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O Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o

Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças

A preocupação com o crime organizado e seu caráter transnacional corroborou para o entendimento de que apenas a utilização de uma legislação internacional, concomitante com a efetiva cooperação internacional poderiam ser realmente ferramentas eficazes no combate, prevenção e repressão aos delitos perpetrados por organizações delituosas.

Com isso, passou a acontecer no cenário mundial celebrações de tratados e convenções internacionais e regionais87, a composição de diretivas, resoluções e recomendações constituídas por inúmeros órgãos, bem como a elaboração de estratégias para informar e prestar auxílio mútuo no combate à corrupção, à lavagem de dinheiro e à recuperação de ativos.88

Assim, o principal instrumento internacional que objetiva a promoção da cooperação para prevenir e combater de forma mais eficaz a delinquência organizada nasceu em Palermo, denominada Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, notoriamente conhecida como Convenção de Palermo, adotada pela Resolução da Assembleia Geral nº. 55/25, de 15 de novembro de 2000, e entrou em vigor em 29 de setembro de 2003.

empreendido frequentemente pelo crime organizado, e trata-se de violação grosseira dos Direitos Humanos fundamentais, cuja prevenção e o combate constituem prioridades da UE e dos Estados- Membros.

87Convenção de Viena de 1988 (Convenção contra Tráfico ilícito de Entorpecentes e Substâncias

Psicotrópicas, incorporada pelo ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto nº 154, de 26/06/1991); Convenção de Estrasburgo de 1990; Diretiva 308-1991 das Comunidades Europeias, Convenção de Palermo (A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional); Convenção Interamericana contra a Fabricação e o Tráfico Ilícito de Armas de Fogo, Munições e outros Materiais Correlatos (CIFTA), incorporada pelo ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto nº 3.299/99; Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, incorporada pelo ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto nº 5.687/2006, entre outras.

88GOMES, Rodrigo Carneiro. O Crime Organizado na Visão da Convenção de Palermo. 2ª ed.

O Brasil tornou-se signatário desse documento, com a edição do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004. A partir desse momento, veio ao mundo a obrigação jurídica internacional de o legislador ordinário atender aos preceitos nele delineados como destinatário principal do dever de proteção, na medida em que o crime organizado representa uma ameaça à segurança e aos pilares do Estado Democrático.

A Convenção é complementada por três Protocolos Adicionais, os quais têm como alvo áreas específicas e com expressas manifestações do crime organizado. São eles: relativo à prevenção, à repressão e à punição do tráfico de pessoas; relativo ao combate ao contrabando de pessoas por terra, mar e ar; e relativo à fabricação ao tráfico ilícito de armas de fogo, suas peças e componentes e munições.

Os países signatários comprometeram-se a adotar medidas contra o crime organizado transnacional, entre elas, a respectiva criminalização dos delitos em seu ordenamento jurídico interno que versem sobre a participação em um grupo criminoso organizado, a lavagem do produto do crime, corrupção e obstrução da Justiça, bem como a implementação de medidas de combate à lavagem de dinheiro, à corrupção, ao confisco e à apreensão do produto das infrações. Ainda assistência jurídica recíproca, técnicas especiais de investigação, investigações conjuntas, proteção das testemunhas, assistência e proteção às vítimas, a prevenção, entre outras.

Torna-se oportuno salientar que a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional definiu, em seu artigo 2, alínea a, grupo criminoso organizado como:

Grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.

Desse modo, a referida Convenção, com seus respectivos Protocolos Adicionais, constituiu um grande passo à frente na luta contra o crime organizado transnacional, materializando o reconhecimento pelos Estados-Membros da gravidade dos problemas colocados por ela, bem como a necessidade de promover

e melhorar a estreita cooperação internacional para o combate a todas as formas delituosas desenvolvidas no cenário atual.

Para o tema em estudo, ater-se-á detalhadamente apenas ao Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, que entrou em vigor internacionalmente, em 25 de dezembro de 2003, do qual o Brasil tornou-se signatário com a promulgação do Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004.

