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Figura 9 Vaticínio.

CINEMA DE GUERRA: HEROÍSMO E CRÍTICA

Ao escrever a letra da Canção do Exército Brasileiro, o Tenente Coronel Alberto Augusto Martins optou por uma posição dicotômica em relação à guerra, tratada simultaneamente como nunca desejável, mas, às vezes, necessária. Essa posição se expressa no estribilho da canção: “a paz queremos com fervor/ a guerra só nos causa dor/ porém, se a Pátria amada/ for um dia

73 Enquadramento com a câmera situada em um plano mais baixo que objeto ou pessoa enquadra, equivalente a

ultrajada/ lutaremos com fervor.”74

O uso da conjunção adversativa “porém” responde pela articulação dicotômica do verso, evidenciando duas posturas diferentes em relação à guerra, uma ideal, marcada pelo desejo e pela ausência e outra real, definida pela necessidade circunstancial.

Aplicando à postura acima descrita um movimento radical de distanciamento polar, emergem duas posições sobre o recurso à força das armas, ficando, de um lado, a negação e o repúdio absoluto da guerra, vista como evento execrável e inadmissível, porque contrário ao próprio princípio de civilização e, de outro, a aceitação fatalista desse mesmo evento, interpretado como alternativa viável e, por vezes, até desejável, frente a determinadas circunstâncias.

Assim, como demonstrado em relação à música, a produção cinematográfica que trata da guerra também se espalha entre o questionamento radical, por princípio e em princípio, passa pelas fatias intermediárias desse leque de opção, observando aceitação resignada do conflito, até atingir o extremo oposto, definido pela exaltação triunfalista do emprego das armas.

Neste texto, aos pólos extremos acima mencionados corresponderão os termos crítico e heróico, compondo, desse modo, duas categorias fundamentais para a ordem de análise de que se ocupa este capítulo.

Abstraindo condicionantes diversos, cujo tratamento e consideração não cabem no momento, a proposta em marcha pretende ir além da classificação de gênero, já incorporada pelo trabalho, para sugerir que os filmes de guerra, além dessa classificação mais ampla e academicamente sacramentada, também podem ser alinhados pela subclassificação que os rotula como peças críticas ou heróicas, a partir de um exercício de comparação relativa, focada nos modos escolhidos para construir a narrativa fílmica (sobre a guerra, evidentemente).

Destarte, a filmografia dita escapista e reacionária, que emerge da indústria cultural hollywoodiana, pode ser tomada como exemplo daquilo que a tese pretende subclassificar como cinema heróico, em que a guerra e seus agentes (quase sempre polarizados na figura centralizadora do herói, na concepção mais populista e popular do termo) quase sempre se exprimem pelo culto e pela reverência ao triunfo, do qual a guerra se eleva como um ato de grandeza, legítima, libertária, justa e positivamente necessária para consolidar e ampliar os conceitos e preceitos civilizatórios. A partir dessa visão, a guerra não só elimina obstáculos à civilização e ao progresso humano, nos contornos positivistas do termo, como alicerça esse

movimento positivista, constituindo-se, a própria guerra, em determinados contextos, um fator de contribuição para o desenvolvimento do ser humano e da humanidade. Exaltação, por exemplo, de avanços científicos científicos e conquistas tecnológicas verificadas em tempos de guerra, como a descoberta da penicilina e a invenção do radar, comumente batizados de conquistas positivas da guerra.

Nos filmes que investem nesse modo de olhar e interpretar, a guerra assume contornos de forja de heróis, evento capaz de agregar grupos sociais, impulsionar o progresso das nações, revitalizar e até criar valores sociais positivos. No mais das vezes, são narrativas libertárias, que, à destruição das batalhas, associam desenvolvimento tecnológico, afloramento de lideranças, configurando a vitória não como imposição simplista e simplória da força, mas, antes, recompensa à astúcia e à própria inteligência humana.

