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Origem do tráfico de seres humanos

A nomenclatura tráfico de pessoas tem seu parentesco mais distante do tráfico de negros e mais próximo do tráfico de escravas brancas. Este último liga-se à ideia de atrair e levar pessoas para comercializá-las, não para explorar sua mão de obra, mas para a exploração sexual por meio do pagamento em troca de serviços sexuais prestados e que, por muito tempo, recaiu unicamente sobre mulheres e crianças.73

A história aponta a origem do tráfico de seres humanos na antiguidade clássica, em especial na Grécia e em Roma, onde se realizava o tráfico com o objetivo de aquisição de escravos para servirem como mão de obra.

É importante mencionar que Aristóteles considerava a escravidão como algo natural. Em sua época predominava a ideia de que apenas os gregos possuíam o sentido da evolução do espírito humano, era o único povo dotado de razão superior e de inteligência esclarecida. Em razão disso, reivindicava para si o direito de considerar bárbaros os demais povos, tornando-os seus escravos.74

Iniciado pelos árabes no século IX, o tráfico de escravos africanos passou a ganhar magnitude com a fixação dos primeiros entrepostos portugueses na África Ocidental, na primeira metade do século XV. O trânsito de escravos passou então a adquirir característica mercantilista, com escopo de suprir a carência de mão de obra. Assim, desenvolveu-se um cruel e lucrativo comércio de homens, mulheres e crianças.

No período colonialista surge o tráfico negreiro transatlântico, caracterizado pelo transporte de africanos como escravos para as Américas e para outras colônias de países europeus, entre elas o Brasil.

73Nesse sentido: GUZMÁN DALBORA, José Luis. La trata de personas y el problema de su bien jurídico. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 71, v.16, p. 126-146, março-abril, 2008, p.

129-130. Tradução livre realizada pela autora.

74Nesse sentido: GOUVEIA, Murilo de. História da Escravidão. Rio de Janeiro: Gráfica Tupy, 1955.

As diferenças entre o tráfico conduzido pelos árabes e pelos europeus foram significativas. A escravidão nas sociedades muçulmanas atingia, indiferentemente, brancos e negros e possuía, especialmente, o caráter doméstico. Para os europeus, o tráfico visou, desde os primórdios, exclusivamente, à população negra, inserindo- se na seara dos cultivos de cana de açúcar e café, organizados de forma capitalista e voltados para a exportação.

Apenas nos primórdios do século XIX, o tráfico negreiro passou a ser reprimido e, esforços conjuntos buscaram extinguir essa modalidade de tráfico ligada à escravidão para fins de mão de obra laboral.75

Torna-se necessário salientar que há dois traços marcantes nos inúmeros regimes escravocratas vivenciados em qualquer período histórico: a) a violência utilizada como meio fundante para o início e manutenção da relação da escravidão; b) o trabalho escravo esteve inserido de forma legal na conjuntura político-social, cuja institucionalização do Estado por meio da codificação do estatuto da escravidão era utilizada como pena pela prática de algum ato.76

No final do século XIX, o tema referente às pessoas traficadas e à escravidão adquire nova roupagem. As correntes migratórias desse período, fomentadas por diversas causas, dentre elas a miséria e a proliferação de doenças, fizeram com que desabrochasse uma nova espécie de tráfico de seres humanos, o tráfico de escravas brancas ou white slave trade.

A preocupação com esse fenômeno originou-se na Grã-Bretanha, espalhou- se velozmente por todo o continente europeu e norte-americano. Esse contexto refere-se ao período em que mulheres europeias eram trazidas por redes