Estruturalmente, o Protocolo é formado por 20 artigos distribuídos em quatro tópicos, a saber: I. Disposições Gerais (artigos 1 a 5); II. Proteção de vítimas de tráfico de pessoas (artigos 6 a 8); III. Prevenção, cooperação e outras medidas (artigos 9 a 13); IV. Disposições finais (artigos 14 a 20).

Trata-se do primeiro instrumento referente à temática que contém uma abordagem global e internacional balizada nos “3 Ps”: prevenção do tráfico, punição dos traficantes e proteção das vítimas. Desse modo, em seu preâmbulo, sustenta que para o seu combate eficaz, exige-se, por parte dos países de origem e de trânsito, a inclusão de medidas destinadas a prevenir o tráfico, a punição de traficantes e a proteção das vítimas, designadamente os seus direitos fundamentais internacionalmente reconhecidos, no qual se busca compensar a aplicação da lei com os direitos das vítimas.

É o único instrumento universal até o momento, que procura abordar todos os aspectos do tráfico de seres humanos, em especial, a prevenção desse delito na esfera delinquência organizada transnacional. Os objetivos perseguidos pelo Protocolo aparecem expressos em seu artigo 2º:

a) prevenir e combater o tráfico de pessoas, prestando uma atenção especial às mulheres e crianças; b) proteger e cuidar das vítimas desse tráfico, respeitando plenamente os seus Direitos Humanos; e c) promover a cooperação dos Estados-Partes de forma a atingir esses objetivos.

Elenca em seu artigo 3º, alínea a, a definição mais recente e mais importante do delito tráfico de seres humanos, aceita pelos países signatários, estendendo o crime a todos os tipos de vítimas, nos seguintes termos:

a) A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude,

ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos;

Tal conceituação estabelece a base essencial do delito de tráfico de seres humanos e suas modalidades, que deverão ser tipificados pelos Estados signatários, em seus respectivos ordenamentos jurídicos internos, criminalizando as condutas, conforme estabelece o artigo 5.1.

Ainda dispõe o artigo 3º, em sua alínea c, que quando se tratar de indivíduo menor de dezoito anos, toda a ação de recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou acolhimento de uma criança para fins de exploração constituirá tráfico de seres humanos, independentemente de estarem presentes ameaça ou uso da força ou outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou a aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra.

Salienta-se a extrema importância da definição inserta no artigo 3º, alínea a, do Protocolo Adicional à Convenção de Palermo, no entanto, possui lacunas e verificam-se dificuldades no campo de alguns conceitos, pois, embora tenha-se buscado enfatizar a proteção das mulheres e crianças, assinalando a exploração da prostituição de outrem e outras formas de exploração sexual, bem como a servidão e a remoção de órgãos, não se atentou à descrição típica desses conceitos, sendo necessário recorrer a outros instrumentos internacionais para conceituá-los, razão pela qual não é apropriada para ser utilizada como norma incriminadora nos moldes exigidos pelo princípio da taxatividade, que se trata de um dos colários do princípio da legalidade.

Apesar de a ONU afirmar que foi uma indefinição intencional, na medida em que se reconhece a existência de tratamento distinto dado pelos países signatários, em especial, ao que tange o trabalho sexual voluntário adulto, considerando-o crime ou não, deixou a cargo dos Estados a elaboração de leis internas a respeito.89

89Nesse sentido: DAUNIS RODRÍGUEZ, Alberto. El derecho penal como herramienta de la política migratória. Granada: Comares, 2009, p.49. Tradução livre realizada pela autora.

O Brasil, para assumir as obrigações internacionais avocadas, passou a tipificar as condutas relacionadas com o tráfico de pessoas, e o fez apenas com escopo de coibir a finalidade de exploração sexual. No entanto, deixou de lado, ao tratar do tema, a inserção das condutas de servidão sexual e a participação na produção de material pornográfico90, que contemplariam uma gama maior de condutas delituosas perpetradas no contexto de tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual.

O artigo 4 dispõe acerca do âmbito de aplicação do Protocolo, que é destinado à prevenção, à investigação e à repressão dos delitos tipificados nos moldes do disposto em seu artigo 5, quando forem de caráter “transnacional e envolverem grupo criminoso organizado, bem como a proteção das vítimas de tráfico.”

