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Os bens jurídicos protegidos no delito de tráfico de seres humanos

Decorrente da função precípua do Direito Penal, no que tange à proteção de bens jurídicos, depreende-se que é de suma importância a identificação destes no crime de tráfico de pessoas. Para tanto, faz-se necessária uma sucinta digressão na evolução dogmática do bem jurídico.

No século XVIII, o precursor da teoria do bem jurídico penal foi Paul Johann Anselm Ritter von Feuerbach, em seu Tratado (Lehbuch dês germeinen in Deutschland gültigen peinlichen Rechts), publicado em Giessen, em 1801. Com sua ideologia liberal, produto do iluminismo clássico, limita as proibições daquelas ações prejudiciais para a sociedade, levando-o a desenhar um conceito embrionário de bem jurídico, com raízes firmes na teoria do contrato social e sobre essa base concebe o delito como a lesão a um direito subjetivo alheio. Portanto, o delito, é uma conduta socialmente danosa, que ofende antes de tudo o Estado que como garante das condições de vida em comum, deve penalizar tais ações, mesmo quando não se veja diretamente afetado por elas.157

Partindo da crítica feita à teoria de Feuerbach, em 1834, Birnbaum cunhou o termo bem jurídico, sustentando pela primeira vez que o delito não lesiona direitos subjetivos, mas bens. De modo que o delito é toda lesão ou ameaça de perigo a bens atribuíveis ao querer humano e tais bens devem ser garantidos de forma equivalente a todos pelo poder estatal.158

Depois do fracasso da Revolução Industrial, sobreveio o positivismo, que viria a se converter na nova justificação filosófica das ciências experimentais, cuja vanguarda penal situa-se Karl Binding. Este, em 1872, retoma a ideia de bem

156Nesse sentido: JAKOBS, 1998, p. 23 -24. Tradução livre realizada pela autora.

157Nesse sentido: D. FERNÁNDEZ, Gonzalo. Bien jurídico y sistema del delito. Un ensayo de fundamentación dogmática. Buenos Aires: Julio César Faira-Editor, 2004, p.11-13.

158Nesse sentido: Idem. Ibidem, p. 15-16 apud BIRNBAUM. Über das Erfordernis einer Rechtsverletzung zum Begriff dês Verbrechens. Archiv dês Criminalrechts, t.15, 15.1834, p.

jurídico, defende que toda norma contém em si um bem jurídico e, portanto, toda desobediência da norma é uma lesão ao bem jurídico que ela contém. De modo que podem ser objeto de poder do direito, pessoas, coisas ou situações, positivamente valoradas pelo legislador. Isto porque segundo a orientação do positivismo, a punibilidade pode se ampliar para toda a conduta que o Estado considere necessária admoestar, pois o objeto direto e único do método positivista passa a ser o direito positivo, tomado acriticamente como uma realidade dada e liberado de todo juízo de valor.159

Contrariamente, Franz von Liszt, o fundador do moderno sistema do delito, responde à matriz do pensamento naturalista, que exige uma objetivação do substrato do delito, ao qual deve sair do mundo espiritual para o mundo real. Parte da premissa que o bem jurídico não é um conceito exclusivamente jurídico, uma pura criação do legislador, senão uma criação da vida, um interesse vital do indivíduo ou da sociedade, cuja proteção o direito lhe confere, precisamente, a categoria de bem jurídico.160

A partir dessa perspectiva, Liszt afirma que bem jurídico é o interesse juridicamente protegido, ou seja, as condições vitais do indivíduo ou da sociedade, amparadas pelo direito, de modo que a norma penal e a lei pública têm por missão a defesa do bem jurídico, de maneira que este se expressa em Direito Penal como a ideia de “fim de proteção” dos pressupostos de ordem social.161

Posteriormente, surge o neokantismo, como uma reação positivista ante a cientificidade e a aversão filosófica imposta pelo positivismo, que a partir de Liszt, passou a trabalhar debaixo do paradigma de que os conceitos científicos são comprováveis empiricamente, e, trasladou o método experimental das ciências naturais para a observação dos fenômenos sociais e a análise dos próprios fenômenos jurídicos.162

No plano do Direito Penal e, especificadamente, em torno do conceito de bem jurídico, a orientação neokantiana introduz um giro radical, já que centra sua atenção à submissão teleológica do conceito, na sua capacidade de ser erguido a um critério de interpretação, a partir de sua finalidade de proteção, ou seja, o valor protegido.De

159Nesse sentido: D. FERNÁNDEZ, 2004, p.17 - 20. 160Nesse sentido: Idem. Ibidem, p.21.

