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Figura 9 Vaticínio.

A GUERRA HERÓICA

Na primeira imagem em que aparece como prisioneiro, Jim Grahan está em pleno delírio febril, enquadrado em close, lateralmente, o suor banhando a pele crispada, acentuada pela iluminação que no jargão cinematográfico é chamada de luz dura, aquela que incide diretamente no objeto ou personagem focada pela câmera. Deitado, olhos fechados, o garoto balbucia frases

entrecortadas, que vão descrevendo devaneios e pesadelos (fig. 43). Está no comando de um avião em chamas, provavelmente um caça. Pelo rádio, chama os companheiros de esquadrilha e pede socorro. Mas, em uma situação dessas, não há muito que fazer, a não ser observar o avião abatido consumido pelas chamas perder altitude, deixando um rastro de fumaça negra atrás de si, até espatifar-se no solo em uma bola de fogo e ferro retorcido. Por isso o piloto, que Jim pensa ser, se desespera, procurando salvação: quem sabe saltar de pára-quedas ou então... acordar!

Figura 43. Pesadelo.

Não é incomum o cinema americano usar imagens para mostrar sonhos e devaneios que acontecem na mente das personagens. Trucagem e criatividade permitem esse modelo de narrativa. Todavia, para contar a saga do garoto britânico na guerra, Spielberg preferiu manter a própria personagem em quadro, insistindo no exercício da volta a locais ou situações já verificadas em partes anteriores do filme, mas sempre marcada por algumas diferenças. No caso, a cena do delírio febril, quando Jim está a bordo de um avião imaginário, remete à parte inicial do filme, mais especificamente ao trecho em que o jovem "pilota" a carcaça acidentada do Zero, combatendo o aeromodelo que plana à sua volta, representando o avião inimigo (figs. 14, 15, 16 e

17). Nas duas oportunidades falta sorte ou habilidade ao piloto, que acaba abatido. Esses confrontos imaginários com a morte, sempre no comando de um avião, mostram a guerra como impeditivo a sonhos e desejos de infância. A prisão também vai frustrar mais um tanto de sonhos e desejos do jovem inglês, criando, paralelamente, situações para o cumprimento das passagens que vão transformando personagem e espectador, consolidando o estranhamento no modo de ver e interpretar a guerra, sob a batuta do diretor.

O que desperta o garoto do pesadelo provocado pela febre e “salva” o piloto de torrar na cabine de um avião em chamas é o barulho ensurdecedor de canecas metálicas batidas em ritmo rápido e frenético. Descontados volume e intensidade, Jim conhece aquele som, repetido e repetido pelo mendigo prostrado à porta da mansão dos Grahan, batendo contra o piso da calçada a lata vazia, que expressa os reclamos do estômago. Ao contemplar o pedinte, Jim notara o desejo da fome, mas também o clamor pelo respeito à condição de ser humano, expressos no semblante do velho chinês (fig. 5). Agora, são os europeus que batem as canecas, pedindo comida e esperando respeito, dois elementos raros em uma estação de triagem de prisioneiros de guerra, na qual Jim e outros integrantes da comunidade ocidental de Xangai aguardam designação e transporte para os campos de internação localizados nas adjacências da cidade.

O lento movimento panorâmico da câmera mostra o recinto, sujo, improvisado, abarrotado de corpos arquejados, encimados por rostos doentes, cansados, abatidos e desanimados. O conjunto de oposições trabalhado nas análises anteriores do filme permanece evidente nessa seqüência. Etnia e cultura continuam em situação de confronto, alterando-se, contudo, a relação de poder: opressores e oprimidos trocaram de lugar. A guerra, Jim pode observar, se expressa na batalha, mas pode ser também a inversão do que sempre pareceu, rotineiramente, lógico, comum e correto.

"- Sem mamãe, sem papai, sem uísque e soda", Jim experimenta na própria pele o que já havia visto na face e no comportamento da massa chinesa caminhando entre os prédios de Xangai. Chegou o momento dele mesmo sentir o sofrimento e conhecer a privação.

A passagem pelo posto de triagem é tempo de aprendizagem. Jim descobre que a água pode matar se não for fervida e que a batata servida na fila de prisioneiros será a única refeição da jornada, não fazendo qualquer diferença se foi devorada ou se caiu da caneca e resultou apanhada por outro prisioneiro, tão faminto quanto todos.