Conforme o disposto em seu artigo 6, devem ser abraçadas medidas que permitam proteger a “privacidade e a identidade das vítimas de tráfico de pessoas, incluindo, entre outras, a confidencialidade dos procedimentos judiciais relativos a esse tráfico.”

Ainda no artigo 6, determina a adoção de

Medidas que permitam a recuperação física, psicológica e social das vítimas de tráfico de seres humanos, se necessário, a cooperação com organizações não governamentais, outras competentes e outros elementos da sociedade civil, em especial, o fornecimento de: a) alojamento adequado; b) aconselhamento e informação, especialmente quanto aos direitos que a lei reconhece, numa língua que compreendam; c) assistência médica, psicológica e material; d) oportunidades de emprego, educação e formação.

Preconiza os artigos 10, 11, 12 e 13 que exista um abrangente intercâmbio de informações entre “os serviços de imigração ou outros serviços competentes dos Estados-Partes, cooperarão entre si, na medida do possível, mediante troca de informações em conformidade com o respectivo direito interno”, assegurando ou reforçando “a formação dos agentes dos serviços competentes para a aplicação da lei, dos serviços de imigração ou de outros serviços competentes na prevenção do tráfico de pessoas”, e ainda enrijecer “os controles fronteiriços necessários para prevenir e detectar o tráfico de pessoas”.

90Conforme consta no Global Rights, Guía Anotada del Protocolo Completo de la ONU Contra la

Trata de Personas. Disponível em: <http://www.oas.org/atip/.../Annot_Prot_SPANISH.pdf>. Acesso

em: 30/05/2011, p.9. Inclui-se no conceito de exploração sexual também a servidão sexual e a participação na produção e materiais pornográficos. Tradução livre realizada pela autora.

Para tanto, recomenda que se assegure a

qualidade, legitimidade, validade, integridade, a segurança e o controle dos documentos de viagem ou de identidade emitidos ou supostamente emitidos, para que não sejam indevidamente utilizados nem facilmente falsificados ou modificados, reproduzidos ou emitidos de forma ilícita.

O artigo 14 versa sobre a cláusula de salvaguarda, para que nenhuma disposição do Protocolo Adicional implique prejuízos

aos direitos, obrigações e responsabilidades dos Estados e das pessoas por força do direito internacional, direito internacional humanitário e o direito internacional relativo aos Direitos Humanos e, especificadamente, a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados e ao princípio do non-refoulement.91

O referido artigo impõe, inclusive, que as medidas insertas “serão interpretadas e aplicadas de forma que as pessoas que foram vítimas de tráfico não sejam discriminadas”, em “conformidade com os princípios de não discriminação internacionalmente reconhecidos.”

Por fim, versam os últimos artigos sobre solução de controvérsias (artigo 15); regras sobre assinatura, ratificação, aceitação, aprovação e adesão (artigo 16); disposições acerca da entrada em vigor do Protocolo (artigo 17); dispõe sobre a possibilidade de os Estados-Partes, cinco anos após sua entrada em vigor, poderem propor emenda (artigo 18); dispõe sobre a denúncia (artigo 19); regula o depósito do instrumento e dos idiomas adotados (artigo 20).

91Dentre os direitos protegidos, merece destaque o direito do refugiado de não ser repatriado, o que

constitui um princípio basilar do sistema internacional de proteção aos refugiados. À luz do princípio da não devolução, ninguém pode ser obrigado a retornar a um país em que sua vida e liberdade estejam ameaçadas. Esse direito é consagrado no art.33 da Convenção de 1951, quando afirma que “nenhum dos Estados - contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de que maneira for, para as fronteiras dos territórios onde sua vida ou liberdade sejam ameaçadas em virtude de sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas”. O princípio do non-

refoulement é, assim, um princípio geral tanto do Direito dos Refugiados como do Direito dos Direitos

Humanos, devendo ser reconhecido e respeitado como um princípio jus cogens. In: PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.189.

2.4. O desenvolvimento da legislação penal brasileira relacionada ao tráfico de

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