161Nesse sentido: Idem. Ibidem, p.22.

162Nesse sentido: Idem. Ibidem, p.25 apud MIR PUIG, Santiago. Introdución a las Bases del Derecho Penal. Colección Maestros del Derecho Penal. nº 5. 2ª ed. B de F. Montevideo. 2002, p.

modo que o bem jurídico não é uma coisa, pessoa ou situação, tampouco um ente ideal, senão uma categoria abstrata, insuscetível de ser limitada em seu conteúdo material, que traduz o “fim da norma”, a ratio legis, que deve orientar a interpretação dos tipos.163

Da inflexão neokantiana emerge a corrente denominada causalismo valorativo, com Edmund Mezger, para quem o bem jurídico indica uma formação conceitual teleológica que determina interpretar todo o conceito jurídico desde o ponto de vista da sua finalidade, trata-se do valor objetivo ao qual a lei penal concede sua proteção, e, desse modo, constitui o indicador do fim perseguido pela norma.164

Com a ascensão do nacional socialismo e a tomada do poder, consequentemente com a ruptura flagrante do Estado constitucional, marcado pelo irracionalismo autoritário, fez brotar um novo direito, organizado em torno da Escola de Kiel, fulcrado na expressão dos sentimentos do povo. Em linhas gerais, os juristas de Kiel construíram a ideia de bem jurídico simbolizado como um objetivo nacional, popular e alemão, cujo princípio analógico era orientado pelo “são sentimento do povo alemão.”165

Pois bem, após a derrubada do Estado nazista, começa a ganhar terreno uma nova orientação dogmática, que havia sido timidamente formulada por Hans Welzel, em 1931, cuja verdadeira transcendência jurídico-penal instalou-se com vigor mediante a paulatina consolidação da escola finalista, como uma das direções predominantes na dogmática penal alemã.166

Para Welzel, a determinação do substrato material do bem jurídico está condicionada à missão primordial que ele atribui ao direito, qual seja, tutelar o mínimo ético e os fundamentos da instituição social. Assim, tendo o Direito Penal uma função ético-social, sua missão principal consiste em proteger os valores elementares da consciência, e assume concomitantemente a proteção de bens jurídicos particulares. Portanto, descreve o bem jurídico como um bem vital da comunidade ou do indivíduo, que por seu sentido social deve ser protegido juridicamente.167

163Nesse sentido: D. FERNÁNDEZ, 2004, p.24-27. 164Nesse sentido: Idem. Ibidem, p.28-30.

165Nesse sentido: Idem. Ibidem, p.33. 166Nesse sentido: Idem. Ibidem, p.36. 167Nesse sentido: Idem. Ibidem, p.39-41.

O período pós-Segunda Guerra é marcado pela retomada da dogmática penal e da filosofia do direito, as fontes de direito natural e o mundo dos valores, tentando limitar o poder de intervenção jurídico-penal na teoria do bem jurídico, cuja ideia basilar é que o Direito Penal “deve proteger somente bens jurídicos concretos, e não convicções políticas e ideológicas do mundo ou simples sentimentos.”168

O novo modelo, fundado no constitucionalismo centrado na fórmula abreviada “Estado Social e Democrático de Direito”, repercute na ciência do Direito Penal, fundamentado na dignidade humana, com respeito à dignidade da pessoa, princípio central da tutela jurídica e, por conseguinte, o limite de toda coação estatal, gira em torno da proteção dos direitos fundamentais, o que permite a inserção da política criminal como grande elemento valorativo dentro do âmbito da questão penal, tendente a moderar a potencialidade punitiva do Estado.169

De modo que surgem as teorias constitucionais do bem jurídico, acolhidas especialmente pela doutrina italiana, na qual Arturo Rocco sustentava que os bens e interesses jurídicos teriam existência real e não meros conceitos dogmáticos.170 Assim, de maneira geral, “procuravam formular critérios capazes de se impor de modo necessário ao legislador ordinário, limitando-o no momento de criar o ilícito penal.”171

