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PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO/REVISÃO DE LITERATURA 2 CAPÍTULO II SOCIEDADE EM REDE

3 CAPÍTULO III CIDADANIA

3.2 Noções de cidadania

Definir cidadania significa incorporar as várias transformações produzidas ao longo da história da humanidade, desde a Grécia antiga, em que se limitava aos indivíduos livres, que gozavam de privilégios, passando aos que obedeciam às normas estabelecidas pelo Estado até chegarmos à cidadania no século XXI, em que o cidadão passou a ser sujeito de direitos, sem distinção de sexo, raça, convicção política ou religiosa e que se expressa livremente e com direito ao domínio sobre seu corpo e sua vida (e.g., Diniz, 2014; Covre, 2001). Diniz (2014, p.10) complementa ainda que a construção do conceito de cidadania se deu pela mobilização de:

[...] pessoas e organizações, na busca pela construção de uma sociedade igualitária e participativa. Hoje, mais do que nunca, a participação popular se apresenta como uma das mais visíveis demonstrações do exercício da cidadania, sendo, ao mesmo tempo, uma garantia para esse exercício, possibilitando e assegurando outros direitos.

Logo, ser cidadão implica ter direito à vida, com liberdade, igualdade, perante a lei, em participar no destino da sociedade, saber decidir, opinar de forma construtiva, respeitar os direitos de outrem, ter direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice tranquila (e.g., Diniz, 2014; Pinsky & Pinsky, 2005). Na perspectiva da participação no destino da sociedade, a cidadania poder ser passiva, assegurando direitos em sociedade, como forma de garantir o direito à vida, ou ativa, fomentando o direito à vida em sociedade, com participação civil e política (e.g., Massensini, 2011; Silveira, 2010; J. M. Pereira, 2007).

É necessário que, para o exercício da cidadania, haja a conscientização do ser humano em relação à realidade em que vive, pela efetiva capacidade de participar na sua construção e modificação, e poder partilhar os seus benefícios, num processo contínuo de interação de direitos e deveres, individuais e coletivos (e.g., Massensini, 2011). Ainda que as classes sociais traduzam um sistema de desigualdades sociais, o exercício de cidadania visa a uma igualdade de direitos e obrigações, fortificada por ideias, valores e crenças (e.g., Marshall, 1967), assentes em três direitos fundamentais: civis, que se referem à liberdade individual; políticos, assegurados e ampliados pelo direito de participar no exercício do poder; e sociais relacionados com o usufruto do bem-estar social e econômico (e.g., Massensini, 2011). Considerando o trajeto histórico da cidadania assentes na conquista dos seus três direitos básicos, podemos afirmar que “o bem-estar e a dignidade em nossa sociedade passa impreterivelmente pelo pleno exercício da cidadania” (Caraça, 2007, p. 154).

No processo de desenvolvimento social a partir das TIC, importa compreender que, na construção do Estado aberto, o exercício da cidadania é consolidado necessariamente pelo uso e pelo acesso da informação de forma democrática e pelo combate à exclusão, matérias em que o Direito não pode deixar de estar envolvido, “pois tanto a conquista de direitos políticos, sociais e civis como a implementação dos deveres do cidadão dependem fundamentalmente do livre acesso à informação sobre tais direitos e deveres” (Castells, 2003, p. 09).

Todas as sociedades livres devem reconhecer que “cada indivíduo tem o direito a seguir as suas preferências pessoais, e que carecem de respeito pela dignidade e pela essência da liberdade. É, contudo, também verdade que nessa sociedade a estima do indivíduo depende do uso que este faça da liberdade” (Moreira, 2007, p. 605). Assim, “pode-se dizer que o que caracteriza a cidadania é a liberdade de agir e de pensar” (Diniz, 2014, p. 10). O homem livre possui a certeza “de que sua vontade não será impedida de ser proclamada por injunções que lhes são externas. Ele sabe que essa vontade implica responsabilidade e se articula às vontades de todos os outros cidadãos reunidos no mesmo espaço e tempo social” (N. Rodrigues, 2001, p. 238).

