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Os fatores colaboradores para o tráfico de seres humanos

Preliminarmente, insta salientar que os fatores colaboradores para o tráfico de seres humanos são variantes e complexos e modificam-se de país para país.

O tráfico de seres humanos é apontado como uma das consequências contemporâneas do capitalismo mundial. Produz-se devido às desigualdades geradas no processo de globalização econômica, à proliferação da pobreza rural, ao aumento da exploração econômica dos desprovidos, à transferência líquida de riquezas e recursos das economias dos países pobres para os ricos, à erosão das oportunidades e do acesso aos bens primários nos países em desenvolvimento.31 Paralelamente, o mundo suportou alguns conflitos político-militares de elevada intensidade em regiões geograficamente localizadas nos Bálcãs, Timor Leste e na Região dos Grandes Lagos Africanos, com conteúdo étnico-religioso, o que provocou o aumento dos fluxos migratórios.32

Nesse contexto, há sempre alguém que explora outrem com a intenção de obter vantagem econômica ou patrimonial em decorrência da vulnerabilidade gerada em razão das altíssimas taxas de desemprego, da miséria, da discriminação, da feminização da pobreza e dos conflitos políticos e militares.

Essa vulneração social, presente em inúmeros países, causa assimetrias endêmicas entre as nações desenvolvidas e as desprovidas e, dessa forma, provoca problemas de imigração, exploração laboral e sexual, incluindo o tráfico de seres humanos para diversas finalidades. Destacam-se dois grupos mais suscetíveis a se tornarem vítimas: as mulheres e as crianças. Portanto, um terreno fértil para a atuação de organizações criminosas.

Em geral, o tráfico de seres humanos decorre de problemas de índole social, nos quais as vítimas encontram-se fragilizadas pelas situações reais de pobreza na qual estão inseridas, de modo que se tornam alvos mais fáceis e, assim, se consegue obter o controle da vítima em potencial. Muitas vezes, aproveitam-se do

31Nesse sentido: KARA, Siddharth. Tráfico Sexual El Negocio da La Esclavitud Moderna. Madrid:

Alianza Editorial, 2010, p. 26-27. Tradução livre realizada pela autora.

32Nesse sentido: Relatório sobre a situação da População Mundial 2010-UNFPA. Do conflito e

crise à renovação: gerações da mudança. Disponível em: <http://www.

sonho e da esperança de uma vida melhor, com a ilusão de que será conquistada por meio de maiores ganhos financeiros, prometidos pelos traficantes.33

Desse modo, as vítimas são recrutadas por traficantes que, na maioria das vezes, estão inseridos no crime organizado ou nas redes criminosas e, conseguem materializar seu intento, promovido pelos seguintes elementos: fatores econômicos, feminização da pobreza e a migração feminina, discriminação baseada em gênero, o crescimento da indústria de entretenimento e sexo, leis e políticas sobre imigração, leis deficientes, conflito armado, a corrupção das autoridades, as práticas culturais e religiosas, baixo nível educativo, falta de oportunidades, situações familiares em que existam casos de abuso sexual ou violência, falta de informação e ingenuidade.

Inicialmente, os fatores econômicos são apontados como um dos elementos do aumento do desemprego nos países com economias em transição, que provocaram o crescimento rápido no setor de trabalho informal, particularmente em zonas de processamento para exportação. Na maioria das vezes, os trabalhadores tornam-se mais vulneráveis e sujeitos às condições de trabalho abusivas, porque normalmente encontram-se em áreas marginalizadas, muitas vezes não sujeitas às leis trabalhistas.34

Em segundo lugar, a feminização da pobreza e a migração feminina são outra causa, pois na realidade atual, muitas mulheres tornam-se “chefes de família”, carregam o fardo financeiro de sustentar os filhos, portanto, precisam ingressar no mercado de trabalho para ajudar a suprir as despesas familiares. Devido a esses fatores, e também à busca por novas oportunidades, migram para outros países. Em razão da pouca educação ou incapacitação profissional, restam-lhes escassas oportunidades de trabalho, no geral, como profissionais do sexo, operárias ou ajudantes domésticas.35

Em terceiro lugar, a discriminação baseada em gênero é o fator decisivo para justificar o porquê as mulheres e as meninas compõem a maioria das pessoas traficadas. Tal exclusão se dá devido ao status de inferioridade das mulheres em

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“O perfil das vítimas é sempre o mesmo: pessoas que não têm dinheiro ou não têm oportunidade de trabalhar ou estudar e querem melhorar suas vidas”. In: Pesquisa e diagnóstico do tráfico de

pessoas para fins de exploração sexual e de trabalho no Estado de Pernambuco – 2009, p. 31.

Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/main.asp?Team=%7B5753E656-A96E-4BA8-A5F2- B322B49C86D4%7D >. Acesso em: 30/01/2012.

34Nesse sentido: Direitos Humanos e Tráfico de Pessoas: Um Manual. Aliança Global Contra o Tráfico de Mulheres (GAATW), p. 38-39.