Na extremidade oposta, o que se denomina aqui filmografia de guerra crítica manifesta-se pelo uso da imagem em movimento para o questionamento unilateral do conflito armado, que, apesar da complexidade e da possibilidade de desdobramentos conseqüenciais, no frigir dos ovos resulta condenável, causa de heranças negativas, sem absolutamente nenhum resultado positivo e nenhuma legitimidade, desprovida de argumentos de sustentação. Anacrônica e contraditória, sob o olhar dessa subclasse de cinema, a guerra constitui paradoxo a ser superado pelas sociedades que se entendem em evolução e suprimido dos ambientes que se pretendem civilizados.

Dirigido por Stanley Kubrick, Glória feita de sangue (Estados Unidos, 1957) pode ser visto como exemplo clássico do cinema de guerra essencialmente crítico, em que são mostradas diversas faces negativas do conflito, sem contrapartidas atenuantes nem justificativas. A partir da novela escrita por Humphrey Cobb (Paths of Glory, no original), Kubrick destila críticas e questionamentos costurados pelo absurdo representado pela guerra, configurando uma sólida denúncia que não se limita à Primeira Guerra Mundial, ao exército francês ou a personagens específicas, mas atinge o próprio evento, em todas as suas dimensões.

O filme de Kubrick é ambientado na Primeira Guerra, conflito estrategicamente marcado pela luta de trincheiras que acabou constituindo um paradoxo militar, com os exércitos imobilizados pela inexistência de supremacia entre os contendores, cobrando elevado preço em vidas e sofrimento, sem absolutamente nenhuma compensação estratégica, como ocupação territorial ou supressão do inimigo. Nessas condições, os exércitos antagônicos batalham por objetivos imediatos e de valor estratégico reduzido ou inexistente, recorrendo a táticas

desesperadas, que simplesmente passam a desconsiderar o peso negativo das baixas humanas75. Assim, quando o regimento francês comandado pelo coronel Dax recebe ordens para ocupar o monte Formiga e é rechaçado pelo fogo inimigo, retornando quase dizimado às mesmas posições de onde havia partido, oficiais generais do alto-comando francês interpretam o movimento de retirada como insubordinação à ordem de combate, reclamando punição para os combatentes da unidade. Absurdamente, a punição manifesta-se na ordem de fuzilamento exemplar de três praças, escolhidas aleatoriamente entre o contingente do regimento.

Aliando a interpretação da retirada como ato de insubordinação ao passamento pelas armas de três soldados sem culpa configurada como comportamento inadequado no campo de batalha, Kubrick instala no centro interpretativo do filme o absurdo, de um lado representado pela sobreposição do comando à realidade, tomando esta como falsa enquanto aquela é vista como real e, de outro lado, endereçando à guerra a função única de ceifar vidas, não importando por quais razões, uma vez que as praças sucumbem não ao fogo inimigo, mas às balas do próprio exército a que servem.

Configurada como implicitamente selvagem e desprovida de propósitos, sustentada por motivações descabidas e oportunistas, a guerra, enquanto evento legítimo, sucumbe à denúncia crítica de Kubrick que, alguns anos depois, voltaria ao mesmo tema – a guerra como absurdo, ou o absurdo da guerra – com outro clássico pacifista, Dr. Fantástico (Estados Unidos, 1964), estrelado por Peter Sellers.

Mas, se é possível compor um quadro polarizado entre filmes heróicos, isentos de qualquer postura crítica em relação à guerra, opostos a películas engajadas com as causas pacifistas, segundo as quais a guerra, em si mesma, não se justifica, sob qualquer hipótese, não é descabido reconhecer, simultaneamente, a existência de um considerável lote de filmes que se afastam desses extremos, buscando posições intermediárias, em que mesclam alguma dose de crítica, contrabalançada pelo reconhecimento de que, sob contextos específicos, a guerra (ou pelo menos algumas guerras) revela-se social e moralmente legítima.

Império do sol pode ser tomado como exemplo dessa filmografia contemporizadora, que

não se furta à crítica do conflito bélico, enquanto evento questionável, do ponto de vista moral, aceitando, paralelamente, a necessidade social circunstancial da guerra.

