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RECORTES DE IMPRENSA

INTERESSE PÚBLICO X INTERESSE DO PÚBLICO

Observar, empiricamente, que determinado assunto é valorizado pelo jornalismo e, portanto, transforma-se em notícia, marcada por esse ou aquele grau de importância, é muito menos complexo que localizar as razões dessa valorização. Na verdade, as teorias de comunicação social servem de palco para acalorados debates sobre os motivos que orientam a seleção dos assuntos que vão constituir o noticiário, bem como discutem com igual vigor quais são os vetores que desenham a metamorfose dos assuntos selecionados em notícias, incluindo a posição, a dimensão e a freqüência que ocuparão no jornal.

Algumas teorias sugerem que os critérios são puramente técnicos. A chamada teoria do

gatekeeper apóia-se nos estudos do sociólogo americano Kurt Lewin sobre dinâmicas sociais

baseadas na noção de canais por onde flui a seqüência de comportamentos relativos a um determinado tema. Essa rede de canais pressupõe a existência de pontos de controle, que agem como cancelas ou filtros, capazes de regular o fluxo. Por sua vez, os filtros agem sob a influência de sistemas de regras (sociais) responsáveis pelo grau de abertura/fechamento das cancelas. Esses reguladores foram designados gatekeepers, mais ou menos equivalente a porteiros em português. Em Teorias da Comunicação, Nero Wolf (1992) considera que a aplicação do conceito de canais controlados por gatekeepers pode explicar os critérios de seleção de notícias, que seriam puramente técnicos. Nesse sentido, a partir da sua formação (técnica), o jornalista atua como um porteiro, abrindo ou fechando a cancela das informações e dos assuntos que serão notícia, considerando, por exemplo, o espaço de que dispõe. Assim, uma mesma notícia pode ocupar uma página inteira e, portanto, abrigar muita informação, ou então ser publicada em meia página, com uma redução proporcional do conteúdo informativo. Dessa forma, a importância dimensional da notícia seria definida pelo jornalista gatekeeper, a partir de critérios técnicos (como o espaço disponível no jornal citado no exemplo) e não por quaisquer outras referencias, como a relevância social da matéria101, conseqüências políticas ou razões outras focadas exclusiva e totalmente no interesse público do assunto.

101 Erbolato (2002) define matéria como tudo o que é produzido na redação o que, a rigor, está muito próximo do

Por sua vez, os frankfurtianos localizam na ideologia o elemento que define e orienta a seleção dos assuntos que serão publicados no jornal, assim como é também a ideologia que define formas e contornos da narrativa jornalística. Nesses termos, a proposta teórica da Indústria Cultural indica que a tendência do jornal é amoldar-se e servir ao sistema de classes no qual está inserido. Sobre o tema, escreve Manuel Vazquez Montalban:

É impossível qualquer elaboração teórica ou científica sobre os meios de informação que sujeite o discurso à clarificação política da informação, e inclusive a comunicação como armamento convencional na luta de classes, seja nas coordenadas intranacionais, seja nas coordenadas internacionais. A relação de dependência estabelecida por qualquer processo comunicativo se instrumentaliza mediante uma política de informação de que não escapa nem a mais mínima mensagem. (MONTALBAN in MATTA, org, 1980, p. 244)

Focados em outras dimensões teóricas e orientados por outros pressupostos, os estudos de recepção, em respeito e a respeito do próprio designativo da corrente, indicam que os receptores têm algum nível de influência no processo comunicacional e, portanto, na modulação do noticiário. Recentes e ainda em fase de consolidação, os estudos de recepção tomam por princípio não descartar algum grau de domínio do receptor na confecção do noticiário jornalístico que, no entanto, ele (receptor) incorpora de acordo com referências culturais próprias. Diferente das propostas teóricas anteriores, segundo as quais o receptor tem pouca ou nenhuma relevância no tratamento que o jornalista aplica ao noticiário, no quadrante teórico representado pelos estudos de recepção, aquele que recebe a mensagem é visto como agente ativo no processo comunicacional que, pelo menos em parte, influencia a confecção e a distribuição de notícias. Na obra Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia, Martin-Barbero (2001) pesquisa relações culturais em diversos níveis, no sentido de apontar a participação das platéias nos processos comunicacionais, mesmo no âmbito das sociedades de massa. Depois de investigar a cinematografia, o rádio e a música, o pensador espanhol, radicado na América do Sul, afirma que “Os meios que estudamos até agora (...) nasceram „populares‟ justamente porque eram acessíveis aos públicos não letrados. Entretanto, a imprensa também participou do outorgamento de cidadania às massas urbanas”. (Martin-Barbero, 2001, p. 254)