35Nesse sentido: Direitos Humanos e Tráfico de Pessoas: Um Manual. Aliança Global Contra o Tráfico de Mulheres (GAATW), p. 39.

relação aos homens, que ocorre, particularmente, em países em desenvolvimento, devido a alguns fatores: a) a falta de instrução das meninas; b) a expectativa das mulheres em executar determinados papéis na sociedade, entre eles, por ser a única responsável por sua prole; c) a discriminação contra as mulheres na participação política, sua sexualidade, religião, costumes e práticas sociais.36

Em quarto lugar, o crescimento da indústria de entretenimento e sexo, com a promoção do turismo sexual como estratégia de desenvolvimento, é também um fator que contribui para o tráfico de pessoas para a exploração sexual. Isso não quer dizer que o turismo sexual se confunda com o tráfico, uma vez que o ingresso de muitas mulheres é voluntário. Mas há uma conexão entre a entrada de estrangeiros abastados nos países em desenvolvimento, que procuram copular com mulheres locais, e a circulação destas na indústria do sexo. Vale destacar que, consequentemente, a migração para o trabalho sexual aumentou. Não obstante, na maioria dos países de destino, o exercício da prostituição é ilegal para as imigrantes, fator este que é uma das causas de aumento do risco para que sejam vitimadas pelo tráfico e, posteriormente, serem utilizadas na indústria do sexo.37

Em quinto lugar, as leis e políticas sobre imigração são outra causa. Apesar do caráter indispensável de suprir o crescimento para todas as formas de trabalho imigrante, as leis dos países de destino não satisfazem à demanda, mesmo existindo uma necessidade comprovada de trabalho em determinados setores, como o doméstico, de entretenimento, agrícolas e têxteis, pois estes, em geral, são mal pagos ou indesejados pelos cidadãos de países desenvolvidos. Daí uma contradição maciça existente entre a necessidade de políticas de imigração e sua repressão. É comum que as mulheres dos países em desenvolvimento e que viajam sozinhas tenham seus vistos e entradas recusados em países de destino pelos oficiais da imigração. O efeito das leis e políticas repressivas de migração faz com que indivíduos desesperados saiam à procura de agentes para facilitar a imigração, muitas vezes, utilizam-se de documentos falsos ou meios ilegais de viagem para entrada nos países de destino. A ilegalidade da situação conecta as vítimas aos traficantes, que encontram diversas maneiras para contornar os obstáculos da imigração. As vítimas têm receio em relatar suas condições de vida e trabalho às

36Nesse sentido: Direitos Humanos e Tráfico de Pessoas: Um Manual. Aliança Global Contra o Tráfico de Mulheres (GAATW), p.39.

37Nesse sentido: Direitos Humanos e Tráfico de Pessoas: Um Manual. Aliança Global Contra o Tráfico de Mulheres (GAATW), p. 41.

autoridades, por medo de repressão e deportação. Embora seja um trabalho sob circunstâncias abusivas, possuem interesse em manter a própria sobrevivência econômica ou a de sua família, sem interesse em sair do tráfico por vontade própria. Assim ficam mais dependentes dos traficantes.38

Em sexto lugar, as leis deficientes são um dos elementos que corroboram para o tráfico de pessoas, pois a legislação inadequada e desatualizada, a ausência de harmonização das normas nacionais, a burocracia excessiva e atividade judicial morosa atrapalham no combate ao tráfico.39

Em sétimo lugar estão as situações de conflito armado. Embora as mulheres raramente participem do combate ativo, sofrem outros efeitos decorrentes deste, pois são especialmente vulneráveis ao abuso sexual, ao serviço doméstico e ao trabalho forçado. Em consequência das guerras e dos conflitos, muitas pessoas tornam-se empobrecidas e são forçadas a se deslocar, saem de seus países para sobreviver e/ou sustentar suas famílias. A ausência de meios legais viáveis para a migração leva as pessoas a correr grandes riscos à procura de trabalhos no exterior. Assim, muitas vezes, acabam nas mãos dos traficantes. Nas situações de conflito armado, por mais das vezes, o tráfico é resultado direto da necessidade de se recrutar forçosamente novos soldados.40

Em oitavo lugar, a corrupção das autoridades é um dos fatores colaboradores para o fenômeno em foco. Isto porque é indiscutível que as autoridades corruptas possuem sua parcela de culpa na facilitação e no processo do tráfico de seres humanos. Há inúmeros relatos de vítimas sobreviventes nesse sentido, como por exemplo, o fato de aceitar suborno dos traficantes em troca da permissão para cruzar as fronteiras.41

Em nono lugar, as práticas culturais e religiosas demonstram como o tráfico de seres humanos e as práticas de modo escravo podem estar institucionalizadas e serem aceitas pela sociedade, pois são praticadas em muitos países até hoje. 42

38Nesse sentido: Direitos Humanos e Tráfico de Pessoas: Um Manual. Aliança Global Contra o Tráfico de Mulheres (GAATW), p. 41-42.

39Nesse sentido: Tráfico de Pessoas para fins de exploração sexual, OIT, 2005, p. 17.

40A abdução forçada de crianças (crianças- soldado) é uma prática regular em muitos países

africanos, tais como Quênia, Angola, Sudão e Uganda, uma vez que há falta de voluntários à guerrilha. Nesse sentido: Tráfico de Pessoas para fins de exploração sexual, OIT, 2005, p. 42.

41Nesse sentido: Direitos Humanos e Tráfico de Pessoas: Um Manual. Aliança Global Contra o Tráfico de Mulheres (GAATW), p. 42.

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Trokosi, devasi ou devaki, respectivamente, é uma prática cultural presente em Gana, Índia e Nepal.

É uma forma tradicional de escravidão e significa “o escravo da divindade”. Ocorre nos casos em que a família se torna responsável em fornecer uma menina virgem a um santuário, quando um membro

Por último, pode-se apontar ainda: l) o baixo nível educativo, sem um ensino de qualidade; m) a falta de oportunidades; n) as situações familiares em que existam casos de abuso sexual ou violência; o) a falta de informação e a ingenuidade.

Por óbvio que os fatores colaboradores para o tráfico de seres humanos são numerosos e não podem ser vistos isoladamente. Contudo, contribuem, fundamentalmente, para a condução do fenômeno em estudo.

A par dos fatores colaboradores, no contexto do tráfico de pessoas, o crime organizado transnacional é a chave mestra para o crescimento e a ascensão delituosa do tema ora estudado e, apresenta-se como uma das novas formas de criminalidade.

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