Orientado por Basie, Jim aprende a reverenciar os poderosos de plantão e desdenhar os submissos que nada têm para oferecer. Descobre também que os mortos são passivos e não reclamam quando lhes furtam os sapatos, ou a caneca que dará direito a outra batata para o larápio.

Além de consolidar a leitura focada nas transformações (passagens) da personagem principal, a estadia na estação de triagem ajuda a consolidar a imagem ambígua de Basie, que explora a condição de vítima e a situação de inocência (cada vez menor) da criança, demolindo valores e substituindo preceitos morais de civilização pelo apego às possibilidades de sobrevivência a qualquer custo, se possível com um mínimo esforço e até com relativo conforto. Entretanto, a par desse perfil assemelhado ao execrável Fagin dikensoniano, Basie, talvez involuntariamente, talvez não, incute no garoto doses de energia para superar as privações e um ânimo imediatista que, sugerindo a vivência dos momentos, estimula a perenidade da sobrevivência. Por isso mesmo, Jim deixa o centro de triagem berrando que ali só fica quem pretende morrer, usando todos os recursos para embarcar no caminhão que leva um grupo de prisioneiros, Basie incluso, para o campo de internação de Soochow. Não por acaso, o roteiro do filme designa ao próprio Jim a orientação do motorista japonês, que não conhece a região de Xangai, no caminho para o campo, enquanto segura seu Mitsubishi Zero de brinquedo com o braço estendido sobre a estrada, contra o vento do caminhão em movimento, simulando, ludicamente e uma vez mais, a sonhada condição de piloto.

Como das vezes anteriores em que a imaginação faz de Jim Grahan um piloto de combate, como aconteceu na carcaça do Zero ou no delírio da febre, o “vôo” até Soochow não termina com um pouso seguro. A passagem de uma patrulha de combate japonesa acima do caminhão de prisioneiros se sobrepõe ao avião de brinquedo, lembrando ao piloto sonhador que os combatentes inimigos continuam presentes e dispostos a abater o ilusório avião de combate pilotado pelo jovem prisioneiro (fig. 44). Estruturada em cortes radicais e bruscos, indo do enquadramento do avião de brinquedo para as aeronaves da patrulha de combate japonesa, a seqüência enfatiza a dinâmica agressiva das máquinas de guerra, retomando o confronto de oposições como forma narrativa, a partir de dois eixos de articulação, o primeiro representado pela relação entre os aviões de combate e o avião de brinquedo e o segundo pela situação da personagem infantil, paradoxalmente e simultaneamente ameaçada e seduzida pelas máquinas de guerra japonesas.

Figura 44. Brinquedo.

Além dessas considerações, a cena é bastante apropriada para mostrar como o diretor agrega som (incidental) e música à imagem e ao movimento, para compor a estrutura narrativa de

Império do sol.

O rugido dos aviões, cruzando em vôo rasante a trajetória do caminhão que transporta os prisioneiros não é, simplesmente, a reprodução fiel do barulho de motores aeronáuticos a pistão modulados pelo efeito doppler66. Mais que isso, os técnicos artificializam os sons, ampliando sobremaneira os dois aspectos que as aeronaves representam para a personagem e, por extensão, devem atingir também o expectador, quer sejam a sensação de ameaça e o contraditório encantamento da sedução que as máquinas (leia-se a tecnologia) podem provocar nas pessoas. Assim, além dos ângulos de enquadramento, aliados à dinâmica dos movimentos de câmera e à composição dos objetos focados (o avião de brinquedo na mão de Jim e as aeronaves japonesas de combate), o arremate sonoro da cena vem consolidar os caminhos trilhados pelo diretor apara multiplicar e diversificar as possibilidades de ver e entender a guerra.

O encontro inesperado, mas emocionante, com os aviões japoneses marca a chegada dos prisioneiros ao campo de internação de Soochow, ambiente no qual Spielberg vai conduzir Jim Grahan ao encontro de outras personagens que permitirão a continuidade da narrativa apoiada nas contradições, fazendo o garoto oscilar entre a admiração por Basie e a afinidade, às vezes involuntária, ao Dr. Rawlins, médico britânico, também prisioneiro, que estimula o resgate dos valores e da identidade britânica do jovem Grahan.