Inversamente aos estudos de recepção, as teorias da comunicação de massa, integrando elementos do comportamentalismo, apostam na passividade total das platéias, gerando o termo “seringa hipodérmica”, associado à capacidade dos meios de comunicação de massa injetar qualquer conteúdo nos receptores, provocando reações previsíveis e padronizadas. Trabalhando a

história das teorias da comunicação, Mattelart (2001, p. 37) faz o seguinte comentário em relação às teorias da comunicação de massa:

A audiência é visada como um alvo amorfo que obedece cegamente ao esquema estímulo-resposta. Supõe-se que a mídia aja segundo o modelo da „agulha hipodérmica‟, termo forjado por Lasswell102 para designar o efeito ou impacto direto e indiferenciado sobre os indivíduos atomizados.

O elenco de propostas teóricas associadas à seleção de assuntos e formatação do noticiário jornalístico poderia ainda sofrer outros desdobramentos, assinalando não só a dimensão quantitativa, como também as diferenças e, por vezes, a oposição diametral verificadas entre essas teorias. Todavia, não é esse o objetivo aqui perseguido. Para o momento, cabe simplesmente registrar a existência desse cenário epistemológico, no sentido de explicar e legitimar o recorte adotado.

Se o diálogo teórico, no campo de estudos da comunicação social, potencializa discordâncias e até confrontos sobre os motivos que efetivamente norteiam a seleção de temas e o modo como o noticiário jornalístico é constituído a partir desses temas, existe consenso quanto aos referenciais que, idealmente, deveriam orientar essa atividade. Expondo de modo mais simples, vale dizer que os estudiosos discordam quanto ao que é efetivamente verificado nas páginas da imprensa, mas concordam quanto ao que deveria ser aí encontrado. O ponto de concordância atende pela denominação generalizada de interesse público.

Partindo do pressuposto que jornalismo é comunicação de massa, portanto adjetivado como ação social (coletiva), fica patente o reconhecimento do público como elemento constitutivo essencial dessa forma de comunicação, ou seja, só existe jornalismo se existir público.

Por sua vez, enquanto elemento essencial para a compreensão teórica do jornalismo, público pressupõe, pelo menos, dois conceitos associados ao termo, um deles que remete à antítese de privado, apontando na direção de um conceito sócio-político e outro atrelado à idéia de platéia destinatária, articulada ao processo de comunicação (jornalística), tal e qual observado pela investigação de caráter mais técnico. Ou seja, para o cientista social público é aquilo que tem caráter coletivo no interior do organismo social, enquanto para o estudioso da comunicação social público representa a platéia ou o receptor dos processos comunicacionais.

Desse modo, fica definida a base de sustentação do pressuposto que aponta o interesse público como fator (ideal, não obrigatoriamente real) de orientação do fazer jornalístico,

102 Referência a Harold D. Lasswell (1902/1978), estudioso americano e um dos criadores dos estudos de

sintetizado na idéia de que a notícia, na sua forma e no seu conteúdo, é aquilo que o público deve/precisa saber, enquanto platéia e que deve circular no meio público, enquanto espaço social (coletivo).

A idéia da comunicação jornalística ligada ao interesse público precisa levar em consideração a relevância dessa modalidade comunicacional para a sociedade, sugerindo o reconhecimento de que não é aconselhável desprezar as relações entre o jornalismo e os espectros político, econômico e cultural que estruturam a sociedade contemporânea para entendê-la com mais clareza.

A partir do conceito de sistemas de valores da sociologia funcionalista, Warren Bred (in COHN, 1987), destaca a importância da comunicação de massa na preservação da organização social. Afirma o autor que as redes de comunicação social reforçam as tradições, ao mesmo tempo em que explicam novos papéis sociais.