Na trilha desse entendimento, Claus Roxin, como expoente da doutrina alemã, afirma que como ponto de partida é imprescindível reconhecer que a única restrição previamente dada para o legislador encontra-se nos princípios da Constituição. E, portanto, um conceito de bem jurídico vinculante político criminalmente, somente pode derivar de obrigações plasmadas na Lei Fundamental do Estado de Direito, baseada na liberdade do indivíduo, por meio da qual são marcados os limites punitivos do Estado. Consequentemente, bens jurídicos são circunstâncias dadas ou finalidades que são úteis para o indivíduo e seu livre desenvolvimento no marco de um sistema social global estruturado sobre a base dessa concepção dos fins ou para o funcionamento do próprio sistema.172

168ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito Penal. org. e trad. André

Luís Callegari, Nereu José Giacomolli. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 12.

169Nesse sentido: D. FERNÁNDEZ, 2004, p.46. 170Nesse sentido: Idem. Ibidem, p.50.

171PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 5. ed. rev.e atual. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2011, p. 62.

172ROXIN, Claus. Derecho Penal Parte General Tomo I Fundamentos la Estructura de la Teoría del Delito. Madrid: Editorial Civitas. 1997, p. 55-56.

Logo, em um Estado Democrático e Social de Direito, a tutela penal não pode vir desassociada do pressuposto do bem jurídico, para somente assim ser considerada legítima e socialmente necessária, sendo o Estado de Direito aquele cujo ordenamento jurídico positivo atribui

específica estrutura e conteúdo a uma comunidade social, garantindo os direitos individuais, liberdades públicas, a legalidade e a igualdade formais, mediante uma organização policêntrica dos poderes públicos e a tutela judicial dos direitos.173

Nesse ponto é oportuno mencionar que o Estado de Direito sofreu um processo evolutivo, o qual corresponde a gerações ou fases dos direitos fundamentais que se subdividem em: a) direitos fundamentais de primeira geração: são os direitos da liberdade, a saber, os direitos civis e políticos, que correspondem a bens ou direitos individuais como a vida, a liberdade, integridade física e a propriedade; b) direitos fundamentais de segunda geração: compreendem os direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos; c) direitos fundamentais de terceira geração: o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, direito ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade, o direito de comunicação (interesses coletivos ou difusos); d) direitos fundamentais de quarta geração: o direito à democracia, o direito à informação, o direito ao pluralismo e os direitos relacionados à engenharia genética.

Assim, a busca por novos fundamentos de racionalização do sistema penal buscou apoio no fundamento sociológico. Assim, o estrutural-funcionalismo, oriundo da sociologia norte-americana, contribuiu para a articulação do paradigma do Estado de Bem-Estar que, naturalmente, incidiu sobre o sistema de Direito Penal e de forma preponderante, sobre a função da pena. No que concerne à proteção de bens jurídicos, estes tendem a ser visualizados como situações ou estados de particular valor social, os quais se tornam imprescindíveis de serem tutelados penalmente.174

Desse modo, um fiel representante do funcionalismo sociológico no Direito Penal é K. Amelung, que visualiza o delito como um fenômeno disfuncional, ou seja, um fenômeno que impede ou dificulta o sistema social na superação daqueles problemas que obstruem seu progresso e sobre essa base, o bem jurídico se

173PRADO, 2011, p. 72-73.

constitui a partir de sua conexão valorativa com o sistema social e com os possíveis efeitos disfuncionais da danosidade social do comportamento.175

Dentro da atual dogmática alemã, Winfried Hassemer destaca-se como representante dessa orientação sociológica, ao aderir a teoria transcendental do bem jurídico, segundo a qual este transcende o sistema penal. No que concerne ao bem jurídico, este indica que uma correta teoria material deve poder responder por que uma sociedade criminaliza certa conduta que considera lesiva, devendo ser capaz de fundamentar a própria razão do castigo, valorando-se o bem jurídico no contexto do seu histórico-cultural.176

Desse modo, para precisar o conceito de bem jurídico, Hassemer rechaça de plano a pura proteção do sistema social e delimita o bem jurídico em torno dos interesses humanos que requerem a proteção penal. Assim, fundamenta uma teoria personalista do bem jurídico, que o leva a explicar os bens jurídicos universais ou coletivos, funcionalizando-os a partir da pessoa humana, que podem ser aceitos como condições possíveis para servir os interesses dos seres humanos.177