Do outro lado da cerca que circunda o campo está a guerra, representada por uma base aérea das forças imperiais nipônicas. Sob a luz dessa dicotomia (ainda a narrativa pelas oposições) os japoneses já estão caracterizados como inimigos, mas, ainda assim, Jim admira ou inveja as máquinas e os pilotos do sol nascente. Sob a iluminação bruxuleante das fagulhas do esmeril e da solda que os japoneses usam no reparo e no concerto dos aviões hangarados67, Jim aproxima-se de uma aeronave de combate, toca ritualisticamente a fuselagem e as hélices (fig.45). O ângulo da tomada amplia e destaca a circunferência bojuda do motor radial recortado contra a luz das fagulhas e nem mesmo a sentinela preparando-se para atirar no garoto que se aproxima da área proibida aos prisioneiros, onde ficam os aviões de combate, consegue tirar o jovem inglês da situação de êxtase em que se encontra, admirando as máquinas voadoras. A seqüência completa-se com a aproximação de pilotos japoneses, em traje de vôo, cruzando o

tarmac68 na direção dos aviões. Para Jim esses pilotos são, ao mesmo tempo, inimigos e heróis,

66 Termo empregado pela física nos estudos de ondulatória, relacionados às distorções provocadas por fontes

sonoras em movimento (n. a).

67 Termo aeronáutico que designa aviões colocados em hangares ou próximo deles (n. a.).

representações de receios e desejos. Por isso, o garoto contempla os pilotos com admiração e levanta o braço em continência, gesto que os japoneses respondem em posição de sentido, levando a mão à pala, como se, entre guerreiros, não houvesse inimigos nem ódio, mas um respeitado e respeitoso dever de matar e, se preciso for, morrer, caracterizador do inusitado cenário da guerra (figs. 46 e 47).

Figura 46. Continência.

A insistência dos realizadores do filme na caracterização positiva dos aviadores japoneses, aos olhos da personagem principal, pode ser entendida como um culto real e sincero de admiração, mas pode, também, revelar uma intenção mais sutil, que transforma a valorização de alguns aspectos do inimigo derrotado em suporte para a sobrevalorização do combatente vencedor. Trata-se de reconhecer que a dimensão da vitória é, ao fim e ao cabo, definida pela combatividade do inimigo, que precisa ser mau e perverso, ladino e até imoral, mas não pode ser fraco, porque aos fracos não se dá combate legítimo, muito menos heróico. Portanto, o inimigo tem que ser forte, para que a guerra (contra ele) seja legítima e a vitória se mostre valorosa.

O recurso da valorização contida e controlada do inimigo pode não ser comum à massa de produtos hollywoodianos, mas aparece com alguma freqüência nos filmes de guerra que de lá se originam.

A maior batalha aeronaval da história, travada entre japoneses e americanos nas águas do Pacífico apenas seis meses após o ataque a Pearl Harbor é o tema do clássico A batalha de

Midway (Estados Unidos, 1976), dirigido por Jack Smight. Grosso modo, a forma narrativa

escolhida pelo diretor desse filme intercala a observação das forças japonesas e americanas, até o confronto final, que envolveu mais de 800 aviões, oito porta-aviões, mais de trinta navios de superfície e dezenas de submarinos69. Com o recurso de mostrar os dois lados da batalha, desde a preparação das forças, até os combates, o diretor pontua a refinada tecnologia do armamento japonês, sobretudo os aviões, bem como a habilidade e a capacidade dos pilotos nipônicos, elementos que sobrevalorizam os equivalentes americanos, ampliando a dimensão simbólica da vitória estadunidense. Além disso, a composição de um inimigo forte, ainda que impiedoso e mau, no sentido mais rasteiro do termo, aplaca o impacto negativo das derrotas anteriores, sobretudo no que respeita ao sucesso dos japoneses no ataque a Pearl Harbor que abalou (e ainda abala) sensivelmente o orgulho nacional norte-americano.

