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Figura 9 Vaticínio.

A GUERRA PRESENTE

Para Jim Grahan a guerra entra em Xangai pela janela do quarto do hotel em que está hospedado com seus pais (fig. 19), a essa altura empenhados em sair não só da cidade, como da própria China, buscando refúgio fora da área de ocupação japonesa.

Replicando os olhos do garoto, a câmera enquadra os telhados e as ruas próximos ao hotel e, num único movimento, mostra todos os envolvidos no conflito: a população oriental fugindo e o exército japonês marchando compassadamente atrás dos civis. Nos telhados aparecem combatentes irregulares chineses e os ocidentais se misturando com a multidão, para fugir dos japoneses.36

36 Nesse momento, o movimento das massas chinesas e dos ocidentais não é mais contrário. Todos seguem a mesma

A seqüência seguinte, já com a personagem principal (e câmera) também nas ruas, concentra-se nos chineses armados, usando trajes civis (portanto não se trata de tropa regular), posicionados no alto dos edifícios (figs. 20 e 21). O enquadramento revela o amplo campo de visão das tocaias, indicando uma resistência desproporcional, mas organizada. Surge o destacamento japonês, marchando pelo centro da rua, constituindo excelente alvo para os atiradores chineses. Os primeiros tiros desbaratam a tropa, que se atropela na busca de abrigo e leva algum tempo até adquirir condições de responder ao fogo inimigo.

Figura 19. Visões. Figura 20. Guerrilha.

A partir da interpretação deste plano/seqüência, é possível conhecer/entender alguns aspectos da resistência chinesa à invasão nipônica, que se deu tanto com a participação de tropas regulares, como também por combatentes e meios não convencionais (o que, grosso modo, é chamada guerra de guerrilha no jargão dos estudos estratégicos37), uma vez que o exército regular chinês, despreparado e mal equipado, foi rapidamente superado pelo invasor japonês, além de submeter-se parcialmente à ocupação, por conta de acordos diplomáticos entre os governos imperiais chinês e japonês. A própria guerrilha maoista que, anos depois, iria conquistar o poder político do país do meio, teve marcante atuação na luta assimétrica38 contra o exército nipônico de ocupação, nos anos 1930/40.

37 Sobre guerra de guerrilha ou popular Cf. BONANNATE, 2001 e MATTELART, 1994. Ambos tratam do tema, do

termo e do conceito tomando como referência a obra de von Clausewitz.

38

Integrado às categorias teóricas dos modernos estudos de estratégia, o termo guerra assimétrica significa confronto militar entre forças muito desproporcionais do ponto de vista de recursos (armamentos, contingentes, equipamento de apoio, etc.), sem impedir, no entanto, que o lado mais fraco, recorrendo a expedientes não convencionais de luta, consiga enfrentar e eventualmente até vencer o opositor mais forte. Para mais informações sobre o conceito ver Pinheiro, Álvaro em Conflitos, disponível em http://www.defesanet.com.br/wars acesso em 22/03/2008. Ver também Costa, Darc em Visualizações da Guerra Assimétrica, disponível em http://www.esg.br/cee/artigos/darc7. Acesso em 22/03/2008.

Entretanto, enquanto objetivo da narrativa, menos que uma aula sobre estratégia ou um registro histórico legitimado em si mesmo, o que transparece com mais evidência quando o filme mostra aspectos da luta dos chineses contra o exército nipônico é a criação do ambiente de ação das personagens, como os perigos e a situação de caos em que o jovem inglês se vê mergulhado, ao vagar pelas ruas de Xangai. Separado de sua família, de quem ele se perde na confusão da fuga e sem a cobertura protetora da comunidade ocidental, nos termos vigentes antes da chegada das tropas nipônicas, Jim é literalmente inserido na guerra (mais precisamente no elemento essencial constitutivo da guerra, que é o combate), robustecendo-se como personagem habilitada a levar ao espectador um modo específico de ver o conflito. O que foi mostrado simbolicamente no plano-seqüência da carcaça do avião abatido e do acampamento japonês, descrito anteriormente, nesta parte do filme revela-se de modo explícito, confirmando a presença da guerra, até então adiada e negada. Agora os tiros são para valer e a morte revela-se em toda a sua crueza.

Figura 21. Tocaia. Figura 22. Fogo cruzado.

Movimentando-se de um lado para o outro no meio dos soldados, que procuram abrigo e posição de tiro para responder ao fogo dos guerrilheiros, a desorientação coloca a personagem em oposição ao movimento da tropa (fig. 22), assim como é Jim (e não os soldados) que presta atenção ao corpo que tomba à sua frente, atingido pelo tiroteio, confirmando a chegada inexorável da guerra e de tudo que ela traz, incluindo a morte e a desorientação frente ao novo

Figura 23. Vítimas.

Na cena seguinte, a objetiva volta para o topo do prédio, mostrando a retirada dos corpos dos guerrilheiros, mantendo em quadro a poça de sangue vertido pelos abatidos (fig. 23), clara alusão à realidade da guerra (observando-se a articulação dos diversos planos-seqüência para compor a estrutura narrativa do filme através da retomada de cenas descritas e analisadas anteriormente, vale a pena lembrar, neste ponto, o sangue das galinhas tingindo a janela envidraçada do automóvel, durante o deslocamento para a festa (fig. 11; ver também fig. 12). Agora, com o sangue humano vertido na luta, confirma-se o vaticínio da personagem principal. Importante assinalar, também, que esse exercício narrativo de retomar situações já mostradas anteriormente será comentado e analisado mais à frente). Segue uma fusão lenta para um plano geral de Xangai coberta de fumaça, confirmando que a cidade toda está tomada pelos combates. Outra fusão de imagens leva ao enquadramento de Jim voltando para casa, onde se alinham as mansões da comunidade ocidental, na rua Amherst, suja e abandonada, revelando a personagem já totalmente envolvida pelo conflito.