Contrapondo-se ao entendimento majoritário da doutrina, no que tange à função do Direito Penal, relativa à proteção de bens jurídicos, Günther Jakobs parte do pressuposto que o Direito Penal está voltado a garantir a identidade normativa, a Constituição e a sociedade, e subsume o bem jurídico como “objeto de proteção de uma norma, em contraposição à propria eficácia da norma como bem jurídico- penal.”178

Por fim, modernamente, a doutrina alemã tem aceitado a elaboração de tipos penais considerando suficiente para tanto, uma atitude fundamental e socialmente reconhecida, um “não querer algo”, abandonando-se por completo a capacidade crítica da proteção do bem jurídico, como por exemplo, a criminalização dos maus-

175Nesse sentido: D. FERNÁNDEZ, 2004, p.58-59. 176Nesse sentido: Idem. Ibidem, 2004, p.60-61.

177Nesse sentido: HASSEMER, Winfried. Linhas gerais de uma teoria pessoal do bem jurídico.

GRECO, Luís; TÓRTIMA, Fernanda Lara (organizadores). O bem jurídico como limitação do poder

estatal de incriminar?. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 15-24, 2011, p. 21-22; D. FERNÁNDEZ,

Gonzalo, op. cit., p.61. Hassemer esclarece que: “Fundamentalmente, los llamados bienes jurídicos universales (los intereses de la mayoria en la proteccion de la intimidad frente a la recoleccion de datos, administracion de justicia, trafico juridico de documentos, etc.) se han convertido en um tema fundamental de la politica criminal (...).” in: HASSEMER, Winfried. Derecho Penal Simbólico y

protección de Bienes Jurídicos. Pena y Estado, Santiago: Editorial Juridica Conosur, p. 23-36,

1995, p. 29-30.

178JAKOBS, Günther. Tratado de Direito Penal: Teoria do Injusto Penal e Culpabilidade. Belo

tratos aos animais ou extermínio de espécies animais, em responsabilidade pelas futuras gerações179.

Noutro norte, reafirmando-se a função precípua do Direito Penal, é importante destacar que os bens jurídicos dignos de tutela penal não podem satisfazer quaisquer interesses, devem ser eleitos sob três alicerces: a) sua valoração deve ser pautada pelos Direitos Humanos, refletindo os valores sociais do determinado momento, correspondendo aos valores fundamentais da sociedade; b) balizados pelo crivo rígido da Constituição Federal, fundamentada na dignidade da pessoa humana e na liberdade; e c) pelos valores constitucionais ligados ao modelo de Estado Democrático de Direito, fornecendo critérios para a intervenção penal, visando à proteção dos bens jurídicos essenciais.

De tal modo que o legislador ordinário terá seu poder punitivo adstrito a essa máxima, orientado pelos princípios da proporcionalidade e intervenção mínima, os quais determinarão o caráter fragmentário e subsidiário do Direito Penal.

Relacionado ao tema ora estudado, ressalta-se de imediato que não há como se reduzir a um único bem jurídico como objeto de proteção penal, uma vez que o delito de tráfico de seres humanos possui um caráter pluriofensivo.

Nessa senda, Eduardo Geronimi entende que o tráfico de seres humanos é um delito contra as pessoas e, assim, há bens jurídicos comuns a todas as modalidades de tráfico, que podem sofrer alguma variação, conforme o caso concreto. Fundamenta a eleição dos bens nos tratados regionais e internacionais de Direitos Humanos, os quais elencam como objetos jurídicos protegidos no tráfico de pessoas: a) a vida, pois esta é inerente à pessoa humana e ninguém poderá ser arbitrariamente privado dela (artigo 6.1 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, artigo 4, da Convenção Americana de Direitos Humanos e artigo 2 do Convênio Europeu de Direitos Humanos); b) a liberdade pessoal, implícita na proibição da escravidão e servidão, pois as vítimas veem-se privadas do direito à liberdade de circulação (artigo 12 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos), também abrangendo a liberdade sexual (artigo 8 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, artigo 6 da Convenção Americana de Direitos Humanos e artigo 4 do Convênio Europeu de Direitos Humanos); c) a dignidade e a integridade física, inerentes ao direito de não sofrer torturas nem tratamentos

desumanos ou degradantes (artigo 7 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, artigo 5 da Convenção Americana de Direitos Humanos e artigo 3 do Convênio Europeu de Direitos Humanos).180

É importante deixar claro que a variação do interesse juridicamente tutelado refere-se ao caso concreto, conforme a finalidade da exploração. De modo que se reputa, ainda, como objeto jurídico, a saúde psicológica do indivíduo como bens que compõem o substrato mínimo dignos de proteção penal.

