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Competência para processo e julgamento do crime de tráfico de

3.6. Análise pontual do ordenamento jurídico brasileiro: considerações

3.6.1. Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual

3.6.1.3. Competência para processo e julgamento do crime de tráfico de

O tema em estudo, mormente no que se refere à competência para processo e julgamento do crime de tráfico de seres humanos, ocorrido dentro dos limites fronteiriços, nos termos do princípio da territorialidade, previsto nos artigos 5º 255, do Código Penal e 1º 256 do Código Penal, aplica-se, como regra geral, a lei penal e processual penal brasileira a todo e qualquer delito ocorrido em território nacional.

Dificuldades podem surgir quanto à atuação da jurisdição nacional e os critérios que legitimam sua atuação nos casos em que o tráfico de seres humanos possa qualificar-se como crime transnacional ou internacional. Tal classificação fundamenta-se na responsabilização penal em decorrência da violação aos Direitos Humanos, assim definidos como crimes de Direito Internacional, que pode ser verificada nos âmbitos da jurisdição nacional e internacional.

254 Para os crimes praticados em concurso material Rogério Greco defende esse entendimento. In:

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p.592.

Art. 69 – “Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela. § 1º - Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44 deste Código.

§ 2º - Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais.”

255 Territorialidade: “art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras

de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.

§ 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.

§ 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em voo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.

256Art. 1o O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código, ressalvados:

I - os tratados, as convenções e regras de direito internacional; II - as prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade; III - os processos da competência da Justiça Militar; IV - os processos da competência do tribunal especial; V - os processos por crimes de imprensa.

Parágrafo único. Aplicar-se-á, entretanto, este Código aos processos referidos nos nos. IV e V,

Na jurisdição nacional, a Justiça do Estado é que exerce o papel da apuração e efetiva responsabilização dos autores, coautores ou partícipes dos crimes internacionais. Na jurisdição internacional há a possibilidade da responsabilização, por meio dos Tribunais ad hoc, Mistos ou Internacionalizados, bem como mediante o Tribunal Internacional Permanente.257

Classifica-se como transnacional a conduta que infringir o bem jurídico de mais de um Estado, como por exemplo, no delito de lavagem de dinheiro. No entanto, caso o comportamento esteja associado a um dos crimes previstos no Estatuto de Roma, em que o titular do bem jurídico seja a comunidade internacional, e a conduta generalizada ou sistemática, o delito será considerado internacional, não importando se a conduta transcorra à jurisdição de mais de um Estado.258

O Estatuto do Tribunal Penal Internacional possui competência para julgar quatro categorias de crimes: crimes contra a humanidade, genocídio, crimes de guerra e agressão, nos termos do seu artigo 5º259. Não obstante, embora não empregue as nomenclaturas “tráfico de seres humanos ou tráfico de pessoas”, devido à perspectiva deste fenômeno sob o panorama do Direito Internacional voltar- se para cinco diferentes formas de abordagem, como imigração, vertente do trabalho, proscrição da escravidão, justiça criminal e finalmente sob o ponto de vista dos Direitos Humanos260, é incontestável que o crime em estudo constitui um aspecto que transcende a jurisdição interna dos países.261

Ao mesmo tempo, a doutrina internacional defende a imposição de sanções aos Estados no sentido de fazê-los responder por suas omissões, além da responsabilização direta daqueles países que sustentarem uma política permissiva sobre esse particular, inclusive reconhecendo que os pressupostos do tráfico de pessoas podem integrar casos de competência do Tribunal Penal Internacional,

257Nesse sentido: BECHARA, Fábio Ramazzini. Tráfico de seres humanos: competência internacional penal para o julgamento das violações aos Direitos Humanos. MARZAGÃO

JÚNIOR, Laerte I. Coordenação. Tráfico de Pessoas. São Paulo: Quartier Latin, p. 98-116, 2010, p. 99.

258Nesse sentido: Idem. Ibidem, p. 114.

259Artigo 5º: Crimes da Competência do Tribunal. “1. A competência do Tribunal restringir-se-á aos

crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do presente Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes: a) O crime de genocídio; b) Crimes contra a humanidade; c) Crimes de guerra; d) O crime de agressão. 2. O Tribunal poderá exercer a sua competência em relação ao crime de agressão desde que, nos termos dos artigos 121 e 123, seja aprovada uma disposição em que se defina o crime e se enunciem as condições em que o Tribunal terá competência relativamente a este crime. Tal disposição deve ser compatível com as disposições pertinentes da Carta das Nações Unidas”.