Em artigo estampado na edição do segundo semestre de 2001 da revista Novos Olhares, publicada pelo Grupo de Estudos sobre Práticas de Recepção a Produtos Midiáticos do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, Elizabeth Saad Corrêa caminha no mesmo sentido ao considerar a importância do discurso midiático para a legitimação da ordem estabelecida, contribuindo, assim, para a perenidade do sistema social. Citando o pensador francês Alain Accardo (200 apud CORREA, 2001), o artigo aponta o jornalista como referência social:

O discurso midiático parece convergir espontaneamente para a legitimação da ordem social estabelecida e, com isso, contribuir de forma indispensável à perenidade do sistema social. Para isso (...) os jornalistas acabam conformando-se numa espécie de comunidade de referência para a sociedade,

A idealização da convergência entre o conteúdo e a forma do noticiário jornalístico com o interesse público coloca essa modalidade de comunicação na condição de peça-chave em diferentes esferas da dinâmica social, as quais, afirmam diversos autores, têm traços fortes e marcantes dos seus desenhos riscados pelo modo de agir da imprensa. Assim, nas sociedades modernas, o jornalismo é visto como elemento essencial para a democratização de direitos e mediação de conflitos. Por isso mesmo, ao analisar as relações entre imprensa e democracia, o pesquisador da Universidade Federal da Bahia, Wilson Gomes (2008, p. 49) afirma com todas as letras: “No modelo liberal, a imprensa, o mais antigo sistema de comunicação de massa era considerado um instrumento privilegiado da esfera pública. De fato, o seu destino esteve

historicamente ligado ao da esfera pública de forma estreita.” Mais à frente, Gomes (ibid, p. 49) arremata: “No modelo liberal, a imprensa tinha sido ao mesmo tempo um lugar, uma ocasião e um meio de comunicação pública. A opinião pública emerge de uma esfera pública que tinha na imprensa uma das suas plataformas, como a sua meta alcançada.”

Trazendo o tema das relações entre interesse público e imprensa para os limites recortados neste trabalho, é conveniente observar que a opinião pública sobre a guerra também assume nova configuração a partir do século XIX, sob a constante e crescente influência do jornalismo.

De fato, não é muito difícil aceitar a guerra como item evidente nessa convergência entre interesse público (ou pelo menos coletivo, considerando grupos determinados, em contextos definidos) e o conteúdo do qual o jornalismo pretende dar conta. Por isso mesmo, a guerra é um item que marca presença constante nos veículos de imprensa. Quanto a isso, o pesquisador alemão Jürgem Wilke, citado no trabalho de Michael Kunczik, Conceitos de Jornalismo Norte e

Sul, ao estudar a evolução dos jornais a partir de alterações quantitativas e qualitativas do

conteúdo do noticiário relacionando duas categorias teóricas, que denominou “realidade dos acontecimentos” (aquilo que se manifesta na realidade) e “realidade editorial” (o que o jornal publica sobre essa realidade), detectou que assuntos militares foram considerados relevantes desde o início da atividade jornalística, aparecendo com destaque na “realidade editorial”. É verdade, também, que Wilke notou a anotou uma queda na importância desse tema na cobertura jornalística, ao comparar conteúdos da imprensa primordial com aqueles da imprensa mais moderna, considerando que o estudo cobre um período que vai de 1622 a 1906103. No entanto, o que se observa e tem relevância nesta oportunidade é que a guerra, no plano da realidade dos acontecimentos, sempre representou assunto de interesse para o jornalismo. Por conta disso, apesar de oscilações ao longo do tempo e em função de aspectos contextuais, a guerra, na forma de realidade editorial, integra o cotidiano do público leitor de jornais.

Mas se a relação entre interesse público e conteúdo jornalístico, incluindo o tratamento da guerra, encontra consenso no plano da idealização (aquilo que o jornalismo deveria ser e fazer, enquanto atividade social), a observação dos fatos mostra um cenário diferente, em que a imprensa sobrepõe outros níveis de interesse ao interesse público. A constatação dessa inversão da orientação da imprensa, quando o observador transita do plano ideal para o universo factual, fez nascer uma expressão bastante comum no discurso teórico das comunicações sociais, segundo

a qual o noticiário tende a substituir conteúdos de interesse público por conteúdos de interesse do público. Mais que um simples jogo de palavras, a expressão pretende mostrar que, na prática, o jornalismo tergiversa do compromisso social ético, deixando-se orientar por outros valores ou interesses. Segundo Habermas, esse movimento acaba por substituir a discussão pela sedução e a crítica pela manipulação104.