Em relação ao tráfico voltado para a exploração sexual, o qual pode envolver também as condutas de servidão e escravidão sexual, é importante salientar que os bens jurídicos dignos de proteção penal incluem, além da vida, a liberdade pessoal, a dignidade e a integridade física, ao mesmo tempo a proteção da liberdade sexual e a autodeterminação sexual.

Assim, a liberdade sexual possui extensão da tutela penal que versa sobre a vertente positiva e negativa. Isto porque, tornou-se necessária, no atual estágio de evolução social, a exclusão de proteção penal de certos bens jurídicos ligados à moral e aos bons costumes. Dessa forma, a vertente positiva da liberdade sexual impõe a livre disposição do sexo e do próprio corpo para fins sexuais, logo, trata-se da possibilidade que cada ser humano tem em fazer suas opções no domínio da sua sexualidade. Já a vertente negativa estabelece o direito de cada um a não suportar de outrem a realização de atos de natureza sexual contra sua vontade.181

Além disso, salienta-se que a autodeterminação sexual possui um conceito mais amplo do que a liberdade sexual, pois versa sobre a inexistência de obstáculos ou restrição para a liberdade sexual, mas inclui a existência de condições que permitam uma livre formação de vontade.182

Com relação ao bem juridicamente tutelado, no tráfico de pessoas com a finalidade de exploração laboral, pode-se acrescer ao rol mínimo a proteção à livre determinação sobre a própria capacidade de trabalho.183

180Nesse sentido: GERONIMI, Eduardo. Aspectos jurídicos del tráfico y la trata de trabajadores migrantes. Programa de Migraciones Internacionales Oficina Internacional del Trabajo Ginebra.

Disponível em: <http://www.ilo.org/public/english/protection/migrant/download/pom/pom2s.pdf>, p. 21. Tradução livre realizada pela autora.

181LEITE, Inês Ferreira. Pedofilia: Repercussões das novas formas de criminalidade na teoria geral da infração. Coimbra: Almedina, 2004, p. 26.

182Nesse sentido: Idem. Ibidem, p. 28.

183Nesse sentido: VILLACAMPA ESTIARTE, Carolina. El delito de trata de seres humanos. Una

incriminación dictada desde el Derecho Internacional. Pamplona: Editorial Aranzadi, 2011, p.320. apud RENZINKOWSKI, «Die Reform der Straftabestãnde gegen den Menschenhandel», en Juristen Zeitung, 18/2005, p. 883.Tradução livre realizada pela autora.

Finalmente, restam algumas considerações acerca da dignidade da pessoa humana como objeto de proteção penal.

O atual momento histórico, no qual se desenvolve as novas formas de criminalidade, não é aconselhável descartar a dignidade da pessoa humana como possível objeto de proteção penal, em especial, nas configurações delituosas que representam graficamente o tratamento de seres humanos como coisa.184

A dignidade da pessoa humana como valor básico possui uma clara dimensão coletiva ou supraindividual, apesar de ser um atributo individual por excelência. Nesse ponto, acerca dos bens jurídicos pessoais, idealiza-se de forma que o valor protegido deixa de pertencer direta e fisicamente ao sujeito individual, para se converter em patrimônio da humanidade inteira. Especificamente no caso da dignidade humana, esta aparece não somente como pertencente a um sujeito físico determinado, mas sim como uma síntese ‘da qualidade que se atribui à pessoa humana indeterminada em seu valor de humanidade’.185

A observação resulta acertada, na medida em que se apresenta o papel da sociedade atual, não somente com a produção de bens jurídicos coletivos, mas também pelo fato de ter proporcionado uma dimensão coletiva a bens jurídicos individuais. Em suma, nada obsta que se constitua a dimensão coletiva da dignidade humana como objeto de atenção pelo Direito Penal.

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