Como já mencionado anteriormente, a rotulação das narrativas cinematográficas de guerra como heróicas ou críticas só encontra validade quando respeitados princípios de relatividade comparativa na sua aplicação. Isso significa que, no limite, a resultante da classificação é sempre um conjunto de filmes que podem ser definidos como mais ou menos heróicos ou críticos, sempre uns em relação aos outros. Vale dizer, a classificação não pode e não deve ser construída unilateralmente, nem toma por base referências absolutas, a partir do que é observado em um único filme. Ao contrário disso, a proposta classificatória aqui sugerida se presta à apresentação de tendências quando compara filmes diferentes, ou então para levantar indicadores genéricos quando se trata da observação de um único exemplar. Portanto, ao apontar evidências sobre

Império do sol enquanto exercício crítico (da guerra), contrapostas a outras que deixam

transparecer relatos heróicos, menos que a inserção do filme em uma pasta específica de um sistema classificatório rígido, o objetivo é encontrar e organizar argumentos que possam esclarecer os caminhos trilhados pelo diretor para provocar no espectador o estranhamento resultante de um modo particular de ver e entender a guerra, como já foi repetido tantas vezes neste texto.

Mantendo o alinhamento com a mecânica de análise do Império do sol conduzida até aqui, a criança e mais precisamente o modo como ela observa e interpreta a guerra, continua sendo a referência fundamental para compreender o que o filme tem a dizer sobre o tema que aborda, seja como exercício crítico, ou panteão do heroísmo legitimador dos conflitos armados.

Retomando as diferentes partes em que o filme foi dividido e analisado, até aqui, não constitui exercício muito complexo a localização dos pontos em que a interpretação crítica da guerra se faz predominar, assim como parecem evidentes os recursos narrativos constitutivos dessa modalidade interpretativa, cujo fio condutor, como já foi demonstrado, está plasmado na figura da criança.

A condição de vítima, tantas vezes aventada em oportunidades anteriores, essencial à constituição da personagem infantil, é a chave que permite aos realizadores do filme desenhar diante do espectador os elementos que invalidam a guerra enquanto comportamento social recomendável ou desejável. Nesses termos, o sofrimento da criança é o argumento maior a que o diretor recorre para questionar a validade social e humana da guerra. O sofrimento, que no caso da personagem central de Império do sol, vai da perda da família à condição de prisioneiro de guerra, incluindo privações materiais e psicológicas de toda sorte (fome, medo, abandono,

insegurança, frio, dor), passando pela perda das referências sociais e culturais, compõem o feixe de danações que o roteirista aplica à personagem, buscando reorientar o modo de ver a guerra, provocando o estranhamento intencionalmente capaz de levar o espectador à observação crítica, ao repúdio e à negação da luta armada enquanto evento compatível com a civilização.

Mas, se a condição de criança imposta à personagem central é o motor narrativo que impulsiona o espectador para posturas críticas, uma relação diametralmente oposta, baseada nas mesmas características da personagem, força o olhar na direção do maniqueísmo legitimador do conflito. Essa segunda interpretação isola a guerra da valorização direta, a qual é (re)orientada para os agentes promotores do conflito. Nesses termos, a guerra, em si mesma, não é legítima ou ilegítima, dado que essa classificação só pode ser aplicada aos gladiadores, uns caracterizados como capitães das lutas insanas (papel normalmente reservado aos perdedores) e outros como heróis das causas legítimas.

Considerados o texto e o contexto do filme assinado por Spielberg, o simples fato de sobreviver às privações e às adversidades provocadas pela invasão japonesa da China é suficiente para denotar o perfil heróico da personagem central, dado que, no imaginário popular, de cuja fonte costumam beber o cinema e outras formas narrativas, a resistência e o martírio integram o rol de predicados que atuam como cinzel na lapidação do herói.

O potencial narrativo do cinema de guerra, ao dividir com a postura crítica a mitificação do herói projetada na tela, pode servir, ainda, a outras causas, entre as quais se destaca a satisfação dos anseios sociais (em grande medida econômicos) pelo heroísmo e pelos heróis.