No cenário da sociedade capitalista estratificada, os teóricos da comunicação aplicam a diferença entre interesse público e interesse do público a partir de duas referências básicas. A primeira diz respeito à reduzida capacidade crítica da maioria da população, representada por camadas de baixo ingresso intelectual. A segunda referência é representada pela comercialização da informação.

Não desponta no horizonte deste trabalho o tratamento e mesmo a observação de todas as conseqüências possíveis ou efetivas provocadas pela inversão de orientação da imprensa, nos termos acima mencionados, se não quanto a alguns pontos referentes à chamada imprensa sensacionalista, visceralmente pautada pelo interesse do público, mesmo em detrimento do interesse público, se preciso for.

Assim, do encontro entre o leitor objetivado no consumismo daquilo que lhe parece sensacionalmente atraente com a imprensa que vislumbra no sensacionalismo uma polpuda fonte de renda resulta a imprensa sensacionalista, em que a demanda do público e a oferta dos veículos é orientada pela vulgarização da informação, a qual Belarmino Cesar Guimarães da Costa (2002) chama de estética da barbárie. Comentando essa tendência da parte quantitativamente dominante do público e de parte considerável da mídia sobrepor o interesse passional e imediatista ao interesse de relevância social, Gable (1999) lembra que os jornais modernos surgiram há mais de um século quando editores americanos e ingleses descobriram: “que o homem comum prefere ser entretido a ser edificado”.

Substituindo o ensaio acadêmico e a pesquisa científica pela sensibilidade do escritor e a sedução do romance, Honoré de Balzac (2002) traça um perfil muito ácido, mas pertinente ao jornalista que orienta sua atividade pelo interesse próprio e pelo interesse do público. Ao escrever

Ilusões perdidas, Balzac (2002) toma as próprias experiências vividas como escritor nas mãos de

editores, críticos literários e jornalistas, responsáveis pelo sucesso ou insucesso de escritores e obras, independentemente da qualidade. Movidos por interesses próprios (no mais das vezes

expressos por dinheiro, prestígio e amantes), as personagens do livro evocam um jornalismo sórdido, como revela o diálogo que ocorre entre dois jornalistas, Blondet e Claude, na residência de Coralie, a atriz apaixonada pela personagem principal do livro, Lucien Chardon:

Blondet:

“- Na França, a inteligência e o espírito têm poder, e os jornais, além de inteligência e espírito, têm hipocrisia”.

Claude:

“- Em vez de ser um sacerdócio, o jornalismo se tornou primeiro um meio e depois um negócio para os partidos políticos. O jornal é um comércio que vende a informação que quer. Um jornal não é feito para esclarecer, mas para bajular alguns e arrasar outros.” (BALZAC, 2002, p. 138).

As personagens de Balzac (2002) falavam mais especificamente de políticos, poetas e literatos, todavia as considerações também se aplicam ao tratamento que a imprensa dispensa à guerra. No plano ideal, a inclusão da guerra no noticiário se legitima na medida em que essa modalidade de evento representa, inquestionavelmente, tema de interesse público. Da mesma forma, a guerra aparece como assunto de interesse do público e, como tal, desponta sensacionalmente nas manchetes jornalísticas.

Sobre o tema, Armand Mattelart (1994, p. p. 30 e 31) escreve:

È a partir de um ambiente de áspera concorrência entre dois gigantes da imprensa de grande tiragem que começou a se forjar uma lenda sobre o poder dos meios de comunicação de massa e, além do mais, em sua relação à guerra.