260Nesse sentido: VILLACAMPA ESTIARTE, 2011, p. 147-148. 261Nesse sentido: Idem. Ibidem, p. 242-243.

como próprias da aplicação horizontal do Direito Internacional dos Direitos Humanos, bem como quanto à recondução dessa conduta criminal a um dos tipos integrados no Direito Penal internacional.262

Certamente que o reconhecimento da jurisdição do Tribunal Penal Internacional pode apresentar solução para casos inerentes à corrupção das autoridades empregando-se a infraestrutura da Corte para fazer frente à delinquência organizada transnacional, por óbvio sendo respeitado o caráter subsidiário de sua competência, em conformidade com o artigo 13, do Estatuto de Roma.

Assim, para o reconhecimento da competência da Corte do Tribunal Penal Internacional, partiria-se do pressuposto que as condutas de tráfico de seres humanos seriam consideradas como crime contra a humanidade, contempladas no artigo 7°263, do Estatuto de Roma, quando cometido como parte de um ataque sistemático e generalizado contra uma população civil, entendendo-se que o tráfico de pessoas não se encaixaria somente no conceito de escravidão, mas também nas hipóteses de deportação ou transferência forçada da população, e no

262Nesse sentido: VILLACAMPA ESTIARTE, 2011, p. 242-243.

263Artigo 7º: Crimes contra a Humanidade. “Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por

"crime contra a humanidade" qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque: a) Homicídio; b) Extermínio; c) Escravidão;d) Deportação ou transferência forçada de uma população;e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; f) Tortura; g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável;h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3o, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal;i) Desaparecimento forçado de pessoas; j) Crime de

apartheid; k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande

sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.

2. Para efeitos do parágrafo 1o: a) Por "ataque contra uma população civil" entende-se qualquer conduta que envolva a prática múltipla de atos referidos no parágrafo 1o contra uma população civil, de acordo com a política de um Estado ou de uma organização de praticar esses atos ou tendo em vista a prossecução dessa política; b) O "extermínio" compreende a sujeição intencional a condições de vida, tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos, com vista a causar a destruição de uma parte da população; c) Por "escravidão" entende-se o exercício, relativamente a uma pessoa, de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa, incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas, em particular mulheres e crianças; d) Por "deportação ou transferência à força de uma população" entende-se o deslocamento forçado de pessoas, através da expulsão ou outro ato coercivo, da zona em que se encontram legalmente, sem qualquer motivo reconhecido no direito internacional; (...) i) Por "desaparecimento forçado de pessoas" entende-se a detenção, a prisão ou o sequestro de pessoas por um Estado ou uma organização política ou com a autorização, o apoio ou a concordância destes, seguidos de recusa a reconhecer tal estado de privação de liberdade ou a prestar qualquer informação sobre a situação ou localização dessas pessoas, com o propósito de lhes negar a proteção da lei por um prolongado período de tempo.”

desaparecimento forçado de pessoas, inclusive outros atos desumanos que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.264

Para Fábio Ramazzini Bechara, haverá o deslocamento de competência, conforme o princípio da universalidade da jurisdição, caso a justiça nacional, originariamente competente, deliberadamente der causa à impunidade, por ausência de apuração ou cumplicidade. In casu, pautado no fato do tráfico de seres humanos estar na agenda internacional de crimes a serem punidos, qualquer Estado será competente para julgar a conduta, exceto se o ordenamento jurídico interno dispor de forma distinta.265

Isto porque, partindo-se da perspectiva da jurisdição penal dos Estados, o princípio da jurisdição universal configura-se como a possibilidade do poder de um Estado de acordo com o Direito Internacional de afirmar a aplicabilidade de seu Direito Penal a uma determinada conduta266, por meio de atos judiciais e executivos, “na ausência de qualquer outro vínculo jurisdicional aceitável na época da ocorrência do crime em questão.”267

Fábio Ramazzini Bechara esclarece que

no caso do Brasil, por força do disposto no artigo 7º, II, a, do Código Penal, deverão ser atendidas as condições dos parágrafos subsequentes a fim de que, não somente o direito nacional seja aplicado, mas principalmente, para que a justiça brasileira seja competente. 268

Ainda, por determinação constitucional, o artigo 109, inciso V, compete aos juízes federais processar e julgar os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando a execução for iniciada no País e o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente.

Além disso, caso o tráfico de seres humanos configure crime internacional, a responsabilidade criminal deverá ser guiada pela tendência universalista, projetando-se como mecanismo de manutenção da paz e da salvaguarda do gênero

264Nesse sentido: VILLACAMPA ESTIARTE, Carolina, 2011, p. 244-245. 265Nesse sentido: BECHARA, 2010, p. 115.

266Nesse sentido: JANKOV, Fernanda Florentino Fernandez. Direito internacional penal: mecanismos de implementação do Tribunal Penal Internacional. São Paulo: Saraiva, 2009,

p.78-79.

267Idem. Ibidem, p.105. 268

humano, nos casos em que a competência universal dos Estados for ineficaz, a responsabilidade poderá ser apurada de acordo com o sistema internacional de justiça criminal.269

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