Segundo essa linha de raciocínio, o cinema de guerra, bem como aqueles de outro gênero, ajuda a sociedade a estabelecer referências norteadoras para interpretar-se e interpretar o mundo, de um modo geral. Por isso, os parâmetros constitutivos do herói e do heroísmo são, quase que invariavelmente, referenciados em valores sociais evidentes. Vai daí, relações de oposição entre conforto material e privação, aceitação e convivência versus o repúdio social em nome da moral e, sobretudo, o despojamento capaz de sacrificar interesses próprios na defesa do interesse alheio são recorrentes na concepção do herói de guerra cinematográfico.

Na produção sobre a guerra da Coréia As pontes do Toko Ri (Estados Unidos, 1954), que levou o Oscar de efeitos especiais daquele ano, o diretor Mark Robson usa diversos elementos elencados no parágrafo anterior para construir o perfil heróico da personagem central, o tenente Harry Brubacker, piloto da aviação naval estadunidense interpretado por William Holden.

Brubacker não é militar de carreira, mas um pacato civil da reserva, recrutado pelo esforço de guerra americano para lutar contra o “comunismo internacional” na península coreana, pilotando jatos Phanter que decolam de porta-aviões estacionados nas águas geladas do mar do Japão para atacar alvos no interior da Coréia do Norte. Assim, a construção do mito começa com a identificação do herói com o chamado cidadão comum, ou ordinary people na terminologia americana adotada pelo cinema. O despojamento tipificador do herói começa a se revelar no atendimento à convocação para “lutar pela pátria”, obrigando a personagem a deixar carreira profissional e família (esposa e duas filhas) para atender o chamado patriótico. Além disso, o enredo de As pontes do Toko-Ri vai criar condições para Brubacker reforçar esse despojamento, por exemplo, quando aceita participar de missões arriscadas em regiões hostis, representadas por incursões ao espaço aéreo coreano, em particular o ataque ao conjunto de pontes ferroviárias que dá nome ao filme, vitais para o esforço de guerra da Coréia do Norte e, portanto, ferrenhamente protegidas pela artilharia antiaérea inimiga, tornando os bombardeios operações complexas e arriscadas. O despojamento também se evidencia em detalhes que solidificam o caráter heróico da personagem, disposto a sacrificar a única noite com a família, antes de embarcar de volta à guerra, para socorrer um colega de farda metido em encrencas de rua (trata-se do marinheiro Mike Forney, interpretado por Mikey Rooney, arruaceiro e brigão, mas também um herói, disposto a arriscar a vida pelos companheiros de luta). Movimentos dessa natureza na estruturação do filme procuram mostrar que o heroísmo não é, obrigatoriamente, fruto do arrebatamento momentâneo, e que, portanto, herói não é aquele que se faz pela contingência nem se manifesta em contextos excepcionais. Ao contrário, reza essa cartilha, não é o heroísmo que faz o herói, antes, é o herói – e só o herói – que se mostra capaz de atos heróicos e, para isso, é preciso ser alguém especial, mas não obrigatoriamente excepcional. Afinal, o caráter do herói o conduz, invariavelmente, para o despojamento, o sacrifício do interesse próprio em nome do outro e para a inquebrantável vontade de vencer em nome da causa, ou morrer tentando.

Ao simplificar e, por assim dizer, popularizar o mito do herói e a mística do heroísmo, o cinema de guerra rompe a cobertura nobiliárquica do herói clássico, que é substituído pela personagem identificada com a platéia e com a qual, por sua vez, a platéia também se identifica. Dessa forma, seja em Império do sol ou As pontes do Toko-Ri, as personagens não se destacam pelos feitos heróicos, mas antes, pela disposição de fazê-los, reconfortando o espectador que, se estivesse nas condições de Jim Grahan ou Harry Brubacker, certamente faria o mesmo.

A identificação pessoal não é o único reflexo social provocado pela presença do ordinary

hero76 nas telas do cinema. A dinâmica permite identificar o heroísmo não só com pessoas, como também com instâncias coletivas. É o que explica a existência de filmes de guerra em que o herói é plasmado em uma Nação, uma etnia, uma unidade militar ou qualquer grupo em causa. Por isso, Jim Grahan é visto como herói quando se “torna americano”. Do mesmo modo, na cena final de As pontes do Toko-Ri, o oficial comandante de Brubacker, contra-almirante George Tarrant, interpretado por Frederic March, ao ser informado da morte do piloto, dirige o olhar para a imensidão vazia do mar e verbaliza uma patriótica oração de reconhecimento “aos homens comuns, como o tenente Brubacker, dispostos a combater e capazes de vencer as guerras justas, quando e onde for preciso”.