No caso do Império do sol, seja para reverenciar os japoneses, seja para exacerbar a vitória americana, o fato é que a cena em que o jovem britânico saúda os aviadores orientais tem uma composição estética forte e marcante, sobretudo na lenta finalização em fade out70, que

69 Cf. FELIPE, 2005.

70 Do inglês esmaecimento, termo que no jargão técnico do cinema indica o apagamento lento da

imagem/movimento em quadro. Juntamente com a “cortina” (uso de efeitos sobre a tela), a fusão e o corte seco, o

fade compõe a lista de quatro recursos básicos que permitem a passagem de uma cena para outra no processo de

empresta um ritmo especial e diferenciado a esse momento do filme, fazendo com que a cena permaneça no inconsciente do espectador, mesmo depois de terminada.

O “fade in” subseqüente mostra um garoto brincando com um aeromodelo, correndo ao lado de um avião de combate japonês que taxia no tarmac. A personagem, enquadrada à distância, correndo na direção da câmera, vai marcar o encontro do alter ego de Ballard com um garoto japonês, que, aparentemente, não difere muito de Jim Grahan no quesito idade, como também na condição de observador e protagonista do ambiente de guerra, pelo fato de estar integrado à guarnição da base aérea imperial.

O elo entre os dois garotos se estabelece nos céus, mais precisamente no vôo suave do planador praticamente idêntico ao que Jim fizera voar na parte inicial do filme. Naquela seqüência, Jim lança o aeromodelo que cruza uma trincheira e pousa no acantonamento das tropas japonesas, criando uma situação de tensão que antepõe o jovem inglês ao soldado nipônico de baioneta calada (fig. 18). Nesta, a situação se inverte. É o aeromodelo do garoto japonês que invade o espaço do campo onde estão os prisioneiros ocidentais. Mas as diferenças não ficam aí. Ao invés de tensão, a cena leva a uma situação de entendimento e identificação. Jim, mesmo tentado a ficar com o brinquedo, atira o planador de volta, sobre a cerca que, apesar de continuar existindo, já não pode mais separar as duas personagens, identificadas por características comuns: distância, inocência, a condição infantil de vítima e uma paixão por aviões que talvez só as crianças consigam cultivar e entender, em si mesmas e nas outras crianças.

Nem as personagens nem os espectadores de Império do sol têm muita informação sobre o garoto sem nome e sem “história” pregressa, identificado nos créditos simplesmente como o jovem piloto camicase (interpretado por Takatoro Kataoka), que somente uma única vez irá repartir o mesmo espaço cênico com Jim Grahan, sem a separação da cerca de arame farpado. Todavia, a relação entre as duas personagens infantis é fundamental para assegurar o estranhamento perseguido pelo filme.

Apesar das oposições ou diferenças etinicas, culturais e de posicionamento no roteiro (um está fora, tecnicamente livre, enquanto o outro é um interno, prisioneiro), a condição de vítima, a posição de distância e a situação de inocência convergem com a mesma intensidade e na mesma proporção sobre as crianças. Dessa forma, o olhar que ambas endereçam à guerra não é diferente. Ao longo do filme, os contatos entre Jim e o garoto japonês vão criar situações no mínimo

interessantes para o diretor conduzir sua narrativa e consolidar a interpretação da guerra que pretende transmitir à platéia.

Entre o encontro e o reencontro dos jovens inglês e japonês, a narrativa abre espaço para mostrar a rotina de Jim no campo de prisioneiros, já no último ano da guerra, 1945, usando o mesmo recurso da inserção de caracteres visto no início do filme para situar o espectador no tempo/espaço da narrativa. A diferença entre os dois momentos de uso dos caracteres é puramente técnica, esta segunda sem o roll, com aplicação do texto sobre a imagem, mantendo, assim, a fórmula da “repetição modificada”.

Estruturada a partir de uma sucessão de travellings que acompanha a personagem central pelo campo, a seqüência mostra o inglês mais crescido e adaptado às condições adversas de prisioneiro, capaz de negociar com vantagem no mercado negro estabelecido entre os prisioneiros, servir e ser recompensado pelo sargento comandante, incorporando hábitos de sobrevivência, comendo tanto a batata servida pelos japoneses como os carunchos que vêm com ela, ricos em proteína. Nesse mundo hostil e ao mesmo tempo estimulante, Jim mantém a servil admiração por Basie, alimentando com intensidade o sonho da americanização, para poder ocupar um lugar no alojamento dos “gringos”.

