.2.2 Impactos sociais

A intensidade e o grau de conhecimento no uso das TIC, em especial a internet sugerem classificações de seus usuários em categorias, por exemplo, inferior, intermédio ou superior. Mas independentemente do motivo que leva o indivíduo a pertencer a essas categorias, existe uma condição individual prévia para as utilizarem: os valores motivacionais individuais como princípios orientadores em suas vidas. A satisfação, a realização, o poder, o prazer são alguns desses valores individuais que motivam as pessoas em suas ações utilizando as TIC e a internet (e.g., Bagchi, Udo, Kirs & Choden, 2015). Quanto à internet, Schwartz identificou dez tipos de valores (cf. Tabela. 1) que influenciam o seu uso (e.g., Bagchi, Udo, Kirs & Choden, 2015).

Schwartz define valores como "objetivos desejáveis, trans-situacionais, de importância variável, que servem como princípios orientadores na vida das pessoas". Indivíduos, seja em meio a uma ou através de várias sociedades, têm prioridades de valores bem diferentes que refletem suas diferentes heranças genéticas, experiências pessoais, locais, sociais e por processos de aculturação [...] O valor também é descrito como um construto motivacional que influencia as metas que os indivíduos podem tentar atingir e que levam à observação de que os comportamentos individuais são guiados por seus valores [...] valores são crenças intimamente relacionadas às metas desejáveis. Os valores transcendem ações e situações específicas, servem como padrões ou critérios e são ordenados por importância em relação uns aos

outros. O conjunto ordenado de valores forma um sistema de prioridades de valores. A importância relativa do conjunto de valores relevantes orienta a ação.9 (Bagchi, Udo, Kirs & Choden, 2015, p.78)

Tabela 1. Dez valores motivacionais para o uso da internet definidos por Schwartz

Grupo Valor Descrição

Conservação

Segurança (ordem social)

Segurança, harmonia e estabilidade da sociedade, das relações e do eu (a segurança de seu país é muito importante, quer que seu país esteja a salvo de seus inimigos).

Tradição (humanidade, devoção)

Respeito, compromisso e aceitação dos costumes e ideias que a cultura tradicional ou religião proporciona (pensa que é importante fazer as coisas da maneira como aprendeu com sua família, quer seguir costumes e tradições).

Conformidade (obediência)

Restrição de ações, inclinações e impulsos suscetíveis de perturbar ou prejudicar os outros e violar as expectativas ou normas sociais (acredita que as pessoas devem fazer o que lhes é dito, pensa que as pessoas devem seguir as regras em todos os momentos, mesmo quando ninguém está assistindo).

Auto

transcendência

Benevolência (gentiliza)

Preservação e melhoria do bem-estar de pessoas com quem se está em contato pessoal frequente (sempre quer ajudar pessoas que estão próximas, muito importante para cuidar das pessoas que conhecem e gostam).

Universalismo (justiça social e igualdade)

Compreensão, apreciação, tolerância e proteção para o bem-estar de todas as pessoas e para a natureza é importante que todos no mundo sejam tratados de forma igual (quer justiça para todos, mesmo aqueles não conhecidos). Capacidade de abertura a mudanças Estimulação (vida excitante)

Emoção, novidade e desafio na vida (procura aventuras, gosta de correr riscos, quer ter uma vida excitante).

Autonomia (liberdade e criatividade)

Pensamento independente e ação-escolher, criar, explorar (pensa que é importante estar interessado em coisas, é curioso e tenta entender tudo).

Auto

aperfeiçoamento

Realização (sucesso e ambição)

Sucesso pessoal por meio da demonstração de competência de acordo com as normas sociais (ser muito bem-sucedido é importante, gosta de se destacar e impressionar outras pessoas).

Poder (autoridade, riqueza)

Status social e controle de prestígio ou domínio sobre pessoas e recursos (gosta de ser responsável e diz aos outros o que fazer, quer que as pessoas façam o que lhes é dito).

Hedonismo Hedonismo (prazer)

Prazerosa e sensual para si (quer gozar a vida, ter um bom tempo onde gratificação muito importante).

Fonte: adaptado de Bagchi, Udo, Kirs e Choden (2015, p. 79)

Bagchi, Udo, Kirs e Choden (2015) analisaram o uso da internet em países desenvolvidos considerando o impacto dos valores propostos por Schwartz, e concluíram que apenas a metade desses tiveram impactos significativos no uso da internet (mais detalhes em Bagchi, Udo, Kirs & Choden, 2015). Resta-nos saber, em estudos futuros, se em países em desenvolvimento e subdesenvolvidos haverá impactos desses valores na vida das pessoas com o uso da internet.

9 Schwartz defines values as ‘‘desirable, transsituational goals, varying in importance, which serve as guiding

principles in people’s lives”. Individuals both within and across societies have quite different value priorities that reflect their different genetic heritage, personal experiences, social locations, and enculturation […] Value is also described as a motivational construct that influences the goals individuals may attempt to attain which leads to the observation that individual behaviors are guided by their values […]values are beliefs, closely linked to desirable goals. Values transcend specific actions and situations, serve as standards or criteria and are ordered by importance relative to one another. The ordered set of value forms a system of value priorities. The relative importance of the set of relevant values guides action.