Foi, com efeito, no fim do século XIX que se desenrolou a primeira grande campanha de imprensa com o objetivo de incitar um governo a intervir militarmente em um território estrangeiro: no caso, a ilha de Cuba, uma das últimas possessões de um império espanhol moribundo. No final de contas, o presidente W. McKinley foi incapaz de resistir à pressão de uma opinião sublevada por W. R. Hearst. Os marines desembarcaram em 1898 (...) na ilha e, com eles, os operadores da Vitagraph que, pela primeira vez, filmaram uma intervenção militar, intitulando sua reportagem Fighting

with our Boys in Cuba. Segundo o parecer de inúmeros historiadores, essa intervenção

poderia ter sido perfeitamente evitada sem essa histeria de lógica de guerra, desencadeada por uma imprensa que não recuou diante de qualquer mentira para provocar o desfecho fatal. È conhecida a famosa fórmula que resume bem essa fulminante operação. Hearst despacha para Havana um repórter e um célebre desenhador, Frederic Remington, que, da capital cubana, telegrafa para seu patrão: - Nada a assinalar. Tudo está calmo. Não haverá guerra. Gostaria de voltar. Essa mensagem ocasionou a famosa resposta de Hearst: Peço-lhe para ficar. Forneça ilustrações que me encarrego da guerra.”

Com o deslocamento do eixo focal para o interesse do público e a fixação de objetivos econômicos à frente da missão informativa (e formativa), parte significativa da imprensa passa a tingir o noticiário sobre guerras com as cores do sensacionalismo, estimulando a fabricação da

notícia, que vem complementar ou mesmo substituir a divulgação e o comentário dos fatos como funções essenciais do jornalismo.

A ruptura do compromisso com o fato e a verdade transforma a imprensa em exercício de criação e abre espaço para o jornalismo de manipulação, acolhendo como notícia relatos e imagens cada vez mais distanciadas da realidade, a exemplo da famosa “gravação” do naufrágio da frota de Cervera durante a guerra hispano-americana feita por Edward H. Amet no jardim de sua casa, com modelos em miniatura. Posteriormente o filme foi adquirido pelo governo espanhol como “documentação histórica” e acolhido como representação fiel daquele evento (COSTA, 1989)105.

De qualquer forma, seja no cumprimento da venerável missão de atender ao interesse público, seja pelos caminhos sensacionalistas que vão ao encontro do interesse do público e dos interesses econômicos, a imprensa contemporânea (leia-se a partir do século XIX) sempre reservou espaço para o tratamento da guerra enquanto notícia, observada, no mais das vezes, como evento merecedor de manchetes.

Todavia, se freqüenta o noticiário com assiduidade, a guerra não representa elemento de consenso no campo jornalístico, ensejando variação de tratamentos, autorizando supor que, assim como o cinema, o jornalismo é também um modo de ver e narrar a guerra (aqui vai um primeiro “insert”, muito tímido, é verdade, mas já perceptível, referente às possibilidades de observar criticamente a imprensa através de lentes oferecidas pelo cinema).

Retomando os conceitos de Jürgem Wilke (1984 apud KUNCZIL, 2002), contrapondo os fatos ao relato jornalístico, vale notar que, ao deixar o nível da realidade dos acontecimentos, para assumir a forma de matéria jornalística, no nível da realidade editorial, aquilo que é definido pela palavra guerra no primeiro nível, pode sofrer alterações quando expresso no segundo. Ou seja, assim como visto em relação ao cinema, que projeta na tela a guerra cinematográfica, a proposta aqui sugerida é que também a guerra estampada nas páginas do jornal expressa um modo particular de ver e representar o conflito bélico, autorizando a pré-suposição de que existe, também, uma “guerra jornalística”, malgrado a possível inadequabilidade do termo para expressar com clareza o conceito.

105

Costa refere-se ao filme Bombardeio de Matanzas, (Estados Unidos, 1898), uma gravação de miniaturas simulando a luta entre a esquadra americana e a esquadra espanhola, ao largo da ilha de Cuba, que assumiu contornos de “fiel documentário” e expressão jornalística (documental) da guerra hispano-americana.

Focando o jornalismo impresso, conforme pretende este trabalho, é conveniente lembrar que apesar do concurso intensamente presente da imagem, essa modalidade jornalística está visceralmente ligada à palavra. Portanto, são as dimensões da palavra que definem, em grande medida, o perfil do noticiário impresso. Polissemia, sinonímia, antonímia, derivações, enfim a