Todavia, é com um formalíssimo e distanciado casal inglês que Jim reparte o alojamento, situação que serve aos intentos do diretor no sentido de consolidar a ritualização de passagem da personagem central, quando esta espia a intimidade do senhor e da senhora Victor.

O momento revela o despertar do garoto para o sexo e, portanto, a transição para a puberdade. O plano-seqüência começa, emblematicamente, com o descortinamento, quando Jim separa duas revistas que tem diante dos olhos, sintomaticamente uma banda desenhada, para público juvenil e uma revista de reportagem, mais orientada para o leitor adulto. No momento que gira nas mãos cada revista para um lado, Jim pode observar, na penumbra, o casal na cama à frente, situação que o diretor explora intercalando o plano do olhar do jovem com detalhes sutis e discretos, mas evidentes, do idílio.

Mas Império do sol é um filme de guerra e, portanto, é emoldurado pela guerra que Jim vive aquele momento de voyerismo infantil. Há uma batalha acontecendo em Xangai. A luz avermelhada das explosões ao longe reflete no rosto absorto do garoto. O barulho do bombardeio censura qualquer som ou palavra que possa vir da cama dos Victor. Sobrevivência, prazer, passagem da condição de criança para a puberdade e o que mais o sexo possa insinuar são

pertinentes à cena, de acordo com a interpretação do espectador, mas é impossível negar a presença da guerra, simbolicamente estampada em flamejantes reflexos na própria pele da personagem. Nesses termos, o sexo pode simbolizar, também, a teimosia humana em sobreviver à guerra, buscando na reprodução a superação da morte e o horizonte da reconstrução.

Em termos simbólicos, esse modo de olhar ou interpretar a guerra não fica distante daquele associado à mascarada vista na parte inicial do filme, ambos incorporando o conflito à ordem própria da sociedade, da qual é termo integrante, porque o belicismo pode ser atávico ao ser humano, mais ou menos como o sexo, retomando a idéia de que as guerras não são desejadas, mas parecem inevitáveis e, como tal, são socialmente aceitas.

Exatamente no instante em que o casal percebe-se observado, um poderoso bombardeiro americano B 29 cruza o campo de prisioneiros. Seja pelo interesse no avião, seja para fugir ao flagrante e evitar o olhar severo do Sr. Victor, Jim salta a janela para contemplar a aeronave atingida pelo fogo inimigo, despejando fumaça pelos motores, viajando célere na direção do solo, sem forças para voar. Nesse momento da narrativa começa um novo estágio da guerra, marcado pela presença crescente dos americanos.

Mas, a par e além dessa experiência íntima e introspectiva, o rito de passagem mais contundente a que o diretor submete sua personagem durante a estada no campo de Soochow acontece nas cenas imediatamente seguintes, em que Jim é investido do status de guerreiro e da honorária condição de americano.

Confabulando com os companheiros de alojamento e servindo-se de Jim para conseguir alguns recursos aparentemente triviais (rolha, agulha de coser), para construir uma bússola, Basie está envolvido com a idéia de deixar o campo ao invés de esperar o fim da guerra e a provável libertação pelas forças Aliadas. Além da dificuldade em reunir os recursos para a escapada, que Jim por vezes ajuda a contornar, Basie precisa certificar-se que o campo de prisioneiros não está cercado por minas terrestres, como é sua suposição, porém não uma convicção. Jim será o pivô do plano engendrado pelo ex-cabineiro da marinha mercante para substituir a dúvida pela certeza quanto às minas.

Sob a desculpa de plantar armadilhas para capturar faisões, Jim é desafiado por Basie a cruzar a cerca sem que as sentinelas japonesas percebam e atingir um determinado ponto além dos limites do campo onde, supostamente, estariam os faisões, na verdade cobrindo a área de um possível campo minado.

Figura 48. Ousadia. Figura 49. Inimigo.

O plano-seqüência em que o garoto cumpre a missão não é longo, mas reúne os elementos mais comuns (e eficientes) do cinema de gênero para criar tensão e expectativa.

Figura 50. Perigo. Figura 51. Sorte.

Em primeiro lugar o diretor interrompe a trilha musical, fazendo a atenção do espectador convergir para a respiração e os movimentos do rapaz, que não pode produzir sons, sob pena de