Sem liberdade, sem autonomia e sem responsabilidade não pode existir a cidadania. “Ao mesmo tempo que estas condições constituem os pilares da cidadania, também se configuram como pilares para ética. Sem a liberdade de pensamento e de ação o indivíduo não pode ser ético, visto que a ética é uma manifestação própria da pessoa humana” (Diniz, 2014, p. 10).

O Livro Verde da Sociedade da Informação, desde a sua primeira edição, em 2000, no Brasil e em Portugal, abordou as questões da cidadania com uma concepção estrutural própria, especialmente nos pontos: a democraticidade da sociedade de informação e o Estado aberto. Nesses dois pontos muitas propostas e questões foram postas em prática e concretizadas na sociedade da informação, do conhecimento e em rede, mas em todas elas permaneceu a visão clássica de que, sem o Estado, não seria possível alcançá-las. Acrescenta-se que a cidadania pertence a um sistema bipolar, que se, de um lado, está a participação do Estado, quer seja pelo seu papel regulador das estruturas sociais ou da progressiva soberania no âmbito das organizações internacionais governamentais (OIG) ou pelo papel da globalização no desenvolvimento dos Estados, do outro lado estão as organizações internacionais não-governamentais (ONG e OING) ou a atuação direta dos cidadãos apoiados no direito internacional público. O resultado desse sistema bipolar no processo da cidadania é priorização do desenvolvimento igualitário das sociedades por meio valorização do direito humanitário e dos direitos do Homem nas suas múltiplas Declarações, Pactos, Convenções, dentre outros (e.g., J. M. Pereira, 2007; Poker, 2009).

O Estado também tem um papel fundamental na construção da cidadania ligado a regulamentação e reconhecido por lei das ocupações profissionais conexos aos processos produtivistas de interesse do próprio Estado para seu desenvolvimento no sistema capitalista do século XXI (e.g., Henriques, 2003). Salientamos que tal processo poderá constituir um “travão ao crescimento econômico ao criar incentivos sobre dimensionamento do Estado com efeitos aos desincentivos do investimento privado. Tal perspectiva capitalista induz que o indivíduo terá o direito à formação ao longo da vida para manter- se ativo no seu posto de trabalho. Nessa sociedade o “direito a formação” impõe ao indivíduo, em cada momento de seu ciclo de vida, que ofereça sua contrapartida ao Estado gerando valor compensatório

para a sociedade na criação (ou encontro) do seu posto de trabalho (e.g., Zorrinho, 2007; J. A. Tavares, 2007).

Ressalvam-se nesse processo de fomento a formação e a qualificação para a diminuição da desigualdade social. Parece-nos claro que, quanto mais democracia (direito político), maior será o grau de cidadania de uma nação (e.g., J. A. Tavares, 2007). Assim, o exercício da cidadania deverá ultrapassar o da classe social, “mas não deixar de permeá-la, assim como permeia vários organismos sociais, movimentos sociais (em geral, e os ditos novos, como o ecologista, o pacifista, o feminista etc.), determinadas gestões públicas, algumas ONGs, etc.” (Covre, 2001, p. 70).

A cidadania é o próprio direito à vida no sentido pleno. Trata-se de um direito que precisa ser construído coletivamente, não só em termos do atendimento às necessidades básicas, mas de acesso a todos os níveis de existência, incluindo o mais abrangente, o papel do(s) homem(s) no Universo. (Covre, 2001, p. 11)

Assim, a cidadania baseada em seus dois princípios fundamentais: igualdade e liberdade, como processo histórico que depende da força organizativa, mobilizadora e reivindicadora das pessoas e das articulações e organizações sociais por elas criadas, parecem conferir uma sobrevida na sociedade em rede com utilização das TIC, e ir em frente com as práticas da reivindicação, da apropriação de espaços, do combate para fazer valer os direitos do cidadão (e.g., Diniz, 2014; J. M. Pereira, 2007; Covre,2001). “Neste sentido, a prática da cidadania com o uso das TIC (cidadania digital) pode ser a estratégia, por excelência, para a construção de uma sociedade melhor (Covre, 2001, p. 11).