75A Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das

Instituições e Práticas Análogas à Escravatura, adotada em Genebra, a 7 de setembro de 1956, passou a viger no Brasil em 6 de janeiro de 1966, e foi promulgada pelo Decreto Presidencial nº 58.563 de 1º de junho de 1966, e define tráfico de escravos, no artigo 3º. 1., como: “o ato de transportar ou tentar transportar escravos de um país a outro, por qualquer meio de transportes, ou a cumplicidade nesse ato constituirá infração penal segundo a lei dos Estados Partes à Convenção, e as pessoas reconhecidas culpadas de tal informação serão passíveis de penas muito rigorosas.” Ainda, no artigo 7º, § 3º: “Tráfico de escravos significa e compreende todo ato de captura, aquisição ou cessão de uma pessoa com a intenção de escravizá-lo; todo ato de um escravo para vendê-lo ou trocá-lo; todo ato de cessão por venda ou troca de uma pessoa adquirida para ser vendida ou trocada, assim como em geral todo ato de comércio ou transporte de escravos, seja qual for o meio de transporte empregado.”

76JARDIM, Philippe Gomes. Neo-Escravidão. As Relações de Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Direito da Universidade

Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Wilson Ramos Filho. Disponível em: <http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/10978/philippe.pdf?sequence=1>. Acesso em: 05/02/2011, p. 14.

internacionais de traficantes para as Américas para trabalhar como prostitutas, devido à demanda crescente dos serviços sexuais prestados aos imigrantes.

Nesse cenário, é importante salientar que as técnicas de recrutamento não possuíam um alto nível de desenvolvimento, razão pela qual seus perpetradores aproveitavam-se do incremento dos fluxos migratórios da época para facilitar sua concretização, diversamente do que ocorre atualmente com o tráfico de seres humanos.77

Como se pode vislumbrar, o tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças, esteve durante muitos anos atrelado à prostituição. Não obstante isso, houve uma mudança significativa nesse cenário, pois hodiernamente possui novas finalidades degradantes, não apenas os fins de exploração sexual.

Nota-se que os problemas relacionados ao tráfico de seres humanos ficaram esquecidos durante o período da Guerra Fria, em razão das dificuldades estratégicas ocorridas nesse momento. Consequentemente, insignificantes esforços internacionais relacionados ao tema foram empreendidos, o que evidenciou uma lacuna sobre o assunto no cenário internacional durante essa época.78

Nos anos 80, do século XX, a comunidade internacional deparou-se novamente com os desafios concernentes ao assunto em estudo, devido a duas causas condicionantes; a primeira delas refere-se à emergência da temática dos Direitos Humanos, que apontou o tráfico de seres humanos como parte integrante do objeto de violação, e passou a ser incorporado nos anseios da ordem internacional. A segunda deve-se à manifestação de novos fenômenos que induziram a prática do tráfico de pessoas, como a globalização, o crescimento da indústria do sexo, somando-se à ação de redes organizadas de criminalidade transnacional.79 Acrescentam-se a esses o desenvolvimento do turismo sexual, o crescimento da economia informal e a feminização da pobreza.

Oportuno mencionar o fato de que a partir da queda do Muro de Berlim, ocorrida em 1989, o tráfico de seres humanos tornou-se mais visível. E, atualmente, com o processo global, o local de partida das vítimas traficadas poderá ser o mesmo

77Nesse sentido: ARY, Talita Carneiro. O Tráfico de Pessoas em Três Dimensões: Evolução,

Globalização e Rota Brasil – Europa. Dissertação de mestrado apresentada na Universidade

Brasília, Instituto de Relações Internacionais no Programa de Pós – Graduação em Relações

Internacionais, 2009. Disponível em:

<http://cnj.jus.br/dpj/cji/bitstream/26501/1402/1/Tese_O%20tr%C3%A1fico%20de%20pessoas%20em %20tr%C3%AAs%20dimens%C3%B5es.pdf>. Acesso em: 5/03/2011, p. 27.

78Nesse sentido: Idem. Ibidem, p. 34. 79

de chegada de outras ou apenas uma plataforma de distribuição,80 denominada países de trânsito, dependendo apenas da modalidade de tráfico de pessoas e sua finalidade degradante.

Por todo o exposto, fica evidente que a preocupação com o tema não surgiu nos dias atuais, pois desde o século XIX verificam-se importantes instrumentos internacionais que pretendiam a erradicação da escravidão, da exploração laboral e sexual de seres humanos, em especial mulheres e crianças.

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