Por outro lado, o mesmo mecanismo que talha os heróis e tece a teia de identificações entre quem faz e quem vê os filmes de guerra, pode atuar no sentido inverso, na constituição dos vilões e das vilanias que explicam e justificam as ações heróicas. Conceber um inimigo tão desqualificado a ponto de tornar a convivência impossível não é um exercício incomum ao cinema de guerra, que reúne um robusto feixe de opções para desenhar as relações dos heróis com os vilões.

O inimigo distante e impessoal constitui recurso bastante comum quando dor, sofrimento e privação são elementos que não cabem na estrutura narrativa, ou devem ser monopolizados pelos heróis. Em casos assim, é preciso despir o inimigo de humanidade, nos sentidos técnico- biológico e social do termo. Inimigos assim constituídos são mostrados à distância e deles pouco se sabe, pelo que o filme revela. A obra assinada por Mark Robson, As pontes do Toko-Ri citada anteriormente representa um exemplo razoável desse modo do cinema construir e apresentar inimigos. Exceto, talvez, a habilidade de atiradores eficientes no manejo das baterias antiaéreas, o filme estrelado por Holden praticamente não faz citações nem se refere ao inimigo. Tudo o que o espectador fica sabendo é que “do outro lado” da luta estão os coreanos que atiram para matar e ponto final. O olhar sobre a guerra configura monopólio dos americanos, assim como só em relação a eles é possível observar e avaliar as causas e as conseqüências do conflito. Desse modo,

76 O emprego do termo inglês se justifica na medida em que a tradução mais evidente – herói popular – não

corresponde exatamente ao conceito perseguido pelo texto, dado que o termo popular, plasmado pela sociologia e arraigado na interpretação de senso comum, pressupõe identificação com algumas e só com algumas camadas sociais, enquanto a referência aqui perseguida trata de representações do conjunto mais amplo e mediano da sociedade, de certo modo independente de compartimentações, remetendo ao que genericamente é tratado como homem comum.

a identificação da platéia com o inimigo é reduzida ou mesmo inexistente e, portanto, ficam previamente censurados possíveis questionamentos sobre razões que motivam e efeitos que incidem sobre os inimigos em relação ao fogo e à antipatia que lhes endereçam os americanos. Com isso, torna-se muito difícil agregar reparos de qualquer natureza, morais, por exemplo, ao heroísmo “de cá” como provocador de efeitos negativos aos “de lá”. Por essa ótica, o inimigo, relegado à condição anônima e apagada de extra cinematográfico, não sofre, não engendra, não se legitima... simplesmente perde.

Diferentes dos filmes que caracterizam o inimigo como extras despersonalizados, existem obras marcadas por uma refinada busca de caracterização e personificação dos vilões que vão se defrontar com os heróis. Um desses casos é a caracterização espelhada, em que o heroísmo de um lado reflete, proporcionalmente e diametralmente, a vilania pertinente ao outro lado.

A perversidade, muitas vezes gratuita, é um recurso comum à caracterização de inimigos que legitimam os feitos heróicos. A fórmula é simples e quase sempre aplicada de modo simplista na constituição do enredo. Primeiro é dada ao inimigo a possibilidade de mostrar sua selvageria, em alguns casos com requinte e sofisticação, em outros de modo abrutalhado e escatológico. Depois, o herói (ou heróis) entra em cena para punir exemplarmente o vilão, dinâmica que, não raramente, remete o heroísmo ao patamar de vingança, ainda que legítima e saneadora.

A sobrevalorização do inimigo, no sentido de potencializar os atos heróicos contrários, assunto tangido em oportunidades anteriores, também aparece como recurso narrativo do cinema de guerra para compor relações entre os extremos em conflito. Inteligência excessiva, portanto difícil de ser superada, ou o oligopólio dos recursos para fazer a guerra em relação aos meios